Opinião e Análise

Joisa Dutra

O cardápio de eventos climáticos extremos que acometem a América do Sul se torna cada vez mais variado e intenso. O problema da vez são as queimadas. Diversos países na região têm sido afetados, como Bolívia, Peru, Argentina e Paraguai. Mas também aqui o Brasil é superlativo, com mais de 180 mil focos em 2024, mais da metade dos incêndios da América do Sul e mais que o dobro dos focos registrados no mesmo período de <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-09/brasil-concentra-719-das-queimadas-na-america-do-sul-nas-ultimas-48h">2023</a>. Se esse é o novo normal, onde o futuro reserva novos recordes indesejáveis, resta a dúvida de como se preparar para ele.
Queimadas são ameaças a redes de eletricidade. Mas infelizmente a história recente ilustra como a relação pode ser <a href="https://www.nytimes.com/2024/03/22/business/energy-environment/electric-utilities-wildfires-climate-change.html">recíproca</a>: ou seja, também problemas nas redes podem dar início a incêndios. O incêndio em Paradise, na Califórnia, em 2018, que deixou rastro de destruição e perdas de vidas, teve início com problemas na rede elétrica. Entre as causas, foram identificadas falhas em manutenção e manejo de vegetação pelas companhias de eletricidade. <a href="https://www.nytimes.com/2024/08/17/opinion/electric-grid-wildfires-outages.html">Relações de causalidade</a> também foram identificadas em Maui, no Havaí, e em Panhandle, no Texas.
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A Califórnia é reconhecida pela vulnerabilidade a queimadas. Mas a falta de preparação das redes gerou litigância e responsabilização por mortes em consequência dos eventos. O assunto foi tema de <a href="https://www.penguinrandomhouse.com/books/670012/california-burning-by-katherine-blunt/">livro</a>, no qual Katherine Blunt discorre sobre a evolução do relacionamento da companhia PG&amp;E, reguladores e políticos. Algumas pitadas de comportamento oportunista de muitas partes, combinadas com desregulação mal implementada, produziram degradação da infraestrutura. O impacto de mudanças climáticas sobre essas redes degradadas teve consequências desastrosas.
Processos, litígios e multas depois, a resposta do regulador veio na forma de autorização para repassar para as tarifas de eletricidade os custos de medidas de mitigação e investimentos em conversão de redes para subterrânea, fora do caminho. Ainda assim, o ritmo é lento: a companhia tem planos de enterrar cerca de 16 mil km de redes de eletricidade, ao passo que o regulador autorizou apenas pouco mais de 10% desse total.
Mas seria esse o único caminho? <a href="https://haas.berkeley.edu/wp-content/uploads/WP347.pdf">Warner e coautores</a> afirmam que não. Para alguns casos, o custo de enterramento por evento evitado se torna quase impagável. Os autores investigam alternativas que podem ser mais custo-efetivas para algumas regiões, quem sabe com menor densidade. Uma delas seria desenergizar linhas quando detectadas situações de risco.
Recomendável também avaliar o que é risco aceitável (ou pagável). As pessoas às vezes falham em entender que convivemos com riscos e quais são os níveis toleráveis – nem que seja pelo imperativo de não suportar custos de evitar por completo, se possível fosse.
Se em um estado próspero como a Califórnia o custo incomoda, que dizer de um país de renda média onde a eletricidade é cara e pesa cada vez no bolso do consumidor?
Em terras brasileiras, algumas companhias entenderam a mensagem e começam a desenhar novas estratégias. Em resposta aos eventos de novembro de 2023, que causaram longas interrupções no fornecimento de eletricidade na Grande São Paulo, a <a href="https://sampi.net.br/campinas/noticias/2845151/campinas/2024/07/unicamp-fecha-parceria-para-estudar-eventos-climaticos-extremos">Enel</a> firmou recente acordo de cooperação para melhorar condições de previsibilidade a eventos climáticos extremos. Melhor prevenir do que correr risco de ter que lidar com respostas açodadas e politização no advento de extremos climáticos.
Também o regulador tem feito esforços nessa direção, que terão que tomar forma com a proposta de aditivo aos contratos de concessão das distribuidoras dispostas a ver seus contratos de concessão prorrogados nos termos do <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/decreto/d12068.htm">Decreto 12.068/24</a> (art. 6º).
Não menos importante, os mercados clamam por ação. A CVM, regulador do mercado de valores mobiliários, aprovou no ano passado norma que estabelece a obrigação de seguir Padrões de Divulgação de Sustentabilidade da IFRS (IFRS S1 e S2). A <a href="https://www.ibgc.org.br/blog/normas-issb-ifrs-cvm#:~:text=A%20IFRS%20S2%20trata%20das,related%20Financial%20Disclosures%20(TCFD).">IFRS S2</a> trata das divulgações sobre estratégia, governança, riscos e oportunidade em face do clima. A decisão é mandatória para exercícios sociais a partir de 2026, mas já pode ser adotada desde o exercício social deste ano com asseguração limitada. Mais uma evidência da necessidade de desenvolver estratégias integradas que contemplem respostas ao impacto de eventos climáticos extremos.
Resiliência de redes de eletricidade é tema de hoje. Pessoas, comunidades, ativos e empresas têm sido crescentemente impactados por eventos climáticos que se tornam mais severos e frequentes. Se não for a chuva ou a enchente, são tornados, secas, incêndios e queimadas. Nesse novo normal, é fundamental compreender custos e benefícios para definir estratégias adaptadas a esse futuro crescentemente incerto.

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JOTA

Pessoas, comunidades e empresas têm sido crescentemente impactados por eventos climáticos mais severos e frequentes

Relações perigosas: incêndios e redes de eletricidade

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