Opinião e Análise

Victor Durigan

Nina Santos

Falar em mundo on e offline está ultrapassado. Todas as instâncias da vida contemporânea são perpassadas por tecnologias digitais. Mesmo quando estamos presencialmente com outras pessoas, nosso celular, ainda que no bolso, recebe informações continuamente. O fluxo de comunicação digital não para e o volume informacional impacta nossas vidas continuamente. O digital tornou-se parte essencial de todas as esferas da sociedade, indissociável das democracias, do trabalho, da saúde e da segurança. 
No centro, estão as plataformas digitais, que acumulam poder econômico e político, agravando distorções no ecossistema informacional com impactos profundos no interesse público. Hoje pouco se sabe do que ocorre dentro delas, as crises se tornam maiores e difíceis de se decifrar, enquanto o mundo se debruça para encontrar soluções, dentre elas o debate mundial sobre a regulação de plataformas. Este artigo trata da urgência de se debater e aprovar uma regulação de plataformas digitais, no Brasil, que seja estruturante, coloque direitos fundamentais de usuários no centro e dê bases para modificações que precisam ser feitas. 
<h3>Por que é importante regular setores econômicos?</h3>
Setores da economia são regulados, no Brasil e no mundo. A premissa para a intervenção do Estado é a busca por um ambiente econômico e social mais equilibrado e justo. O objetivo final é a criação de uma base de regras que estabeleçam – ou restabeleçam – o necessário equilíbrio em um setor que, por alguma distorção, está gerando riscos e consequências que afetam, de forma negativa, o interesse público em torno dele.
A histórica crise da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, levou a maior economia mundial à depressão, massiva insolvência de empresas, agravamento de problemas sociais e impactos em toda a economia internacional, inclusive no Brasil. Uma crise dessa magnitude demandou resposta urgente e necessária do único agente capaz de absorver o impacto e impor mudanças drásticas, o Governo. Em 1934, foi criada a Securities and Exchange Comission (SEC), que até hoje regula o mercado de valores imobiliários e, na época, implementou medidas contra fraudes e abusos econômicos e desenvolveu ações para devolver o prestígio do mercado financeiro dos Estados Unidos.
No Brasil não é diferente. A Comissão de Valores Imobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CVM">CVM</a>), autarquia federal, regula, fiscaliza e aplica sanções no mercado de valores imobiliários. A <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Anatel">Anatel</a> é responsável pelas telecomunicações. A<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Anvisa"> Anvisa</a>, pela regulação sanitária de produtos e serviços relacionados à saúde. As premissas podem ser muitas, como a proteção de consumidores, a estabilidade financeira, a proteção do meio ambiente e muitos outros. O ponto é: regular um setor é necessário – e comum – para garantir o direito dos usuários desses serviços e coibir abusos, com o grande objetivo de manter a sustentabilidade de tal setor, nunca contra ele.
<h3>Por que precisamos regular as plataformas digitais?</h3>
Algumas pessoas têm a impressão de que discutir regulação de plataformas digitais pode representar um perigo a liberdades. Essa visão parte de uma leitura distorcida de que teríamos hoje um ambiente sem regras, de liberdade plena nas redes, e de que uma legislação poderia acabar com isso. Importante deixar claro que já há regras de moderação de conteúdo, de publicidade, de transparência, em suma, do que pode e do que não pode no debate público digital. 
A questão é que essas regras, apesar de versarem sobre um espaço essencial do debate público e de amplo interesse, são estabelecidas de maneira privada, opaca e unilateral. São as empresas de tecnologia que decidem o que pode e o que não pode e cabe aos usuários aceitarem - ou não, mas a custos altíssimos. A autorregulação pode ter sido eficaz dez anos atrás. Hoje, não é mais. Como no exemplo da Bolsa de NY, as distorções no setor – desinformação, discurso de ódio, violência política – estão gerando crises intoleráveis. Regular é o primeiro passo para um reequilíbrio.
