Opinião e Análise

Marcelo Nogueira Mallen da Silva

Instituições jurídicas não são insensíveis aos ambientes ou contextos em que operam. Entre várias influências concebíveis, a forma como os arranjos econômicos são estruturados e as concepções de desenvolvimento que lhes dão fundamento são particularmente relevantes para entender o que está acontecendo com o direito de uma sociedade. Exatamente por não serem conformações ou concepções estáticas, mas cambiáveis.
Este artigo sugere que mudanças de ambiente, de contexto, exercem certo prestígio sobre instituições jurídicas e outros eixos relevantes de normatividade que incidem diretamente sobre um determinado público-alvo consumidor de informações sobre investimentos de diversas classes de ativos desde ações e títulos de renda fixa corporativa até derivativos de moedas, operações estruturadas, taxas de juros e commodities listadas no setor de bolsas (<a href="https://www.b3.com.br/pt_br/">B3</a>); além de uma possível relação comercial de influenciadores digitais e participantes do mercado de títulos financeiros regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.gov.br/cvm/pt-br">CVM</a>).
Em termos de expressivos anúncios de recomendações incentivados mais detidamente a novos players, antevendo possíveis ‘assimetrias’ e ponderando as repercussões da gradatividade que o efeito contágio é capaz de produzir, porque decorrem não apenas da divulgação de certas informações, mas da frequência, abordagem e intensidade com que são noticiadas, é que surgiu a recente <a href="https://www.b3.com.br/data/files/DE/47/57/09/B3866710D32004679C094EA8/Pesquisa%20PF_Apresentacao_final_11_12_20_.pdf">pesquisa realizada pela B3</a> com o objetivo de verificar por sondagem de opinião o controle informacional e o alcance da grande mídia.
Aqui, vale rememorar as ênfases de Akerlof e Kranton<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> de que a maior parte da análise econômica concentra-se nas motivações monetizáveis, como desejos de consumo e renda.
Em contrapartida, a economia hoje não é só voltada ao dinheiro, e muitos economistas acreditam também noutros motivos não pecuniários. As funções de utilidade foram desenvolvidas para expressar uma ampla gama de gostos e preferências tidas características individuais independentemente do contexto social e das narrativas do comportamento humano, aí atrelados a algumas pessoas se preocuparem mais com status, outras menos. E assim por diante. Essa presunção ignora o fato de que aquilo com que as pessoas se preocupam, e o quanto elas se preocupam com isso depende em parte de sua identidade.
Por outro lado, por qual razão não dizer a força no processo clássico de mudanças ao definir agendas (agenda-setting) e de lhes atribuir enquadramento (framing) — conquistas importantes; tudo de modo a instruir a maneira como a mensagem é interpretada pelos destinatários<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a><a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Além disso, a depender das circunstâncias, as redes sociais podem se tornar uma verdadeira propaganda e não uma ferramenta meramente informativa de um panfleto numa economia globalmente difundida e interconectada onde os usuários guardam uma fonte quase inesgotável de elementos nos variados canais: planilhas autoexecutáveis, receitas de sucesso, registros de lucros, números de probabilidade de êxito etc. Situações que facilitam ainda mais a sua aceitabilidade pelo público.
Ocorre que os elementos, ou melhor, essas noções deixaram marcas nos momentos de perspectivas jurídicas e econômicas — quando se identificou no estudo de acessos cerca de 73% das pessoas iniciaram suas alocações de recursos próprios ou de terceiros com base em dados disponíveis de YouTube e influenciadores.
Não à toa, referenciais jurídicos, econômicos e interdisciplinares, em períodos variados, articularam noções do “bom” ou “desejável” para padrões regulatórios e de cooperação em vocabulários de desenvolvimento e redução de ‘externalidades negativas’ afetas aos interesses exclusivos das plataformas digitais.
Feigelson indica a necessidade do planejamento regulatório a servir de sistemática “em lacunas legais como premissa básica da geração de conhecimento e que o modelo disruptivo nasce a partir de uma ideia simples que propõe uma mudança de mindset. Ou seja, uma alteração na percepção e no hábito de determinado comportamento da vida. Na maioria das vezes, como dito, trata-se de insights, captações muitas vezes até óbvias, que surgem a partir de lacunas da realidade posta”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Um bom exemplo de planejamento ou curadoria personalizada da informação atenta ao dever de transparência e accountability inerentes aos processos pré-decisórios dos usuários pode ser conferida no <a href="https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos/20230418-air-influenciadores.pdf">estudo</a> produzido pela <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm">Comissão de Valores Mobiliários</a> (Lei 6.385/1976), autarquia de regime especial criada para o exercício de funções típicas do Estado dotada da prerrogativa e delegação do poder normativo de tamanha especificidade técnica (não as normas básicas de política legislativa), assente na discricionariedade administrativa impulsionada pela metodologia de Análise de Impacto Regulatório (<a href="https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/air/o-que-e-air">AIR</a>) do custo-benefício da edição de regramento dessas interações.
O AIR então fruto da análise e compreensão de aspectos mais alargados na construção de problemas e soluções em políticas públicas decorrentes das práticas que se correlacionam com o universo do mercado de capitais que, como no caso da CVM, buscou estabelecer um dispositivo que obrigue “aos seus regulados, sempre que contratarem um influenciador digital, a prever que tal contratado, ao divulgar o conteúdo patrocinado a respeito de valores mobiliários, tenha que informar que está sendo remunerado por tal divulgação”<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>; arranjo negocial muitas vezes desconhecido do público investidor.
