Opinião e Análise

Heloisa Fischer

Inovar no Direito inclui comunicar com mais clareza. Daí técnicas como Legal Design, Visual Law e Linguagem Simples estarem em evidência. Elas ajudam a enfrentar a complexidade da comunicação.
Há um boom de projetos, cursos, ferramentas e consultorias ligadas à simplificação jurídica. Há quem defenda e quem ataque. Há os gurus e os que se acham gurus. O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/chatgpt">ChatGPT</a> entrou depois, mas já sentou junto da janela.
Esse cenário me remete ao <a href="https://www.gartner.com.br/pt-br/metodologias/gartner-hype-cycle">ciclo Gartner de tecnologias emergentes</a>. O “gatilho de inovação” já passou e lá vem o “pico das expectativas infladas”.
Apelos como “Simplificar é fácil: compre o nosso template!” têm sido comuns. Sim, modelos pré-formatados podem ajudar. Mas tenho visto peças que mantêm o linguajar imbricado original e são divulgadas como exemplos de simplificação. 
Usar ícones, cores e blocos pré-formatados não é garantia de reduzir a complexidade. Elementos visuais são importantes, mas e a escrita?
Redação objetiva é o fator mais crítico para uma petição ficar agradável de ler e analisar. Não sou eu quem diz isso, mas <a href="https://opiceblum.com.br/wp-content/uploads/2022/02/pesquisa-magistratura-estadual.pdf">99,2% da magistratura estadual</a> e <a href="https://www.conjur.com.br/dl/visulaw-pesquisa.pdf">96,7% da magistratura federal</a>. Os dados foram coletados pelo grupo de pesquisa VisuLaw, coordenado por Bernardo de Azevedo, em 2021 e 2022.
Pensamento e linguagem são conectados. Texto objetivo nasce de sinapses, não brota em ícone ou template. Entre outros tipos de raciocínio, requer evitar elementos que aumentam o custo de processamento linguístico (operações mentais inerentes à leitura). 
Frases longas, ordem indireta, orações intercaladas, voz passiva, nominalizações e palavras pouco frequentes são alguns dos elementos que aumentam o custo de processamento e exaurem até leitores avançados.
A técnica Linguagem Simples (Plain Language, em inglês) ensina a evitar tais elementos. Veja a simplificação feita por uma aluna minha.
<ul>
<li> Original: Até o momento, apesar do cenário adverso que vem ocorrendo na Justiça do Trabalho, decorrente da redução constante do quadro de servidores ativos e das restrições orçamentárias, este Tribunal nomeou 322 novos servidores.</li>
<li>Reescrita: O Tribunal nomeou 322 novos servidores até agora, apesar da redução de recursos e funcionários.</li>
</ul>
O estilo ornado da frase original é típico de textos imbricados e redundantes. A versão reescrita tende a reduzir o custo de processamento, tornando a leitura mais ágil.
Estamos todos cada vez mais ocupados, dispersos e com pressa. A comunicação objetiva tem que levar em conta essa nova dinâmica. Uma das recomendações da recém-publicada norma técnica internacional <a href="https://www.iso.org/standard/78907.html">ISO Plain Language</a> é considerar o tempo que os leitores conseguem manter o foco na leitura.
<h3>O Direito precisa enfrentar o 'paradoxo da simplificação'</h3>
Os problemas decorrentes da escrita prolixa são antigos. Faz tempo que o sistema brasileiro de Justiça reconhece ser necessário agilizar a comunicação, em benefício próprio e dos públicos atendidos. 
Por exemplo, há quase vinte anos, a Associação dos Magistrados do Brasil lançou uma campanha para simplificar a linguagem jurídica. Anos depois, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul lançou o projeto “Sentença 10, Petição 10”. O objetivo era estabelecer um limite de dez páginas para sentenças e petições. O projeto se expandiu pelo país.
Há muito, o Conselho Nacional de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CNJ">CNJ</a>) mede as percepções sobre o linguajar judiciário. <a href="https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/04/relatorio-pesquisa-percepcao-e-avaliacao-do-pjb.pdf">A última pesquisa é de 2023</a>. O CNJ pediu que cidadãos reagissem à afirmação “A linguagem do processo é de fácil entendimento”. Quase 75% discordaram, sendo 41,4% totalmente e 33,5% em parte. E 50% disseram já ter deixado de entrar na Justiça por acharem o processo complicado.
Essa pesquisa mediu como advogados reagem à afirmação “As decisões proferidas pelo Judiciário são claras e de fácil entendimento”. Resultado? 50,1% discordaram, sendo 16,9% totalmente e 33,2% em parte.
A necessidade de simplificar é comprovada. Porém, ao mesmo tempo, duvida-se que engrenagens complexas como as jurídicas possam ser explicadas de forma simples e há um apego à malfadada cultura do “falar bonito é falar difícil”.
