Em pouco mais de 12 meses de gestão à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), metade do tempo habitual, a ministra Rosa Weber retomou temas de relevância social, de destaque político, concluiu julgamentos pendentes e deu início a outros de grande relevo. Fez, também, alterações regimentais importantes, não apenas internamente.
Para além dos desafios tradicionais da Presidência, como controle da pauta do plenário e dos trabalhos, Weber teve um revés anormal. Ela teve de falar em nome da Corte, em defesa da democracia, depois de ataques violentos sofridos pelas sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro deste ano.
Empossada a menos de um mês do primeiro turno das eleições em 2022, a ministra comandou a cúpula do Poder Judiciário em meio às tensões eleitorais e com a missão de tirar o Tribunal do centro do debate político. Mesmo sem proximidade com a classe política, diferentemente de outros colegas de Corte, ela esteve próxima das outras autoridades do país para demonstrar união.
Juíza de carreira, a única da atual composição oriunda da Justiça do Trabalho, ela conquistou respeito pela serenidade e firmeza de conduta. Ainda que distante de conflitos, pontuou a defesa da democracia e também foi de encontro à posição da Procuradoria-Geral da República quando discordou da posição do órgão.
O que é inegável é que no último sábado (30/9), quando Rosa Weber se aposentou, a ministra deixou o STF maior do que entrou.
Nesta segunda-feira (2/10), dia em que Rosa Weber completa 75 anos, o JOTA lista dez fatos que marcaram a trajetória da ministra Rosa Weber no STF. Confira:
1. A ministra que sai do STF maior do que entrou
Nos últimos anos, especialmente desde o julgamento do mensalão, a Ação Penal 470, os ministros do STF passaram a ser conhecidos e reconhecidos de forma mais ampla pela sociedade. A exposição não alterou a postura da ministra Rosa Weber. Da mesma forma que entrou na Corte, ela deixa o tribunal: a magistrada manteve a máxima de só falar nos autos e jamais conceder entrevistas sobre andamento de processos. A consistência fez com que ela saísse maior do que entrou.
A discrição da magistrada conferiu a ela uma aura de juíza modelo e ampliou o respeito dos pares por ela. Além disso, ela é conhecida pela gentileza com que se dirige aos colegas. Rosa Weber não se envolveu em discussões, que eventualmente ocorreram no plenário durante a passagem pela Corte.
E, mesmo em casos concretos em que sofreu críticas pela conduta estrita, ela se ateve a uma aplicação mais restritiva e dogmática do Direito e deu menor espaço ao ativismo judicial. O perfil da ministra Rosa Weber tornou-se raro e ela passou a ser ainda mais elogiada no ambiente jurídico por não antecipar votos, pelo respeito à colegialidade que demonstra e por não comentar casos nem desrespeitar os colegas, apontada como correta e elegante.
2. O papel no 8 de janeiro e a reconstrução do STF
Era sabido que Rosa Weber seria a presidente da Corte num momento delicado do país, o das eleições de 2022. Não se imaginou, no entanto, como a tensão eleitoral se materializaria uma semana após a solenidade de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), ex-presidente derrotado no pleito, depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em 8 de janeiro.
À frente do Supremo no momento de um ataque inédito, Rosa Weber foi contundente em defesa da democracia em diversos momentos, começando no mesmo dia dos ataques. Ela conduziu a reconstrução do tribunal, criou uma campanha e pensou em elementos de memória, como legado às próximas gestões e gerações. Um exemplo é o do busto de Ruy Barbosa. O tribunal decidiu não restaurar a escultura, para marcar a brutalidade do dia 8 de janeiro.
Rosa Weber afirmou, ainda naquela noite, que “a Suprema Corte não se deixará intimidar por atos criminosos e de delinquentes infensos ao estado democrático de direito.” Em um movimento simbólico, no dia seguinte dos ataques, ela se juntou ao presidente da República, e, acompanhados dos governadores dos estados e de representantes do Legislativo, caminharam do Palácio do Planalto até a sede do Supremo. Como o STF foi alvo de muitas ofensas nos anos anteriores, inclusive por parte do Executivo, aquele ato demonstrou um novo momento de união.
Na mesma semana, ela abriu sessão virtual extraordinária, antes da abertura do Ano Judiciário de 2023, que se daria no início de fevereiro, para julgar questões urgentes relacionadas aos ataques — como de fato ocorreu: o STF manteve a decisão do ministro Alexandre de Moraes de afastar o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB).
