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Twitter após Musk: qual o futuro da plataforma?

Demissões em massa, liberdade de expressão e novo modelo de negócio

Twitter Musk
Crédito: Unsplash

Musk se intitula um “absolutista” da liberdade de expressão, dando a entender que é partidário de uma liberdade de expressão ilimitada. Entretanto, a definição de absolutismo descreve um regime em que um governante não encontra qualquer limitação institucional, como muitas monarquias do passado. O ato falho semântico cai bem para descrever a provável atitude do novo CEO e as contradições inerentes das novas políticas que ele traz para a plataforma.

Musk, vale lembrar, foi um dos responsáveis pela altíssima visibilidade da cloroquina no início de 2020, alardeando curas milagrosas e dando palanque para charlatães e falsos estudos científicos. Ao assumir o controle da plataforma, uma das suas primeiras postagens dizia que “a comédia volta a ser legal”, dando apoio a páginas de paródia que foram suspensas por publicar conteúdo considerado discurso de ódio, como foi o caso da página Babylon Bee.

O que Musk propõe em linhas gerais é uma redução drástica na moderação de conteúdo, como se essa fosse um entrave à liberdade de expressão. Será mesmo?

O que é (e para que serve) a moderação de conteúdo?

As políticas de moderação de conteúdo são o conjunto de regras e mecanismos que as plataformas utilizam para fazer a manutenção do espaço online, garantindo que os usuários interajam na plataforma de forma coerente com as finalidades às quais ela se propõe. É a moderação de conteúdo que derruba grupos de organizações criminosas no Facebook, filtram material do estado islâmico, mas também removem pornografia e spam – que não são necessariamente ilegais, mas seriam desvirtuamento do propósito original de algumas plataformas. 

A moderação de conteúdo é uma tarefa dolorosa, que recai sobre as plataformas por necessidades legais e econômicas. A pressão jurídica sobre a plataforma surge das autoridades que veem os serviços sendo usados para fins ilegais e a pressão econômica surge da necessidade de manter o espaço condizente com a natureza do serviço. Por exemplo, pornografia não é bem-vinda no Instagram, mas é tolerada no OnlyFans. 

Essa atividade é naturalmente delicada e controversa. Para o furor dos apoiadores de Musk, o novo CEO equipara essa atividade necessária a uma espécie de censura e promete acabar com esse processo – ainda que por vezes ele volte atrás e dê sinais trocados.

Precisamos lembrar que a história não tem sido gentil com plataformas avessas à moderação de conteúdo. O Orkut, por exemplo, teve boa parte da sua queda atribuída à incapacidade de moderar o spam que inundava a plataforma. Além disso, os próprios usuários tendem a abandonar plataformas quando não há um controle mínimo da qualidade do debate, pois o ambiente se torna desagradável e inseguro. Em alguns casos, sequer resta debate, pois o espaço de atenção do usuário é inundado com conteúdo indesejado – e, convenhamos, gostamos de mídias sociais que mostram aquilo que queremos ver. 

Plataformas sem moderação de conteúdo acabam se tornando espaços homogêneos, onde grupos mais engajados mantêm seu controle sobre o espaço informacional através da violência verbal e física (sim, as ameaças da internet se tornam muito concretas). Esses espaços livres existem, mas sempre são controlados por grupos menores e radicalizados da sociedade. Para um exemplo extremo, foi através de um grupo desses que jovens planejaram o massacre de Suzano (SP), onde duas pessoas invadiram uma escola e mataram cinco estudantes e duas funcionárias. 

O que esperar para o futuro? 

Por mais que Musk tenha interesse em ver sua ideologia impressa na plataforma, a ameaça de ver o serviço esvaziado é algo muito presente e que pesa muito no seu bolso. Caso ele faça essa movimentação, é possível que seja na aposta de que o Twitter já tenha uma massa crítica grande demais para que os usuários migrem para outro espaço. 

É uma aposta possível, visto que há um fenômeno econômico nas plataformas que fomenta a concentração em um espaço e dificulta o surgimento de novas concorrentes: o chamado efeito de rede. O valor da plataforma para o usuário é relacionado a quantas pessoas estão no serviço: onde estão seus amigos, as páginas que você curte e as pessoas que você quer seguir. 

O custo de criar ou migrar para uma plataforma nova é muito alto porque as pessoas simplesmente não estão naquele espaço. Realmente, Musk tem um fenômeno econômico muito forte ao seu lado, mas de nenhuma forma ele é imbatível. Mesmo porque até as plataformas mais colossais, como o Facebook, sofrem com o esvaziamento quando surge um novo serviço. 

É isso que se desenha, por exemplo, com o surgimento explosivo agora do Mastodon: uma oportunidade de uma nova rede de microblogging. Muitos usuários se veem insatisfeitos com o rumo do Twitter e pensam em migrar para outro espaço com outra arquitetura e valores. Resta agora avaliar como o mercado vai se comportar com essas novas pressões. 

Por mais que o Twitter tenha uma base de usuários consolidada, vale lembrar que sua base é bem menor que as plataformas como Facebook, Instagram e TikTok. Está, portanto, sujeita a ser engolida por suas primas mais poderosas. 

Como sempre, é arriscado fazer previsões para o Twitter, ainda mais com a liderança de uma figura volátil e movida por interesses de visibilidade. Essas são as principais forças jurídicas e econômicas que se desenham quando olhando esse novo modelo de negócio isento de moderação de conteúdo. 

Se fosse para dar um palpite, diria que Musk fará de forma semelhante com o que faz com outras empresas suas: cria muito alarde nas redes, ostenta posições contraditórias e acena para ambos os lados. Como líder da Tesla, por exemplo, Musk endossa figuras avessas ao governo chinês, enquanto toda a sua logística de produção é altamente dependente da China e o CEO nutre suas relações chinesas com muito cuidado. Enquanto isso, grupos pressionam Musk para garantir direitos mínimos na plataforma.

Com o Twitter, podemos esperar muito alarde, com Musk sempre tentando estar nos holofotes. Não me parece que ele irá comprometer o dinheiro dos seus sócios sem respaldo jurídico e econômico para a sua ideologia.