Felipe Recondo

A proposta de emenda constitucional que aumenta a idade de aposentadoria para ministros de tribunais superiores é tão casuística quanto seria, neste momento, a aprovação do fim do foro privilegiado para julgamento de autoridades políticas pelo STF.
A PEC da Bengala, aprovada na quarta-feira em primeiro turno na Câmara, tem como objetivo único impedir que a presidente Dilma Rousseff indique mais cinco ministros do STF até 2018. Hoje, o STF é majoritariamente composto por ministros indicados por governos do PT. Com mais cinco indicações, 10 dos 11 integrantes da Corte terão chegado ao cargo pelas mãos do ex-presidente Lula e de Dilma Rousseff.
O que oficialmente fundamenta a PEC da Bengala? Dois argumentos indisfarçadamente diversionistas: a ideia de que a proposta aproveita a experiência e sabedoria de juízes no cume da carreira e de que a alteração pode poupar os cofres da Previdência.
Curiosamente, a PEC não se aplica às demais carreiras de estado. Para encurtar a tramitação da proposta, o Congresso deixará para lei subsequente a alteração da idade para todo o funcionalismo público. Só se pode falar em benefício para a Previdência se a regra valer para todas as carreiras. E mesmo assim a sociedade deve discutir alguns pontos: com o aumento da idade, o número de jovens nas carreiras públicas diminuirá e a burocracia estatal só se cristalizaria.
O que, efetivamente, incomoda um Congresso ansioso por auferir máximos dividendos da crise de gestão e de liderança do governo? A insuportável ideia de que, mantida a regra constitucional, o PT terá nomeado, ao final de 2018, 10 dos 11 ministros da Suprema Corte. E por que isso seria ruim?
Conforme se crê, mesmo na ausência de evidência empírica sistemática, um tribunal com maioria de ministros indicados por um partido seria subserviente a esta legenda. O que os fatos parecem mostrar, contudo, é que os ministros nomeados nos últimos doze anos se comportaram de modo independente, muitas vezes votando em sentido contrário ao governo nos casos politicamente mais incendiários.
O espírito dessa proposta combinaria com outra que tramita no Congresso com deliberada lentidão, mas que pode ser sacada a qualquer momento: o fim do foro privilegiado para deputados e senadores. Originalmente, o intuito é evitar que autoridades se beneficiem da lentidão da Justiça e respondam a processo na 1a instância.
Agora, porém, o objetivo (errado ou não) poderia ser desvirtuado. Alterada a Constituição para extinguir o foro livraria os políticos envolvidos nos crimes investigados pela Operação Lava Jato de uma possível condenação no STF, sem chance de recurso para outras instâncias.
Há, evidentemente, uma diferença brutal entre as duas propostas. Não há clamor público para que Dilma Rousseff indique menos ministros do STF. Ao contrário, o fim do foro neste momento seria uma reforma institucional lastreada no apoio da opinião pública, mas ilegitimamente utilizada para uma finalidade escusa.
Nestas circunstâncias, seriam duas reformas feitas a toque de caixa, desprovidas de reflexão institucional digna de respeito, distantes do interesse público, uma inflamada pela briga partidária, outra por razões criminais.
O STF que assiste que silencia em relação à PEC da Bengala, ignoraria também os fins de uma reforma casuística como esta? Alterações na regra do jogo de composição de uma corte (processo de nomeação, número de membros, idade de aposentadoria) são reformas institucionais muito sérias para serem levadas a cabo com fins de alimentar a disputa político-partidária.
A história do Supremo Tribunal Federal (STF) nos revela que, mudanças na idade dos ministros ou na composição da Corte, remontam a períodos de anormalidade democrática.
Foi a Constituição de 1934, após a Revolução de 1930, que previu a aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo aos 75 anos de idade. A Constituição de 1891 não estipulava idade limite. De acordo com o ministro Celso de Mello, o constituinte de 1891 optou por contar com a “sabedoria, a experiência e os conhecimentos de notáveis ministros que atuaram com grande visão e lucidez, no Supremo Tribunal Federal, após os setenta anos”.
Em 1937, durante a ditadura de Getúlio Vargas, esse limite foi estrategicamente baixado para 68 anos de idade. Cinco ministros do Supremo foram atingidos pela redução imposta e foram aposentados.
“Saio do Pretório perfeitamente bem, porque não fui violentamente aposentado, como os meus colegas em 1931, mas em virtude de lei, boa ou má, o que não vem ao caso discutir. O futuro melhor dirá, o que não impede que desde logo seja dito que a Constituição do dia 10 enfeixou nas mãos do Presidente da República os poderes legislativo, executivo e judiciário”, escreveu então o ministro Hermenegildo Barroso, que se considerou automaticamente aposentado por contar com 71 anos, 2 meses e 12 dias.
Com a saída de Getúlio do poder, a Constituição de 1946 restabeleceu a idade compulsória para 70 anos – o que está mantido na Constituição de 1988. Nos governos militares, a idade não foi alterada, mas houve aposentadorias compulsórias, pelo Ato Institucional 5, e mudança na composição, pelo AI 2.
Beirando os 70 anos, o ministro Celso de Mello teria muito ainda a contribuir com o Supremo Tribunal Federal e com a Justiça brasileira. O mesmo se diz do ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentará em 2016 se a PEC não for aprovada. Entretanto, a discussão não deve ser personalista.
Aprovar uma PEC para garantir a permanência de um ou outro ministro ou para impedir que um ou outro governo promova indicações é valer-se de uma emenda constitucional para um fim casuístico.
A extinção do foro, uma conjectura neste momento, mas baseada em propostas que já tramitam na Câmara, teria o mesmo objetivo menor: beneficiar este e aquele político agora alvo de uma da maiores operações da Polícia Federal e do Ministério Público contra a corrupção.
A Constituição não se presta a fins menores. E o Supremo não é peça do jogo político-partidário.

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JOTA

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