Além disso, se comprometeu com a reconstrução do plenário da Corte até a data de reabertura dos trabalhos. O impacto financeiro da destruição foi orçado em R$ 11,4 milhões, apenas no STF. O edifício-sede foi interditado, mas a prestação jurisdicional não foi interrompida. Dois meses depois da depredação, em 16 de março, foi concluída a reconstituição do terceiro andar do edifício-sede, permitindo o retorno da Presidência ao gabinete.
Já em 10 de abril, a ministra Rosa Weber, junto do ministro Alexandre de Moraes, esteve no Complexo da Papuda, visitando denunciados por envolvimento nos atos antidemocráticos. Eles ouviram as considerações da direção, inclusive sobre a necessidade de mais agentes policiais, para que o estabelecimento esteja operacional em sua totalidade. Por fim, ela pautou, no início de setembro deste ano, os primeiros julgamentos dos réus do 8 de janeiro. Em 13 e 14 de setembro, os três primeiros réus foram condenados.
3. A Presidência que retomou casos de impacto social
A Presidência de Rosa Weber teve apenas um ano e 16 dias. Apesar do período curto e de ter de lidar com os impactos de ataques golpistas, ela conseguiu pautar temas de grande relevo social no pleno do colegiado. Rosa Weber retomou os julgamentos da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal e do marco temporal de terras indígenas, pautou o juiz de garantias e deu início à análise da ação que requer a descriminalização do aborto.
O caso da descriminalização do porte de drogas começou a ser julgado pelo STF em 2015, mas o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Zavascki morreu em janeiro de 2017 e foi substituído por Moraes, que devolveu a vista em novembro de 2018. Apenas em 2023, sob a presidência de Rosa Weber, o caso voltou a ser discutido. Em 24 de agosto, André Mendonça pediu nova vista. Mas já há 5 a 1 pela descriminalização e maioria de 6 votos para que a Corte fixe um critério objetivo capaz de distinguir usuário de traficante.
Na reta final do mandato na presidência, o pleno derrubou a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. É o desfecho de uma controvérsia, levada à Corte ainda em 2016. O julgamento começou em 2021, mas foi suspenso por vista. É um dos maiores da história da Corte, tendo se estendido por 11 sessões e mobilizado a sociedade civil.
Em março deste ano, Rosa Weber participou de missão junto as comunidades indígenas do Alto Solimões e do Vale do Javari e de representantes do poder público do Amazonas, em nome da aproximação da Justiça brasileira com as populações originárias e de região estratégica para preservação ambiental. Recentemente, a área ficou marcada pelo assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. Na ocasião, ela garantiu que pautaria o caso, o que fez em junho.
Por fim, como um dos últimos atos à frente da Corte, a ministra pautou a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 442 no plenário virtual. Mesmo com uma pauta tomada por outros casos, a ministra fez questão de dar início ao julgamento da ação que pede a descriminalização do aborto no Brasil nas 12 primeiras semanas de gestação. O ministro Luís Roberto Barroso pediu destaque do caso, o que levará o processo ao plenário físico. Antes de sair, no entanto, Rosa Weber demarcou a própria posição no sentido de que a criminalização exclui a mulher como sujeito autônomo de direito no tecido social e jurídico. “A mulher que decide pela interrupção da gestação nas doze primeiras semanas de gestação tem direito ao mesmo respeito e consideração, na arena social e jurídica, que a mulher que escolhe pela maternidade”, avalia a ministra Rosa Weber.
4. Condução de mudanças relevantes no regimento
Rosa Weber deixa um legado também para a organização dos trabalhos da Corte, e que trouxeram impactos benéficos concretos. No Supremo, pedidos de vista davam aos ministros controle indefinido sobre o tempo de tramitação de um processo, o que poderia atrasar a prestação jurisdicional ou mesmo ser uma ferramenta de política interna a respeito de temas considerados sensíveis.
No fim do ano passado, a ministra Rosa Weber promoveu uma alteração regimental que mexe em dinâmicas importantes do tribunal. Desde o início deste ano, os pedidos de vista deverão ser devolvidos no prazo de 90 dias, contado da data da publicação da ata de julgamento. Depois desse período, os autos serão automaticamente liberados para continuidade do julgamento pelos demais ministros. A mudança foi aprovada por unanimidade pelo colegiado em sessão administrativa.
Novas regras também foram criadas para a condução de decisões monocráticas. A norma prevê que o relator que emitir medidas cautelares as leve imediatamente ao colegiado. Até então, cada relator decidia se o faria ou não. A análise para referendo deve se dar, preferencialmente, em ambiente virtual. Mas, caso a medida urgente resulte em prisão, a deliberação será, necessariamente, de modo presencial.
