Márcio Falcão

Matheus Teixeira

O discurso dos ministros parecia afinado e repetia: não fui convidado, não fui convidado. A expressão foi usada no início da tarde desta terça-feira (20/3) pelos ministros Marco Aurélio, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski. Gilmar Mendes recomendou que a Presidência do Supremo Tribunal Federal fosse procurada. A fala dos ministros era uma referência a uma reunião solicitada pelo ministro Celso de Mello à presidente da Corte, Cármen Lúcia, para tratar da prisão depois de condenação em segunda instância.
Na segunda, em entrevista a uma rádio, a ministra atribuiu ao decano do Supremo a articulação deste encontro, mas disse que não haveria nada de extraordinário na conversa informal. Chegando atrasado para a reunião da 2ª Turma, Celso de Mello ouviu o apelo de jornalistas que acompanham a rotina do Supremo e concedeu um entrevista para esclarecer o encontro.
Confira a conversa do decano com jornalistas na entrada da sessão da 2ª Turma:
Jornalista: Ministro Celso, e a reunião sobre segunda instância?
Celso de Mello: Quem deveria fazer o convite é a presidente. Ficou combinado que ela, que aceitou a sugestão desse encontro informal, faria o convite ontem. Ontem e hoje não houve esse convite.
Jornalista: Quem fez essa sugestão?
Celso de Mello: A sugestão representa uma expressão... Sendo inadequada a expressão veiculada de que haveria pressão sobre ela.
Jornalista: para discutir segunda instância?
Celso de Mello: Para discutir uma série de aspectos , mas basicamente o exercício pela presidente de seu poder de agenda, uma vez que há duas ações declaratórias de constitucionalidade cuja pauta foi solicitada em dezembro de 2017 e até agora não foram pautadas. Apenas isso.
Jornalista: não vai mais ter reunião?
Celso de Mello: Eu não sei. Se não houve convite pela presidência, isso significa que ela não se mostrou interessada.
Jornalista: o senhor que sugeriu?
Celso de Mello: Não, não. Eu apenas me reuni com a presidente para evitar que na quinta-feira houvesse cobrança pública dirigida a ela em sessão plenária. Para evitar que a presidente sofresse uma cobrança inédita na história do Supremo que eu ponderei aos colegas que seria importante uma discussão interna, simplesmente para troca de ideias e nada mais.
Jornalista: de onde viria a pressão? dos ministros?
Celso de Mello: Eu não sei. Possivelmente.
Jornalista: tem outra saída?
Celso de Mello: Basta que a presidente exerça uma competência que nunca lhe foi negada, sequer questionada.
Jornalista: Questão de ordem?
Celso de Mello: talvez uma questão de ordem. Mas isso nunca aconteceu na história do Supremo. Ao menos nos quase 29 anos que estou aqui. Isso é para evitar um constrangimento inédito, que se sugeriu e a presidente aceitou esse encontro que manteve comigo, com o ministro Fux. Ambos estiveram no meu gabinete quarta-feira à noite.
Jornalista: já estava programado para hoje?
Celso de Mello: Ela disse que não poderia nem na quinta nem na sexta. Então combinou-se a data de hoje. Mas dependendo de um convite a ser formulado por ela de modo informal.
Jornalista: todos seriam convidados?
Celso de Mello: Todos. Sem exceção.
Jornalista: o senhor faria essa questão de ordem?
Celso de Mello: Não sei. Vamos aguardar amanhã.
Jornalista: é urgente discutir em segunda instância?
Celso de Mello: É um tema que está na agenda desde dezembro. A Constituição é muito clara ao dizer que a presunção de inocência subsiste até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não é uma simples interpretação. É o que expressamente consta da Constituição. Ao contrário do que se fala, a corrente que defende a aplicação fiel do texto constitucional não afasta nem descarta a possibilidade de que ao longo da investigação criminal, durante o inquérito policial e mesmo durante o procedimento criminal em juízo seja decretada prisão cautelar da pessoa. Não há incompatibilidade alguma. O que a corrente que sustenta a exigência do trânsito em julgado afirma é que a execução da pena não pode ser antecipada. A execução da pena não pode ter caráter meramente provisório.
Jornalista: o senhor descarta o julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula.
Celso de Mello: O julgamento (das ADCs) confere à decisão do Supremo uma eficácia ampla. É uma eficácia geral e com efeito vinculante, coisa que não ocorreu até o presente momento.
Jornalista: é um equívoco a ministra Cármen Lúcia não pautar?
Celso de Mello: Não sei. Eu respeito o exercício da presidente do Supremo de seu poder de agenda. É um poder inquestionável. O que nós queremos é apenas uma ponderação, uma conversa ...  A preocupação do tribunal é que haja um debate em tese do pleito formulado pela Ordem dos Advogados do Brasil. Vale dizer: a execução antecipada de uma condenação criminal é ou não compatível com a presunção de inocência?
