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Regulando a inovação

Sobre a linguagem do advogado e a compreensão do discurso jurídico

Cabe a nós apontar caminhos para essa geração que anseia por uma sociedade mais justa e igualitária

Nancy Casagrande
11/07/2023|01:10
linguagem advogado
Crédito: Unsplash

Muito se tem falado sobre a linguagem do advogado e sua acessibilidade ao grande público, mas como esse profissional se comunica? Quais são os recursos linguísticos dos quais ele lança mão para convencer, persuadir e ganhar o auditório a quem se dirige? Essas são questões que tentaremos responder de forma clara e concisa, na medida do possível.

Em primeiro lugar, vale ressaltar a importância das aulas de Língua Portuguesa no curso de Direito que não devem ser, sequer, semelhantes às ministradas na escola. Essa é uma afirmação óbvia, porém nem sempre considerada pelos docentes universitários que adentram a sala de aula dos calouros dos cursos de Direito Brasil afora e passam um ano, ou um semestre, a depender da matriz curricular do dito curso, a repetir regras gramaticais já vistas à exaustão pelos estudantes. Não sou contra ensinar gramática, mas não aquela normativa, de regras infindas, decoradas ao longo da vida escolar para fazer prova. Feita essa observação, continuemos.

Em segundo lugar, o calouro, ora certo de sua escolha, ora confuso com os caminhos que sua vida tomou, vem deslumbrado com o espaço universitário e é aí que o professor de língua portuguesa tem um papel fundamental: o de mostrar a esse candidato que sua escolha – ser advogado, promotor, juiz, desembargador e, quiçá, ministro do STF – tem um cunho social de absoluta relevância. Seu discurso, ora proferido do lugar de fala da lei, terá consequências decisivas na vida das pessoas que a ele recorrerão e caberá ao mestre das Letras despertá-lo para o que chamo de “consciência discursiva”.

Mas que caminhos percorrer para se levar a cabo esse desafio? Ao tentar responder às questões aqui lançadas, compartilho com o leitor minha experiência profissional ao longo dos 28 anos de atuação no curso de Direito, como professora de Redação e Linguagem Jurídica na PUC-SP. Tendo trazido à baila a discussão, questionando os alunos se o poder emanado da lei do qual o advogado se apropria deve ser “compartilhado discursivamente” com os “pobres mortais” que habitam a escuridão da ignorância dos documentos jurídicos, pergunto em outras palavras: o leigo deve compreender o discurso hermético da corte? Haverá como simplificá-lo? Ele deverá ser acessível? E então as opiniões são as mais diversas, mas a nova geração acredita que a linguagem do advogado tem de ser mais acessível ao público do que aquela que seus pais e avós – sim, muitos deles já são a terceira geração de advogados na família – foram.

Engajados em coletivos, em trabalhos voluntários, em ONG, esses estudantes discutem com veemência a importância de o advogado ser compreendido pelo cliente. Percebem a necessidade do uso da linguagem específica da área ao se dirigirem aos seus pares ou ao juiz, mas entendem, desde o início, que como representantes da lei, o “ser advogado” implica buscar caminhos para que as pessoas os compreendam e confiem neles; assim começamos a tratar da linguagem jurídica do ponto de vista da retórica, da argumentação, da intencionalidade subjacente ao discurso para, enfim, chegar ao exame e à produção de documentos jurídicos como a Petição Inicial e a Contestação e os calouros deslumbrados dão lugar aos estudantes críticos e conscientes de seu papel social.

Tem início, a partir de então, uma nova etapa no ensino de língua portuguesa no curso de Direito: as marcas linguísticas – substantivos, adjetivos, verbos e advérbios – ganham uma nova perspectiva no contexto dos documentos examinados, pois sua escolha está diretamente atrelada à intenção comunicativa que o advogado teve ao elaborar o texto, já que assumindo a verdade do cliente como sua, reconstrói os fatos juridicamente relevantes, tendo como fundamento a lei, esta sim, verdade incontestável, mas passível de interpretações muitas.

Nesse percurso, vejo neles o empenho em entender como a linguagem jurídica se torna ainda mais poderosa quando usada de forma consciente em prol de uma ou de outra classe social. Revelam-se na sala de aula futuros defensores públicos, futuros advogados criminalistas, ambientalistas e defensores dos direitos humanos. O calouro não mais desnorteado percebe o seu papel social ao vislumbrar a possibilidade de se apropriar de uma linguagem específica por meio da qual poderá, enfim, promover a tão sonhada justiça, palavra esta que faz parte do discurso de muitos ingressantes no curso de Direito. As sementes lançadas no 1º semestre do curso frutificam, em anos seguintes, em pesquisas de Iniciação Científica, orientadas por mim e pelos colegas que ministram a disciplina, em que se discutem as perspectivas sociais da linguagem jurídica.

Frente a tantas questões aqui apresentadas posso afirmar que a justiça será feita, também, por meio do discurso, e cabe a nós, professores de língua portuguesa, apontar caminhos para essa geração que anseia por uma sociedade mais justa e igualitária.logo-jota