Se mantida, a medida precisa ser reavaliada pelo relator ou pelo colegiado a cada 90 dias, nos termos do CPP. E caberá à Secretaria Judiciária acompanhar os prazos.
Outra alteração é a que prevê, em processos submetidos à sistemática da repercussão geral, prazo comum de seis dias úteis para que cada ministro ou ministra se manifeste sobre a questão, após recebida a manifestação do relator.
5. Relatora do julgamento que acabou com o orçamento secreto
Um dos maiores escândalos dos últimos anos no Brasil, o orçamento secreto encontrou barreiras no Supremo. Rosa Weber foi a relatora do processo que declarou a inconstitucionalidade das emendas de relator. O plenário acompanhou a posição dela e, assim, colaborou para a consolidação de uma nova relação do STF com o Executivo e de força frente ao Congresso no fim do ano passado. Houve ainda a determinação de que todas as unidades da Administração Pública publiquem os dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com tal verbas entre 2020 e 2022.
No voto que tomou uma sessão plenária inteira, ela foi enfática e incisiva contra as emendas do relator. Weber também determinou que caberá aos ministros titulares das pastas beneficiadas pelas emendas de relator orientar a execução dos valores em conformidade com os programas e projetos existentes nas áreas, afastando o caráter vinculante das indicações formuladas pelo relator geral do orçamento. Assim, na prática, ela devolveu a discricionariedade ao Executivo e reduziu a margem de uso pelos chefes do Legislativo Nacional.
De certa forma, a postura de Weber frustrou as expectativas que alguns parlamentares tinham de um voto intermediário. Membros do Congresso Nacional vinham afirmando que estavam mantendo a interlocução com a relatora. Mas, durante a leitura do voto, a ministra afirmou que a distribuição da emenda dos relatores tem “caráter obscuro” e que o “alto grau de personalismo” das emendas do relator representa “prejuízo à efetividade das políticas públicas”.
A decisão teve efeitos políticos incontroversos. Os ministros votaram de modo a esvaziar o poder que os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado tinham para definir os parlamentares que seriam beneficiados pelo orçamento secreto. Além disso, o desfecho representou também uma vitória institucional para a ministra Rosa Weber, que já tinha dado decisão liminar no passado sobre esse assunto. Esse foi um dos casos que ela fez questão de manter relatoria ao assumir a Presidência da Corte.
6. Atritos com Augusto Aras
Mesmo que Rosa Weber seja conhecida pela cordialidade com os interlocutores e pela resistência ao conflito, com pelo menos uma figura ela externou atritos. Foi com o então chefe do Ministério Público Federal, o procurador-Geral da República, Augusto Aras. A despeito de o MPF ser o titular da ação penal, a ministra Rosa Weber negou o pedido da PGR para arquivar o inquérito que investigava se o presidente Jair Bolsonaro (PL) cometeu crime de prevaricação no caso da compra das vacinas Covaxin. Além disso, decidiu supervisionar a atuação da PGR em relação às fake news do ex-presidente Bolsonaro sobre às urnas eletrônicas em fala a embaixadores.
No caso da Covaxin, em março de 2022, ela afirmou que “o modelo acusatório não outorga ao Ministério Público a função de intérprete definitivo das leis penais do país, tampouco subtrai do magistrado, em sede processual penal, o regular exercício da prática hermenêutica”. A investigação foi aberta para verificar se Bolsonaro havia tomado as medidas necessárias ao ser avisado de que haveria negociatas na compra das vacinas. A Polícia Federal e a PGR entenderam não existir um “dever funcional” do presidente da República para agir neste caso. A ministra discordou. Para ela, o então presidente não tinha direito de não ter agido diante das suspeitas no caso. Apenas depois de nova tentativa, Rosa Weber atendeu ao pedido de arquivamento da PGR, apontando que Aras havia acrescentado novos elementos que sustentavam o pedido.
Com a pandemia sob maior controle, as eleições dominaram a pauta da sociedade. E, no início de setembro do ano passado, Weber definiu que o Supremo supervisionaria as apurações feitas pela PGR no caso dos ataques de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas na reunião com embaixadores, em julho. No despacho, ela trancou a investigação prévia instaurada pela PGR. Em 8 de agosto, ela enviou uma notícia-crime à PGR, a quem cabe requerer investigação nos processos de competência criminal no STF. Na sequência, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, manifestou-se pela negativa de seguimento, apontando falta de legitimidade ativa dos deputados de oposição e a existência de procedimento interno da PGR sobre os mesmos fatos. Para Rosa Weber, porém, não cabe à PGR relegar a notícia-crime apresentada pelos deputados porque havia outro procedimento em paralelo na própria PGR e mantido sem a supervisão do Supremo. Assim como não é papel da PGR deliberar sobre a legitimidade dos agentes para prosseguir ou não com o trâmite da notícia-crime.