Temos aí um paradoxo. A necessidade de simplificar é tão grande quanto a resistência que a simplificação provoca. O problema é muito reconhecido, mas pouco enfrentado, mesmo com plena ciência dos malefícios. 
É hora de enfrentar esse “paradoxo da simplificação” e aprofundar o debate.
O simples tem conotação negativa, eu sei. Há medo de empobrecer o texto ou arranhar a reputação de especialista. Compreendo esses receios, mas eles denotam desconhecer a Linguagem Simples. A técnica possibilita várias vias de simplificação além de substituir vocabulário.
Simples não é simplista, muito menos simplório. Ao contrário, um texto simples demonstra raciocínio claro, criterioso e respeitoso com o tempo dos leitores.
<h3>Publicação de manuais e automação de sistemas não bastam</h3>
Simplificar a comunicação escrita demanda repensar os pilares da cultura organizacional e das crenças individuais. Por isso, a Linguagem Simples é um projeto de gestão de mudança. Precisa ser gradual e sistêmico, com engajamento de líderes. 
O ideal é começar identificando e discutindo os desafios. Depois, oferecer aprendizado, atividades de prática e projetos-piloto, entre outras etapas. 
Tenho visto manuais de aprendizagem autoinstrucional serem a primeira ou a única ação de Linguagem Simples. Mas é insuficiente só apresentar as vantagens da técnica e indicar diretrizes de escrita. Aderir à Linguagem Simples implica ver valor em simplificar. Muita gente se opõe e precisa ser ouvida. E espaços de práticas são fundamentais.
O que dizer quando sistemas automatizados são ofertados como as únicas soluções de Linguagem Simples? Alcançar escala é relevante, mas é arriscado apostar tudo na automação.
Não me refiro aos riscos à segurança e à relevância das informações simplificadas. De fato, tais riscos existem, mas podem ser amenizados. Eu me refiro ao risco de a automação inibir ou extinguir ações que estimulem refletir sobre os textos produzidos e inspirem mudanças. Sem reflexão e sem prática, o desenvolvimento das equipes pode estagnar.
Enquanto pessoas continuarem compondo ambientes de trabalho, a comunicação entre elas continuará sendo uma peça-chave para alcançar bons resultados. E programas de Linguagem Simples continuarão tendo muito a contribuir.
<h3>Linguagem Jurídica Simples: passando da intenção à realização</h3>
OK, você vê valor na proposta da Linguagem Simples e gostaria de experimentar na sua prática jurídica. Como começar? 
Não existe tamanho único em linguagem, muito menos em simplificação de conteúdos jurídicos. O campo do Direito é um oceano de mil mares. O seu ambiente de trabalho tem uma cultura própria, com estrutura e dinâmicas particulares. Ou seja, não há fórmula pronta. 
O que funcionou para o escritório X ou para o tribunal Z não necessariamente vai funcionar na realidade em que você vive. Mas com certeza trará aportes valiosos para aprender ou até replicar no seu ambiente. 
É importante conhecer referências sobre a técnica Linguagem Simples. Ainda não há um canal brasileiro que compile informações e análises. No <a href="https://www.instagram.com/comunicasimples/">Instagram @comunicasimples</a>, comentamos fatos relevantes. A Rede Linguagem Simples Brasil tem uma <a href="https://www.redelinguagemsimplesbrasil.org/4.html">biblioteca colaborativa</a>.
Na cena internacional, o ISO Plain Language que já mencionei terá uma segunda parte dedicada a documentos jurídicos, ainda em andamento. A associação <a href="https://www.clarity-international.org/">Clarity International</a> produz uma boa revista eletrônica com foco em Linguagem Jurídica Simples. 
A<a href="https://plainlanguagenetwork.org/"> Plain Language Association International (PLAIN)</a> tem membros em mais de 40 países, produz conteúdos exclusivos e estimula o neworking entre membros que falam português. 
Em setembro, o congresso da PLAIN ocorrerá pela primeira vez na América do Sul. Será no <a href="http://www.derecho.uba.ar/institucional/observatorio-lenguaje-claro/">Observatório de Lenguaje Claro</a> da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires. Vários palestrantes são da área jurídica.
Encerro com uma fala da juíza argentina <a href="http://www.derecho.uba.ar/institucional/observatorio-lenguaje-claro/autoridades.php">Maria Lorena Tula del Moral</a>, que será a nossa anfitriã em Buenos Aires. “A Linguagem Simples veio para ficar. Mais do que uma técnica, é uma forma de trabalhar”.

caneta

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JOTA

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Simplificar é mais complexo do que parece

Há um boom de projetos, cursos, ferramentas e consultorias ligadas à simplificação jurídica, como Linguagem Simples e Visual Law