O atual contexto deixa explícito que, se criar uma nova regulação tem seus riscos, não criá-la é abrir caminho para problemas definitivos e de difícil reparação. A construção de uma regulação democrática, amplamente debatida, é, na verdade, uma tentativa de democratizar regras que protejam liberdades. Garantir que esses espaços funcionem numa lógica de interesse público é primordial para uma sociedade democrática e cidadã.
<h3>A importância de uma legislação brasileira</h3>
O Brasil tem vivido rompantes regulatórios desestruturados do ambiente digital. Rompantes motivados por momentos extraordinários que acabam pressionando por decisões rápidas e urgentes. Foi assim durante as eleições de 2022, quando o Tribunal Superior Eleitoral (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/TSE">TSE</a>) editou resolução que permitia à corte agir de ofício pedindo a retirada de conteúdos desinformativos. A situação era grave e as regras existentes falhavam em dar conta do problema, o que certamente serviu para justificar essa ação.
Procedimento semelhante foi adotado em 2023, durante a crise dos ataques às escolas. Com a escalada do extremismo nas redes, levando a mortes dentro da comunidade escolar, foi a vez de o Ministério da Justiça tomar para si a responsabilidade de articular com as plataformas digitais e passar a demandar a retirada de conteúdos. 
Apesar de encontrarem justificativas circunstanciais, esse tipo de ação episódica, desestruturada e extraordinária deixa um legado delicado. A internet não é usada de forma episódica, ela não é apenas o ambiente de cometimento de crimes. Pelos ambientes digitais passam hoje boa parte da sociabilidade, da formação de opinião, dos serviços, do comércio. Essa realidade exige a construção de algo que seja duradouro e amplo, de uma regulação consistente e que tenha como objeto os usos cotidianos das plataformas digitais.
Esperar soluções circunstanciais a cada nova crise nacional deixará um rastro de soluções parciais, abrindo brechas para atos com base normativa frágil, iniciativas vigilantistas e distantes de um modelo de obrigações sobre as plataformas que começa a se desenhar na vanguarda do debate mundial. O Brasil não pode se deixar levar pelo caminho fácil, do improviso. O país precisa investir em um debate profundo, multissetorial, para alcançar resultado autêntico e longevo, entregando alicerces para soluções que terão que vir para as novas crises.
O <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141944">Projeto de Lei 2.630/2020</a> é um importante caminho construído no Brasil. Não é o único e nem precisa ser. Em seu processo, centenas de especialistas, de todos os setores, participaram ativamente e puderam contribuir com o trabalho do relator, o deputado <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/orlando-silva">Orlando Silva</a> (PCdoB-SP). Construiu-se um texto com avanços relevantes, como as obrigações de transparência, de análises de riscos e de mitigação destes, direitos de devido processo na moderação de conteúdos que fortalecem a liberdade de expressão, dentre outros. 
O PL não é imune de defeitos e nem deve ser poupado de críticas. O importante, contudo, é que o debate em torno dele continue e evolua no sentido de se construir consensos para a sua aprovação. Esse é o rumo necessário para o Brasil. E que não pode parar por aí. Precisaremos de muito fôlego para debater ainda uma regulação econômica das plataformas digitais, à luz do que fez a União Europeia, avançar em direitos para novas modalidades de trabalho e, principalmente, em investimento para garantir a inclusão digital.
Construir uma regulação democrática das plataformas digitais no Brasil é, portanto, urgente. Apenas assim conseguiremos assegurar pelo menos uma base de funcionamento de ambientes digitais que esteja orientada ao interesse público, que possa ser constantemente revisada e cujas regras sejam de conhecimento geral. Esse é o debate do momento e o Brasil não pode ficar para trás, deve se inspirar no Marco Civil da Internet para mostrar porque é capaz de ser vanguarda mundial mais uma vez. Executivo, Legislativo, Judiciário, empresas, academia e sociedade civil precisam investir tempo e energia para consolidar esse pacto.

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JOTA

Agora é o momento de aprovar uma legislação que coloque o país em destaque no atual debate mundial

Para fortalecer a democracia, Brasil precisa regular plataformas digitais

Esse é o debate do momento e o país não pode ficar para trás. Construir uma regulação democrática das plataformas digitais é urgente