Para justificar a supervisão, a ministra citou que há jurisprudência no Supremo de que a atividade de supervisão judicial deve ser desempenhada durante toda a tramitação das investigações, desde a abertura dos procedimentos apuratórios até o eventual oferecimento da denúncia.
7. Presidiu o julgamento e votou contra a candidatura de Lula em 2018
À frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber conduziu o julgamento que rejeitou o registro da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 2018. Em um julgamento inédito e com direito a discussão de meia hora a portas fechadas, o TSE negou o pedido de registro de candidatura de Lula, que estava preso havia quase quatro meses. Lula estava à frente nas pesquisas de intenção de voto. Depois do julgamento, o PT apresentou chapa com Fernando Haddad à Presidência — derrotado por Bolsonaro.
Os ministros decidiram dar efeito imediato à decisão, impedindo Lula de aparecer como candidato na propaganda eleitoral, de fazer campanha, além de retirar o nome do petista da urna. Na época, a defesa de Lula esperava que o julgamento do registro ocorresse mais à frente, em razão de prazos maiores previstos pela lei eleitoral para conclusão do processo, e que, com isso, ele pudesse aparecer como candidato na propaganda de rádio e TV de candidatos a presidente. O TSE, no entanto, antecipou a análise do caso, a pedido do MP, com o argumento de que a campanha seria integralmente financiada com recursos públicos.
A então presidente da Corte Eleitoral também votou pelo indeferimento do registro, mas, diferentemente da maioria, afirmou que Lula ainda teria direitos de seguir praticando atos de campanha, inclusive para aparecer no programa eleitoral gratuito, pois enquadrava-se na condição de candidatura sub judice. A ministra também enalteceu a Lei da Ficha Limpa. “Não tenho dúvida de que se aplica a Lei da Ficha Limpa. Ela consagra que são inelegíveis os que forem condenados em decisão transitada em julgado ou por órgão colegiado. Nessa hipótese, concretizado o suporte fático, impõe-se o indeferimento de registro de candidatura”, disse.
A sessão durou mais de 11 horas e os dois principais pontos de discussão foram o enquadramento de Lula na Ficha Limpa, diante da então vigente condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) na Lava Jato, e a recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que o Brasil garantisse ao petista direito de participar do pleito. Menos de três anos depois, em março de 2021, a condenação do TRF4 acabou sendo anulada depois que o ministro Edson Fachin declarou a vara de Curitiba incompetente para julgar os processos de Lula.
8. O papel de Rosa Weber na prisão em segunda instância
Rosa Weber também cruzou o destino de Lula e do país antes do julgamento no TSE. No início de 2018, um voto de Weber abriria as portas para a prisão do ex-presidente Lula, em sentença determinada pelo então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro. Foi dela o voto decisivo para não conceder o pedido de liberdade impetrado pela defesa do líder do PT. Acontece que, ao dar o voto, ela desconsiderou convicção pessoal segundo a qual é inconstitucional a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Como em outros momentos, Rosa Weber priorizou o precedente da Corte.
Ela votou por seguir o entendimento da maioria do STF, que desde 2016 admitia a prisão de condenados em segunda instância. À época, o voto de Weber centralizou atenções. Quem acompanhava os momentos antecedentes ao julgamento e a própria leitura de Weber dizia se tratar de uma incógnita. O que ela rebateu. A ministra reafirmou o entendimento pessoal, mas se curvou ao princípio da colegialidade e à necessidade de respeito à jurisprudência do tribunal, afirmando, ainda, que agiu assim durante toda a trajetória na magistratura. “Minha leitura constitucional sempre foi a mesma”, explicou Rosa Weber.
Ao final do julgamento, o ministro aposentado Marco Aurélio se exaltou e afirmou que ganhava, ali, a estratégia. Queria dizer que a então presidente Cármen Lúcia, contrária ao HC preventivo e favorável à execução provisória da pena, conhecendo as posições de Weber a respeito tanto da matéria em questão quanto do apreço pela colegialidade, decidiu não pautar as ações abstratas que tratavam do tema antes do pedido da defesa de Lula. Marco Aurélio era o relator das ações que tratavam do tema.