Jornalista: uma questão de ordem para levar esse tema a julgamento no plenário teria que ser decidida pela presidente do Supremo ou em votação dos 11 ministros?
Celso de Mello:  Não sei. Mas acho que uma eventual questão de ordem deve ser objeto de julgamento por parte de todo o tribunal. Não será um julgamento monocrático, mas um julgamento necessariamente colegiado.
Jornalista: mas caberia a ministra colocar em votação a questão de ordem?
Celso de Mello: A questão de ordem pode ser suscitada por qualquer ministro do tribunal. A não ser que a presidente opte por não colocar em debate. Mas eu acredito que a ministra Cármen se notabilizou por seu espírito responsável e claramente democrático. Nós temos que reconhecer esse aspecto que não se questiona de maneira alguma o posicionamento de cada ministro do Supremo. Nós vivemos num espaço onde as liberdades devem florescer. E por isso cada juiz há de ser livre e independente para enfrentar uma controvérsia constitucional tão grave como essa. Não estamos falando de um direito qualquer. Esta,ps discutindo um princípio básico, um princípio que forma todo nosso ordenamento jurídioco em matéria penal, o princípio. presunção de inocência. Tivemos num passado mais ou menos recente, durante o Estado Novo de Vargas, uma regra que era absurda. O que dizia essa regra? Em matéria de crimes contra a segurança nacional, presumia-se culpa, cabendo ao réu demonstrar sua inocência. Ora, isso é absolutamente incompatível com o princípio democrático que nos rege. A presunção de inocência é absoluta? Não é. Ela deixa de existir no instante, diz expressamente a Constituição, quando houver o trânsito em julgado.
Jornalista: a voz das ruas está interferindo na pauta do STF?
Celso de Mello: Não sei. Eu acho que o Supremo Tribunal Federal deve manter independência. O juiz há de ser independente para que os cidadãos da República possam ser livres. Critérios não jurídicos não devem interferir da discussão de uma liberdade fundamental.
Cronologia
Abaixo, a cronologia da articulação no tribunal para que fosse marcada uma reunião para debater o tema:
Quarta-feira (14/3)
Celso de Mello recebe em seu gabinete a presidente do STF, Cármen Lúcia, e o ministro Luiz Fux. O decano sugere uma reunião com os demais colegas no gabinete da Presidência do STF para tratar do julgamento de ações sobre prisão após condenação em segunda instância.
Sexta-feira (16/3)
Começam a circular no Supremo indicações de que ministros podem se reunir para tratar do impasse em torno do julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade que discutem execução provisória da pena.
Segunda-feira (20/3)
Em entrevista à radio Itatiaia, Cármen Lúcia diz que Celso de Mello é quem articula o encontro. “O que tem de concreto é que o ministro Celso me disse que seria conveniente conversarmos os ministros, se poderíamos nos encontrar. Não é reunião formal, nem fui eu que convoquei. É comum a conversa acontecer. Seria algo absolutamente absurdo se não conversássemos. Não tem nada de extraordinário nisso”, afirmou.
Interlocutores da presidente confirmam que há articulação para reunião sobre prisão após condenação em segunda instância.
Terça-feira (21/3)
Cármen Lúcia avisa aos integrantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que terá que encerrar mais cedo a sessão porque foi chamada para compromisso no STF.
Começam a circular informações de que a reunião pode ser cancelada.
Ministros chegam para sessões da 1ª e 2ª Turma e negam que tenham recebido convite para reunião. Essa informação foi reforçada por Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso. Questionado sobre o encontro, Gilmar Mendes diz que a Presidência do tribunal deve ser procurada para tratar da questão.
Celso de Mello fala à imprensa e diz que sugeriu a reunião entre os ministros para evitar constrangimento inédito para a presidente do STF, que poderia ser cobrada em plenário para colocar em julgamento as ações que tratam da questão. O decano explica que pediu a reunião, mas que Cármen Lúcia seria a responsável por convidar os demais ministros para o encontro. Como não houve o convite, a reunião não aconteceu.
Ministros dizem que entrevista de Cármen Lúcia contra prisão em segunda instância provocou o embate público.
A presidente, por sua vez, comenta com interlocutores que não entendeu que partiria dela a convocação e explica que, por esse motivo, não fez contato com os ministros para convidá-los.
Para esta quarta-feira, espera-se que o assunto chegue ao plenário, podendo um ministro suscitar uma questão de ordem e cobrando que a presidente do STF paute o julgamento do mérito das ADCs ou o habeas corpus preventivo em favor do ex-presidente Lula.

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JOTA

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