A despeito da seriedade e comprometimento de alguns influenciadores, para aqueles sem a adequada neutralidade convém o alerta quanto à potencial e reprovável ocorrência do <a href="https://seliganafraude.anbima.com.br/pump-and-dump/">pump and dump</a> (ou hype and dump manipulation)<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, calcada nas hipóteses de fraude e manipulação de mercado — não é demais esclarecer que a prática envolve inflar artificialmente os preços das ações por meio de boatos ou notícias falsas — sem esquecer as consequências no campo de ambiência concorrencial associadas a infrações à ordem econômica.
Outro feixe de cuidados consta nas justificativas da regulação de intervenção em diferentes matizes que extrairia a legitimidade de sua processualidade, sobretudo para garantir o bem-estar social corrigindo as denominadas ‘falhas de mercado’ (a) no custo baixo de extensão das responsabilidades dos influenciadores em condições iguais às exigidas aos regulados da CVM; somado a, aliás, (b) oferta múltiplos de benefícios, nos seguintes paradigmas: “i) o mercado como um todo ganharia em higidez, ao mitigar potenciais conflitos de interesses no consumo de conteúdo patrocinado regulado; ii) para os participantes, a maior segurança jurídica e o correto estabelecimento das responsabilidades previnem futuros riscos financeiros e de imagem; iii) para os influenciadores, a transparência de suas relações como os participantes do mercado pode ser também um sinalizador de credibilidade da sua atuação”<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Segundo Carvalho Filho: “[e]m nosso entender, trata-se de exigência dos tempos modernos e, por refletir inovação, não surpreende a reação oposta por alguns setores jurídicos, costumeira em semelhantes situações. O que se exige, isto sim, é que as escolhas da ação regulatória tenham suporte em elementos concretos de aferição”<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Em um cenário onde o capitalismo e o poder informacional estão cada vez mais entrelaçados, é importante equilibrar o complexo de interesses do setor privado ao múnus público de fiscalizar, incentivar e planejar.
Afinal, compreender que a recomendação a cargo da CVM do marco regulatório para influenciadores digitais lança o debate à participação de investidores e investidos em sintonia com a Administração Pública, seja na tomada de subsídios, seja na instrumentalização do controle social ex post dos atos regulatórios (accountability), acima de tudo consagra a fundação do Estado Democrático de Direito constitucionalmente positivado (art. 1º, art. 14, inc. III, art. 37, § 3º).
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>[1] Ver AKERLOF, George; KRANTON, Rachel. Identify Economics. How our identities shape our work, wages, and well-being. New Jersey: Princeton University Press, 2011, p. 9-10. Disponível em: &lt;https://law.yale.edu/sites/default/files/documents/pdf/Intellectual_Life/RKranton_identityeconomics.pdf&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2"></a>[2] Nos levantamentos desenhados historicamente por Colling: “[o]s estudos sobre o agenda-setting ganham cada vez mais importância justamente porque os meios de comunicação de massa assumem um papel fundamental na disseminação das informações no mundo contemporâneo. Ainda que a comunicação interpessoal tenha o seu papel, atualmente, é difícil que muitos pessoas fiquem sabendo de uma acontecimento somente através de conversas com seus familiares, amigos ou colegas de trabalho”. In COLLING, Leandro. Agenda-setting e framing: reafirmando os efeitos limitados. Porto Alegre: Revista FAMECOS, n. 14, abr. 2001, p. 5-14. Disponível na íntegra em: &lt;https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/download/3154/2425/&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3"></a>[3] Op. cit. Em nova passagem no texto o mesmo autor acrescenta: “[q]ualquer que seja o seu uso específico, o conceito de framing consiste em oferecer o modo de descobrir o poder do texto comunicativo. As análises passam a detectar qual é a influência sobre a consciência, que é exercida na transferência da informação. Produzir um enquadramento é selecionar alguns aspectos da realidade percebida e dar a eles um destaque maior no texto comunicativo, gerando interpretação, avaliação moral e/ou tratamento recomendado para o item descrito”.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4"></a>[4] FEIGELSON, Bruno. A relação entre modelos disruptivos e o direito: estabelecendo uma análise metodológica baseada em três etapas. Regulação e novas tecnologias. FREITAS, Rafael Véras de; RIBEIRO, Leonardo Coelho; FEIGELSON, Bruno (coord.). Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017, p. 50-51.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5"></a>[5] Estudo CVM. Op. cit., p. 5.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6"></a>[6] Para consultar a definição legal de manipulação dos preços no mercado norte-americano de onde se originou o termo, ver as descrições expostas pela SEC (ou U.S. Securities and Exchange Commision), equivalente a uma agência independente responsável por proteger e regular o mercado de capitais dos Estados Unidos. Disponível em: &lt;https://www.investor.gov/protect-your-investments/fraud/types-fraud/pump-and-dump-schemes&gt;.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7"></a>[7] Estudo CVM. Op. cit., p. 6.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8"></a>[8] FILHO, José Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 37. ed. rev. atual. ampl., Rio de Janeiro: Editora Atlas, 2023, p. 390.

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