Opinião e Análise

Mariana Filizola

Gustavo Souza

Rodger Richer

Em um mundo saturado de informações, nunca foi tão importante dar destaque e valor às fontes das notícias e dados que o público consome. Compreender as narrativas e agendas ligadas a um debate político, por exemplo, é essencial para contextualizar o todo e conseguir formar uma opinião. Mas quando o assunto é Amazônia, será que as fontes que o público acessa estão realmente conectadas à realidade de quem vive na região?
Quem quiser nadar em um dos igarapés da região Norte pode entrar na água e arriscar algumas braçadas, mas corre menos risco se perguntar a um morador local se a ideia é segura. Vai, então, ouvir histórias sobre a dor envolvida na picada por ferrão de arraia. Da mesma forma, para compreender os impactos humanos ligados às mudanças climáticas na Amazônia é essencial ouvir quem estuda e vivencia a realidade local desse complexo e gigantesco bioma brasileiro – e assim, entender como as narrativas de desinformação distorcem essa realidade.
Se a falta de exposição a conteúdos produzidos nos territórios amazônicos impacta negativamente a formação da opinião pública, o que dizer de tentativas de regulação sobre temas que afetam as populações locais? Atualmente, discute-se no Congresso Nacional o <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2256735">PL 2630/2020</a>, conhecido como PL das Fake News. Neste texto, vamos reforçar alguns elementos do fenômeno da desinformação ambiental e climática na Amazônia brasileira com o objetivo de informar reflexões no Legislativo e destacar a importância, bem como a necessidade, de se incorporar mais perspectivas regionais no debate. Só assim, acreditamos, encontraremos soluções efetivas para o combate a esse fenômeno.
<h3>Narrativas desinformativas climáticas e ambientais em pauta</h3>
Não é preciso ir muito longe para nos depararmos com discursos desinformativos sobre a agenda ambiental e climática. Recente matéria do jornal The New York Times <a href="https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/05/google-falha-em-cortar-anuncios-de-videos-com-mentiras-sobre-mudanca-climatica-mostra-novo-estudo.shtml">republicada pela Folha de S.Paulo</a>, por exemplo, apontou que o Google falhou ao não banir anúncios de vídeos que contêm desinformação acerca das mudanças climáticas. De maneira similar, conteúdo desinformativo sobre o Fundo Amazônia estava sendo promovido por meio de <a href="https://oeco.org.br/noticias/google-impulsiona-desinformacao-do-brasil-paralelo-sobre-fundo-amazonia/">anúncios no buscador</a>. Esses achados ajudam a reforçar que o compromisso pelo combate à desinformação climática precisa ser coletivo, envolvendo não só especialistas e público, mas também plataformas.
Em geral, há algumas desinformações que compõem discursos hegemônicos sobre a Amazônia. Vamos tratar de algumas delas aqui.
A primeira desinformação de destaque posiciona o território amazônico como um ecossistema intocado. Como visto de maneira reiterada, é a partir do “território intocado” que <a href="https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/07/20/general-heleno-amazonia-e-muito-preservada-85-e-floresta-intocada.htm">grupos idealizam</a> como explorá-lo. Na superfície, podemos questionar essa narrativa a partir dos dados que apontam o desmatamento e a degradação do bioma. Aliada a essa desinformação, há a narrativa de que a agricultura é responsável pela preservação das florestas. Tal premissa é facilmente questionada quando observamos pesquisas que apontam que a zona agrícola é a <a href="https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2015/09/25/fronteiras-agricolas-sao-maiores-responsaveis-por-desmatamento-diz-ibge.htm">principal responsável pelo desmatamento</a>.
Ao ouvir comunidades locais, é possível construir contranarrativas para ir além dos dados. Podemos apontar para a existência de muitas florestas de composições distintas e que foram singularizadas sob o termo Amazônia. Mais do que isso, as contranarrativas à desinformação e à simplificação apontam para a correlação entre as florestas e os povos, como bem dito por <a href="https://www.youtube.com/watch?v=efNpcyD6pBI">José Neto</a>. A Amazônia, como a conhecemos, é, na realidade, resultado das interações entre as diferentes populações e seus territórios. Portanto, ela não é intocada. A Amazônia é, sim, vivida e reinventada todos os dias.
