O ano de 2022 vem reafirmando a importância central da internet como espaço que impacta diretamente o contexto político-eleitoral. Dada essa importância, é preciso defendê-la como um território essencial para a democracia, no qual a liberdade de expressão deve ser protegida e bem compreendida, de modo a garantir um ambiente seguro e plural. Usuários, plataformas e governo: todos têm um papel no jogo. Neste artigo, vamos sistematizar o campo de discussão e mapear alguns atores-chave para o tema no Brasil.
O cenário em debate
O ecossistema digital é complexo e difuso. Em plataformas nas quais todos podem falar e precisam se sentir seguros para tal, pensar as ameaças e os limites legítimos à liberdade de expressão se torna fundamental. Ao mesmo tempo, o consumo e a produção de conteúdos demandam uma nova forma de gestão informacional, ainda sem regras muito bem definidas, e na qual a velocidade e as características próprias impõem desafios para a política.
A figura dos influenciadores também chama atenção: como são escutados em larga escala, funcionam como organizadores informacionais. As empresas de tecnologia criam regramentos próprios e prometem esforço contínuo para a harmonia do serviço que entregam. A sociedade civil organizada se articula em torno da defesa de direitos fundamentais e as instituições governamentais patinam para enquadrar um objeto em constante transformação, que lhes parece escapar a cada tentativa.
Criada para facilitar o intercâmbio de recursos em agências governamentais e em departamentos acadêmicos, a internet logo se notabilizou pelos usos relacionados à comunicação, mesmo aquela não especializada. Emails, fóruns e mídias sociais se destacam ao longo da trajetória de popularização e comercialização de uma rede que se diferencia por permitir que múltiplas vozes se expressem de forma facilitada e ampla. Algo inédito na história humana. É nesse cenário que a defesa ativa de um ambiente digital seguro para a expressão deve prevalecer.
O direito à liberdade de expressão
Não é de hoje que o tema da liberdade de expressão tem cadeira reservada no rol de grandes debates sobre a internet, além de lugar de destaque em cartas internacionais de direitos universais, como a Declaração dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. No Brasil, ela é reconhecida na Constituição de 1988 e foi expressamente incorporada no Marco Civil da Internet.
No ambiente digital, essa garantia é fundamental para que manifestações artísticas, políticas, intelectuais e religiosas possam florescer sem receio de censura, intimidação e ameaça, inclusive quando o conteúdo é criticamente direcionado a autoridades públicas. Basta a sensação de insegurança para que usuários optem por não mais se expressarem (conhecido como chilling effect), o que pode afetar em particular grupos diretamente envolvidos no tema, como professores, artistas, comunicadores e vítimas de discurso de ódio.
Em períodos eleitorais, a manifestação de opinião e o acesso à informação ganham ainda mais relevância. É da democracia que cidadãos, munidos de fontes de informação, possam formar suas preferências políticas, escrutinar o poder público e expressar suas convicções, de maneira segura e desimpedida, para que outros possam ouvi-las.
Os limites da liberdade de expressão
A garantia à liberdade de expressão, no entanto, não é passe livre para a liberdade absoluta, muito menos para a violação de outros direitos. No atual debate em torno do tema, tornou-se necessário reforçar algo que sempre foi inerente à sua própria existência, que são os seus limites. Não há que se falar em liberdade de expressão quando discursos violentos e intolerantes incitam a violência e a agressão, minando a liberdade do outro. O mesmo serve para a prática discriminatória ou preconceituosa no que se refere à raça, cor, etnia, sexualidade e religião ou a propagação do ódio contra pessoas. No ambiente digital, a desinformação é um problema global e tem levado a graves constrangimentos à prática da cidadania, como a incitação à violência política e à deslegitimação de processos eleitorais confiáveis.
Ao lado do direito de se manifestar há muitos outros que também são legítimos. Harmonizá-los faz com que a liberdade não seja ilimitada, mas sim relativa e sujeita a limites, desde que legítimos, ou seja, legalmente e especificamente definidos, além de proporcionais e necessários.
Os atores de um desafio contemporâneo
Cabe a todos reforçar os limites legítimos à liberdade de expressão e o chamado à responsabilidade pública. Porém, dentro do grupo dos usuários, merecem maior atenção os criadores de conteúdos, cujo alcance garante maior influência e, consequentemente, maior responsabilidade, já que eles podem influenciar como exemplos de manifestação da opinião e das boas práticas para a segurança online.
É fundamental também destacar o papel que as plataformas digitais ocupam no ecossistema. São elas que possuem a responsabilidade de estruturar os espaços mais populares de comunicação digital e de responderem às demandas de entidades governamentais. Dessa forma, incidem diretamente nos comportamentos permitidos nos seus serviços. Delas, deve ser cobrada, pela sociedade, postura ativa e ininterrupta na proteção dos usuários.
As instâncias governamentais, por sua vez, não podem se eximir de debater melhorias para o ambiente digital e, principalmente, de desenvolverem políticas públicas voltadas para a harmonia desse espaço. Aqui, tem se destacado o trabalho do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que incluiu em suas resoluções regras de propaganda eleitoral para influenciadores, além de apoiar o debate contra a violência política no Brasil. Merece ser lembrado também seu esforço em trabalhar junto às plataformas para mobilizar e exigir medidas de combate à desinformação mais efetivas e concretas.
Por fim, não se pode deixar de lado o papel da sociedade civil organizada na defesa de direitos fundamentais e digitais, com foco na defesa da liberdade de expressão, liberdade de imprensa e educação midiática. Promover uma rede de apoio, assistência e orientação para candidatos, eleitores, jornalistas, ativistas e vítimas de violência são algumas das ações que reforçam as defesas que podem ser acionadas por quem acredita que teve sua liberdade de expressão restringida.
No atual debate, em que defensores do ódio e da desinformação se servem da distorcida ideia da liberdade absoluta, defender a internet como um espaço de exercício da cidadania e da democracia passa necessariamente pela defesa ativa e permanente da real face da liberdade de expressão, com seus limites e ponderações, essencial ao desenvolvimento da segurança online e do acesso à informação.
Neste ecossistema informacional, central em qualquer democracia contemporânea, a participação ativa e propositiva de usuários, empresas, instituições públicas e sociedade civil organizada não é apenas opcional, mas parte fundamental do esforço coletivo contra os obstáculos à expressão online, como a desinformação, o discurso de ódio e intolerante e a incitação à violência, em prol da construção do melhor espaço digital para o bem-estar da sociedade e da democracia. Esse é o grande desafio do Brasil de 2022.