Opinião e Análise

Joisa Dutra

Em decisão recente, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) anunciou conjunto de medidas para garantir suprimento de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN). A razão seria responder a uma das maiores <a href="https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2024/08/31/brasil-enfrenta-a-maior-seca-da-historia-diz-orgao-do-governo-federal.ghtml">secas</a> da nossa história recente, de acordo com análises do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden).
Para além do enfrentamento do momento atual, a escassez hídrica de hoje destaca a importância de refletir sobre as pressões futuras no elo água-energia (water-energy nexus). Uma das formas de avaliar essa relação é através da pegada hídrica da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/transicao-energetica">transição energética</a>, tema deste artigo.
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Os requisitos hídricos da transição energética são apresentados no <a href="https://docs.google.com/document/d/1LRnHzi0H2Wz2X4GaehXyl2t9Oe_Jp6Boc-avMYIWK8o/edit">relatório </a>“Water for Climate Mitigation: estimating the global freshwater requirements of climate mitigation measures”. Fruto de parceria entre universidades e organizações multilaterais, o documento apresenta resultados de requisitos de água para conjunto de tecnologias de produção de energia limpa – renováveis, nuclear, bioenergia, baterias – além de medidas de sequestro de carbono.
Os valores são apresentados em tCO2e/ML (milhão de litros). Fundamentadas em estudos e artigos científicos, as diversas hipóteses adotadas são críticas para explicar os resultados. Observa-se grande variabilidade nos requisitos de água; porém, de acordo com o documento, essa dispersão não altera o ranking entre as tecnologias (vide figura abaixo). O ponto central é tomar como referência as metas de neutralidade de carbono estabelecidas pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).
Figura: Toneladas de redução de Gases de Efeito Estufa por milhão de litros de água (tCe/ML)
<img class="aligncenter wp-image-512852 size-full" src="https://portal.jota.info/wp-content/uploads/2024/09/captura-de-tela-2024-09-04-as-13-33-33.png" alt="" width="1275" height="327" />
Fonte: IUCA, 2024
Os resultados concretos do estudo podem suscitar questionamentos quanto a hipóteses. Por certo que precisam considerar os contextos específicos no tempo (disponibilidade sazonal), no espaço (onde se localizam), requisitos de qualidade da água (custos associados ao pré-tratamento, se existirem) e a regulação. Mas o mérito é explicitar que o alcance dos compromissos dos acordos de clima depende de modo crítico de um gerenciamento sustentável dos recursos hídricos; do contrário não há justiça na transição energética.
A despeito da suposta abundância no Brasil, na práticas os conflitos entre usuários de recursos hídricos e a escassez só fazem aumentar. Além de ameaçar a confiabilidade e a segurança do suprimento de energia elétrica, as secas comprometem a navegabilidade dos rios, caso da interrupção da rodovia Tietê- Paraná no período <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-01/navegacao-na-hidrovia-tiete-parana-e-liberada-antes-da-data-prevista">2014-2016</a> e <a href="https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2021/08/29/setor-aquaviario-preve-impacto-de-r-3-bilhoes-com-paralisacao-da-hidrovia-tiete-parana.ghtml">2021</a>; a agricultura, como evidenciam os conflitos na <a href="POTENCIAL%20ECONÔMICO%20DE%20MERCADOS%20DE%20ÁGUA:%20UM%20...Universidade%20Federal%20do%20Rio%20de%20Janeirohttp:/www.coc.ufrj.br%20›%20documents2%20›%20mestrado">Bacia</a> do Rio São Marcos entre titulares de usinas hidrelétricas e irrigantes localizados a jusante; e mesmo o <a href="https://periodicos.unb.br/index.php/revistacenario/article/view/15056">turismo</a>, no caso do lago de Furnas.
No esforço de desenvolver mecanismos adequados de governança, a Agência Nacional de Águas (ANA) coordena salas de crise para gerenciar os conflitos entre grupos de usuários. Para ilustrar, nos anos de 2022 e 2023 esse regulador conduziu cerca de 80 reuniões. O futuro e as expectativas de agravamento dos desequilíbrios entre oferta e demanda clamam por mecanismos mais eficientes para melhor alocação dos recursos entre usuários de diferentes categorias.
A escolha de trajetórias particulares de transição energética – se vamos perseguir apenas tecnologias de energia limpa, ou se aceitaremos a participação de combustíveis fósseis – precisa considerar a disponibilidade hídrica e fazer refletir o tema nas políticas que versam sobre o link água e energia.
Para se ter uma ideia, a compensação que o setor elétrico faz pela utilização dos recursos hídricos em face da geração hidrelétrica não reflete sinais das crises hídricas: os valores devidos pelos produtores de eletricidade caem em consequência da geração menor, sem se ajustar para sinalizar a escassez.
Outro tema importante de futuro é a localização de projetos que demandem muitos recursos hídricos: como pensar em projetos de hidrogênio verde a serem implantados na costa em regiões com escassez hídrica sem considerar custos de dessalinização?
Para enfrentar problemas e promover ajustes em um sistema de energia, é essencial atentar para seus impactos no link com a água. As críticas quanto à necessidade de considerar requisitos de recursos hídricos decorrentes das medidas de mitigação que se quer ver adotadas vão aparecer logo – na forma de questionamentos quanto ao aumento de custos.
Investidores no setor de energia podem resistir a ver explicitados esses componentes para não afetar o ritmo de investimentos que precisa se acelerar. Ainda assim, não reconhecer custos não faz desaparecer o problema. Melhor discutir agora hipóteses, entender seus impactos e considerar adequadamente o nexo água-energia para não atrasar o futuro da descarbonização.

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JOTA

Escolha de trajetórias particulares da transição no Brasil precisa considerar a disponibilidade hídrica

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