Outra desinformação recorrente é que as organizações não governamentais (ONGs) causam queimadas. De acordo com <a href="https://www.aosfatos.org/noticias/e-falso-que-policia-descobriu-que-WWF-Brasil-financiou-queimadas-no-para-em-2019/">matéria publicada</a> no Aos Fatos, a ideia de que as ONGs causam queimadas foi difundida amplamente no Facebook, com uma única publicação obtendo cerca de 5.000 compartilhamentos. A publicação alegava que a WWF Brasil havia patrocinado incêndios na Amazônia. Entretanto, tal afirmação tinha cunho desinformativo.
Uma terceira narrativa desinformativa que nos chamou a atenção foi a que faz uma falsa correlação entre o desmatamento e o desenvolvimento econômico. <a href="https://oeco.org.br/colunas/o-fim-da-narrativa-do-heroi-desmatador/">Essa perspectiva</a> parte da ideia de que a única via para o desenvolvimento econômico brasileiro é o desmatamento. Entretanto, tal ideia é facilmente refutada ao observarmos que as terras desmatadas podem apresentar problemas, como assoreamento de rios devido ao desmatamento das suas margens, uma grande quantidade de pastos pode ter baixa produção, bem como as florestas podem ser deterioradas por conta do fogo e da extração de madeira. 
Outra desinformação foi propagada no canal do YouTube do ex-presidente Jair Bolsonaro, que <a href="https://www.youtube.com/watch?v=Jcw8xFnehkM">publicou um vídeo que alegava</a> que “nossos irmãos índios de todo o Brasil querem trabalhar, plantar, garimpar, enfim serem como nós”, denotando que a população indígena seria favorável à prática do garimpo. Entretanto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se posicionou publicamente <a href="https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/5645-nota-da-apib-em-defesa-das-vidas-indigenas-e-contra-o-garimpo-na-terra-indigena-yanomami">em nota</a> afirmando que se preocupa com o aumento da violência provocada pela ação dos garimpeiros contra as populações indígenas Yanomamis, demonstrando nitidamente os efeitos nocivos do garimpo nesses territórios. 
Por fim, a ideia de que a Amazônia seria <a href="https://infoamazonia.org/2022/01/26/izabella-teixeira-soberania-nacional-fake-news-desmatamento/">invadida por países estrangeiros</a> por conta de sua rica biodiversidade foi muito difundida na internet. Um dos maiores propagadores dessa desinformação foi Bolsonaro, apesar de jamais ter apresentado qualquer prova nesse sentido. Essa ideia foi muito divulgada em canais conservadores no YouTube. Todavia, o Brasil é signatário de diversos acordos multilaterais que se relacionam com o meio ambiente, cujas cláusulas de soberania devem ser respeitadas. Logo, seria muito difícil que ocorresse uma invasão por países estrangeiros na Amazônia Legal.
<h3>Mentira que (des)mata</h3>
Quanto maior a participação de pessoas, com perspectivas qualificadas e locais no debate sobre as soluções para o fenômeno da desinformação climática e ambiental, mais mecanismos de combate efetivo poderão ser propostos. Uma das iniciativas que busca fazer isso acontecerá no próximo dia 23, no Congresso Nacional. O <a href="https://www.instagram.com/p/CsUep9OP282/">evento</a> “Mentira que (Des)Mata: os impactos da desinformação sobre a Amazônia e as políticas climáticas e ambientais”, organizado pelo Instituto Vero e pelo Intervozes, reunirá diversas lideranças para debater os efeitos da desinformação climática e ambiental na Amazônia, compreendendo que o Brasil é um dos países líderes na construção de políticas sustentáveis, bem como assume papel de destaque na discussão sobre os direitos digitais. 
Dentre os temas que serão abordados, destacamos: a desinformação e sua interseção com as políticas públicas para proteção ambiental e mudança climática na Amazônia; os impactos da desinformação nas políticas voltadas para os povos indígenas; e como informações baseadas em evidências têm potencial para promover o desenvolvimento social e econômico.
Neste ano, as propostas por medidas de combate à desinformação e regulação de plataformas serão centro de debates. Esperamos que vozes e regiões historicamente ignoradas possam enfim ter espaço deliberativo.

Amazônia

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JOTA

Quando o assunto é Amazônia, como envolvemos as vivências e perspectivas da região no debate?

Desinformação ambiental e climática: o valor da participação para a regulação

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