Opinião e Análise

Jean Marc Sasson

Márcio Antônio Teixeira Mazzaro

Todos os anos, o país vivencia tragédias decorrentes das intempéries climáticas, vide recentemente Petrópolis (RJ), resultantes, dentre outras causas, da ausência de ordenamento territorial. Apesar desta triste realidade, reza o art. 21, IX da Constituição Federal, que entre as competências exclusivas da União está a de elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, enquanto há previsões correspondentes nas Constituições estaduais e na Lei Orgânica do Distrito Federal.
Aliás, inexiste marco legal que regule o dispositivo constitucional e discipline a integração dos atos normativos que tratam as diferentes formas de uso, ocupação e proteção do solo urbano e rural, inclusive de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial.
Não obstante o vácuo legislativo e de bom senso governamental em priorizar demanda tão urgente, contraditoriamente, persiste, há décadas, sem efetiva aplicação, o principal instrumento de ordenação territorial do país: o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), que é um mecanismo de planejamento de ações e gestão estratégica ambiental, social, espacial e geopolítica, público e privado e tem o objetivo de delimitar zonas segundo aspectos ambientais, sociais e econômicos, além de estabelecer atribuição de usos para atividades compatíveis segundo as suas respectivas características, potencialidades, aptidões e restrições, com o propósito de uso sustentável dos recursos naturais e o equilíbrio dos ecossistemas existentes, sendo o referencial básico para a legitimação da alocação de investimentos público e privado e para a captação de recursos, incentivos fiscais e demais investimentos regionais.
A despeito da inexistência de lei específica, os instrumentos normativos que dizem respeito ao ZEE consubstanciam-se na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm">Lei 6.938/81</a> (PNMA), na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7661.htm">Lei 7.661/88</a> e o Decreto regulamentar nº 5.300/04, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dispõe de regras de uso e ocupação da zona costeira, e o Decreto nº 4.297/02, que estabeleceu os critérios para o ZEE, conceituando-o como o:
<blockquote class="jota-article__citation">“Instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas” e estabelecendo “medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população”.</blockquote>
Adicionalmente ao arcabouço jurídico especial, há ainda o Decreto nº 7.378/10, que aprovou o Macrozoneamento Ecológico Econômico da Amazônia Legal, a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp140.htm">Lei Complementar 140/2011</a>, que fixa normas de cooperação entre os entes da federação no exercício da competência administrativa constitucional comum relativa ao meio ambiente e estabelece a competência federal de articular a Política Ambiental com o Ordenamento Territorial, a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651.htm">Lei 12.651/2012</a> (Código Florestal), que aborda o ZEE em seus arts. 11-A, 12, 13 e 14, e estabeleceu o prazo de cinco anos, contados da sua edição, para que todos os estados elaborassem e aprovassem seus respectivos ZEEs, sendo que somente alguns – AC, AM, MA, MT, MS, MG, PA, RO, RR e DF – cumpriram esta obrigação<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Soma-se, ainda, o Decreto nº 9.759/19, que extinguiu e estabeleceu regras, diretrizes e limitações para colegiados na administração pública e, nesta condição, eliminou a Comissão Coordenadora e o Consórcio ZEE Brasil, passando os trabalhos do ZEE para um dos temas (ressalta-se, ainda não tratado!) da Câmara Técnica de Controle e Qualidade Ambiental e Gestão Territorial do Conama, sem qualquer previsão de resgate de todo um acervo e legado produzidos. E não será nesta instância que o ZEE se efetivará, pois depende da capacidade do poder público e setor privado de internalizá-lo e integrá-lo aos diversos planos, programas, políticas e projetos de planejamento e ordenamento territorial.
Fato é que o conhecimento detalhado do território nacional, via ZEE, se constituiria ferramenta fundamental para orientar ações preventivas de fiscalização e recuperação de áreas degradadas e, primordialmente, de indicador das melhores áreas para ocupação, como no processo de <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/regulacao/licenciamento-ambiental-o-que-e-e-qual-a-sua-funcao-16032022?amp">licenciamento ambiental</a>, que certamente contaria com elementos instrutórios mais efetivos e garantiria as tão desejadas segurança jurídica e celeridade.
Por exemplo, a carga de produção de conteúdo relevante no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) certamente seria menor, o que acarretaria trâmite mais célere do processo. Conceitualmente, o cerne do EIA está associado ao estudo de viabilidade ambiental do empreendimento com a elaboração do diagnóstico ambiental (art. 6º, inc. I da Resolução Conama 01/86) e para produzi-lo há grande custo financeiro ao empreendedor, ao passo que se tais informações estivessem contidas no ZEE, diga-se, de forma muito mais fidedigna, obter-se-ia um resultado muito mais eficiente tanto para o empreendedor quanto para o poder público.
Além disso, enquanto critério locacional, a ordenação territorial indicaria a melhor locação e condições para o exercício de cada atividade, sem comprometer o equilíbrio ecológico regional, ao planejar a ocupação e o uso do solo em conformidade com a sua real vocação, assim como definir áreas e normas para o seu uso considerando, em especial, as áreas legalmente protegidas de preservação e conservação, terras indígenas, áreas de segurança do território nacional, mas também de relevância para a biodiversidade, de ocupação populacional, de atividades agropecuárias e florestais, os solos minerais, os projetos energéticos etc.
O ZEE, assim, por não se constituir em um fim em si, nem mera divisão física, tampouco tem o propósito de criar zonas homogêneas e estáticas cristalizadas em mapas, se trata de ferramenta técnica e política do planejamento, segundo critérios de sustentabilidade, de mediação de conflitos e de temporalidade, que lhe atribuem o caráter de processo dinâmico, a ser periodicamente revisto e atualizado, capaz de agilizar a passagem para um novo padrão de desenvolvimento.
O conhecimento científico sobre o meio natural e as relações sociais e econômicas evoluem como a própria ciência, se tornando, por isso, um instrumento basilar de políticas públicas coerentes e de estímulos a investimentos, além de inibição de ações de alto risco econômico e ambiental, como incentivos fiscais, créditos públicos, tributos, tarifas, política ambiental, planejamento de obras de infraestrutura etc.
Do que pode se afirmar, categoricamente, que no ordenamento jurídico brasileiro existem padrões, regras e diretrizes sérias para uma política de desenvolvimento sustentado do país, mas que necessita de apoio político-institucional para a implementação efetiva e contínua desse programa, sobretudo por lei, como forma de não só abranger o poder público federal, mas todos os entes federativos, inclusive a sociedade civil, deixando de ser um mero programa de governo “a” ou “b”, mas, estrategicamente, uma política de Estado.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Vide <a href="https://antigo.mma.gov.br/images/arquivo/80253/Estados/Informacoes_ZEE_2018_novo.pdf">https://antigo.mma.gov.br/images/arquivo/80253/Estados/Informacoes_ZEE_2018_novo.pdf</a>.

Zoneamento ecológico-econômico: um instrumento esquecido pela história

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Zoneamento Ecológico Econômico é capaz de agilizar a passagem para um novo padrão de desenvolvimento

ZEE: um instrumento de planejamento esquecido ao longo da história

O ZEE (Zoneamento Ecológico Econômico) é capaz de agilizar a passagem para um novo padrão de desenvolvimento