Posteriormente, de fato, quando do julgamento dessas ações, Rosa Weber deu o voto definidor para derrubar a execução provisória da pena. Em novembro de 2019, o STF definiu que a prisão para fins de cumprimento de pena só é permitida depois que se esgotarem todos os recursos cabíveis e o processo transitar em julgado, mudando o entendimento. De acordo com os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) à época, 4.895 presos poderiam ser beneficiados com a decisão — era este o número de mandados de prisão expedidos em razão de condenação em 2ª instância pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, dentre eles, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, solto depois de 580 dias preso.
9. Cotas femininas nas eleições e ação afirmativa para aumentar número de mulheres nos tribunais
Terceira mulher a ocupar uma cadeira no Supremo, Rosa Weber foi protagonista de outra decisão importante para a disputa eleitoral de 2018: a ministra determinou que pelo menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita devem ser destinados a campanhas de candidatas mulheres. Por unanimidade, a Corte Eleitoral também afirmou que, em caso de maior número de mulheres candidatas, a divisão dos recursos e do tempo de propaganda deve ser proporcional.
A decisão foi tomada em resposta à consulta pública apresentada por 14 parlamentares depois de julgamento do STF que equiparou a repartição do Fundo Eleitoral à cota de candidaturas femininas por partidos. Relatora, ela respondeu afirmativamente às quatro perguntas colocadas pela consulta, afirmando que o TSE sempre estimulou ações afirmativas para incrementar a participação de mulheres na política.
“A participação das mulheres nos espaços políticos é um imperativo do Estado”, disse Weber na ocasião. Ela afirmou que a mudança do cenário de subrepresentação feminina passa não apenas pela observância dos percentuais mínimos de candidatura por gênero legalmente previstos, mas, sobretudo, pela imposição de mecanismos que garantam efetividade a essa norma. “Seguramente, não há outro caminho para a correção da histórica disparidade entre as representações feminina e masculina no Parlamento”, disse a relatora.
No âmbito do Judiciário, Rosa Weber foi protagonista de uma mudança importante nos critérios de promoção para desembargadores. Na última semana de sua gestão como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi aprovada a instituição de ações afirmativas para aumentar a quantidade de desembargadoras no Judiciário.
Por maioria dos votos, o conselho deu aval a proposta reajustada da relatora, conselheira Salise Sanchotene, que estabelece uma política de gênero na promoção por merecimento para os tribunais.
A proposta prevê a alternância do uso de duas listas nas promoções conforme as vagas destinadas ao critério de merecimento forem abrindo: uma mista, com homens e mulheres, e outra só de mulheres. A ideia é de que a ação afirmativa fique em vigor até que seja atingido pelo menos o percentual de 40% de juízas nos tribunais.
10. Defensora da Justiça do Trabalho e tendência pró-trabalhador
Rosa Weber atuou por mais de 35 anos na Justiça do Trabalho, depois de ingressar na magistratura trabalhista em 1976. Em 2006, foi nomeada ao Tribunal Superior do Trabalho por Lula e, em 2011, foi indicada ao Supremo pela então presidente Dilma Rousseff. Pela carreira construída na magistratura do trabalho e votos dados no Supremo, ela ficou conhecida pela tendência pró-trabalhador. Nos últimos anos, no STF, em julgamentos de matéria trabalhista, Rosa Weber costumava ser voto vencido, ao lado de Luiz Edson Fachin, em posições de defesa dos empregados.
Foi o caso, por exemplo, do julgamento que declarou constitucional norma coletiva que restringe direito trabalhista. Ficaram vencidos Fachin e Weber. Ela destacou que o atual contexto de altos índices de desemprego e instabilidade econômica gera o enfraquecimento sindical, o que torna a negociação coletiva desigual entre as partes. “A fonte de intensidade mais forte, maior, de favor mais forte prevalece sobre a mais débil apenas em ordem a garantir as condições mínimas. Acima do mínimo se impõe o inferior que preveja condições mais favoráveis para os trabalhadores”, disse Rosa Weber.
No geral, ela também se opôs a dispositivos da Reforma Trabalhista de 2017. Foi dela um dos votos que formou maioria no sentido das inconstitucionalidades dos dispositivos da mudança na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que fazem com que o beneficiário da Justiça gratuita pague pela perícia e pelos honorários advocatícios sucumbenciais, caso seja a parte vencida. Por 7 votos a 3, permaneceu apenas a cobrança do pagamento das custas processuais em caso de arquivamento injustificado por ausência em audiência.
No discurso de despedida da presidência do STF, inclusive, a divergência de Rosa Weber foi motivo de uma brincadeira com Gilmar Mendes. “A despeito de nossas divergências trabalhistas”, começou a dizer a ministra, ao que o decano retrucou, rindo: “Nem sabia”.