Opinião e Análise

Isabela Inês Bernardino

Rodger Richer

Beatrice Bonami

Pode parecer inofensivo que pais e mães compartilhem fotos e vídeos dos seus filhos na internet. Conteúdos que potencialmente revelam a rotina da criança, seja em situações cômicas ou na prática de esportes, poderiam causar algum mal? Se sim, de qual tipo? Quais são as consequências da superexposição de crianças e adolescentes no mundo conectado? Neste artigo, vamos falar sobre o fenômeno do sharenting. 
<h3>Sharenting: você deveria se preocupar</h3>
Sharenting é a junção da palavra “share” (compartilhar, em inglês) e “parenting” (parentalidade, em inglês). É o ato, por parte de pais e responsáveis, de compartilhar fotos, notícias, vídeos e outras informações sobre seus filhos nas mídias sociais.
Antes do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/instagram">Instagram</a>, pais e responsáveis mostravam, com orgulho, as imagens de seus filhos para vizinhos, amigos e conhecidos. Por isso, pode parecer que não há qualquer diferença entre essa prática essencialmente offline e a prática de compartilhar os mesmos conteúdos nas mídias sociais. Engana-se quem pensa assim.
No passado, era efetivamente mais fácil restringir o público que teria acesso às informações sobre seus filhos. Já na internet, saber quem tem acesso a esses dados é um desafio inacessível para a maioria. Muitos pais, inclusive, não restringem sua conta para terceiros nas mídias sociais, o que torna todo o conteúdo passível de monitoramento.
Esse compartilhamento amplo pode desrespeitar a vontade da criança retratada. A própria noção de privacidade dos filhos, quando crescem, pode ser díspar da noção dos pais. Aquela disseminação das imagens pode provocar um impacto negativo na vida deles, fazendo com que sintam que sua intimidade foi violada. Não obstante, há riscos e, em muitos casos, mesmo que sem intenção, os pais podem acabar expondo seus filhos a ponto de um terceiro conseguir identificar onde a criança estuda, mora, locais que frequenta e assim por diante. Fica evidente como atitudes muitas vezes inofensivas podem causar consequências às crianças tanto no presente como no futuro.
<h3>Superexposição e as celebridades mirins</h3>
Muitos pais e mães, imersos na cultura digital, tornaram a exposição de crianças e adolescentes uma atividade remunerada. Os youtubers mirins acumulam milhões de seguidores e enormes compensações financeiras nas plataformas digitais.
Segundo pesquisa da Forbes, em 2019, a lista dos youtubers mais bem pagos do mundo trazia em primeiro lugar Ryan Kaji, uma criança de apenas 8 anos (à época), que faturou mais de US$ 26 milhões em seu canal, Ryan Toys Review, onde faz unboxing de brinquedos. Apesar do grande faturamento, muitos apontam os malefícios que essas práticas podem trazer para a criança.
É o caso da violação da privacidade de jovens em atividades rotineiras. Como os vídeos feitos por crianças, na maioria das vezes, dizem respeito a suas brincadeiras, seus hábitos e seus aprendizados, os elementos do cotidiano acabam se tornando midiatizáveis. Para Pedro Hartung[1], do Instituto Alana, essa violação da privacidade é associada à própria perda da liberdade, já que as crianças perdem seus momentos íntimos próprios.
Um caso recente que causou controvérsia foi o da MC Rebecca, que divulgou um vídeo de sua filha dançando uma música de conotação sexual[2]. A indignação foi grande e alguns usuários de mídias sociais pediram pela remoção do conteúdo. Porém, como a maioria das informações que são publicadas na internet, não há a possibilidade desse conteúdo ser esquecido ou completamente apagado e, consequentemente, não há como reverter esse tipo de exposição.
<h3>Boas práticas na internet</h3>
É natural que humanos queiram compartilhar suas conquistas e momentos felizes com grupos de amigos e familiares. Isso também é natural quando se trata de filhos. Apesar dos riscos do sharenting, é possível adotar medidas básicas para que as crianças não sejam tão expostas e que possam preservar suas identidades para que um dia, quando maiores, possam tomar decisões sobre suas características íntimas e coletivas.
Em se tratando de postagens em mídias sociais, vale a pena ter um perfil privado (em que pessoas aleatórias não têm acesso ao conteúdo) e quando compartilhar conteúdos temporários, optar por compartilhar “com amigos próximos" para que se tenha mais controle sobre como aqueles materiais estão circulando. Existem, também, ferramentas gratuitas de edição que permitem ocultar informações sensíveis, como: endereço de casa e escola, números de identificação telefônica ou pessoal, ou mesmo outras crianças que aparecem nestes materiais – e é sempre fundamental checar com outros pais e responsáveis sobre materiais que exponham seus filhos também.
Por fim, vale dialogar com a família, com os grupos de pais, professores e amigos e com as próprias crianças sobre este fenômeno. É interessante saber a perspectiva de outras pessoas neste aspecto, inclusive para compreender melhor como essa realidade conectada afeta as vidas pessoais e coletivas. Importante também é pensar no futuro dos pequenos: crianças, em especial da primeira infância até a adolescência, ainda estão formando seus caracteres, suas identidades e suas escolhas – portanto, qual seja o material que é passível de publicação, é preciso considerar se há violação de quaisquer das identidades que uma criança pode assumir no futuro. Isso fortalece a relação de confiança entre pais, responsáveis e filhos para que as famílias se sintam seguras para enfrentar os desafios do presente e do futuro.
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[1] [3° Workshop] Painel 6: Influenciadores digitais mirins. Realização de NIC.Br, CGI.Br e Safernet Brasil. São Paulo, 2018. (43 min.), color. 3º Workshop "Impactos da Exposição de Crianças e Adolescentes na Internet".
[2] MC Rebecca expõe filha dançando música de Luísa Sonza e é massacrada. 2022.

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JOTA

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