Opinião e Análise

Bruno Feigelson

Denis Marques

João Loyola

Heitor Henriques

O Judiciário brasileiro ainda não pacificou as questões jurídicas envolvendo a chamada web 2.0 e já está sendo chamado para se manifestar em relação aos reflexos jurídicos da web 3.0. É fundamental que nesse cenário conceitos básicos dessa revolução tecnológica sejam compreendidos pelo universo jurídico, sob pena de riscos inestimáveis para a sociedade e economia.
Antes de adentrar nos reflexos jurídicos — nas principais questões jurídicas que já chegam nos diferentes tribunais do Brasil e naquelas que chegarão ao longo dos próximos anos —, é fundamental compreender as principais características que dão os contornos da web 1.0, 2.0 e 3.0.
A <a href="https://www.fapcom.edu.br/blog/os-conceitos-de-web-1-0-2-0-e-3-0.html">web 1.0</a> se caracterizou por ser mais estática, sem interatividade entre o usuário e a plataforma, isto é, o usuário é apenas um observador da plataforma. Portanto, o que se observa nesse contexto é que as relações dos usuários com as empresas de tecnologia eram totalmente estáticas e pouco dinâmicas, ensejando poucos reflexos do ponto de vista jurídico.
A web 2.0, por sua vez, caracteriza-se pelos <a href="https://teoriacomunucacao.wordpress.com/2016/11/10/o-que-e-a-web-1-0-2-0-3-0-4-0-e-as-suas-caracteristicas/">modelos de plataforma</a>, pois trouxe formas de interação entre o usuário e a plataforma, sendo nesta que ocorreu o maior desenvolvimento da dinâmica entre usuários da web, com a criação de comunidades pessoais (redes sociais) e o crescimento do comércio eletrônico. Logo, houve o surgimento dos relacionamentos interpessoais de maneira online, tanto do ponto de vista social quanto econômico. Nessa dinâmica, as questões jurídicas ganham grande relevância.
Há, no mínimo, três principais grupos de reflexos jurídicos decorrentes da web 2.0: (i) plataformas de intermediação e respectiva responsabilidade pelo conteúdo, serviço ou produto fornecido por meio do uso da plataforma; (ii) relações entre os prestadores de serviço e a plataforma; e (iii) dados pessoais inseridos e expostos nas plataformas. Passamos a análise de cada um dos reflexos de maneira individual.
<h3>Plataforma de intermediação e respectiva responsabilidade pelo conteúdo, serviço ou produto fornecido por meio do uso da plataforma</h3>
Um bom exemplo dessas plataformas são as de modelo marketplace, no qual um site oferece um espaço livre em que compradores e vendedores podem fazer negócios entre si.
Neste modelo de operação na web, no que tange à forma de comunicação entre plataforma e usuário, destacam-se os atendimentos <a href="https://www.csacademy.com.br/modelos-de-atendimento-high-touch-mid-touch-low-touch-e-tech-touch">Low Tuch e TechTuch</a>. A característica principal deles está no fato de haver pouca ou quase nenhuma interação humana no atendimento, porquanto o atendimento é baseado em ferramentas tecnológicas e automatizadas, o que proporciona uma comunicação célere e simultânea com muitos clientes.
Importante destacar que as plataformas explicitam seus termos de uso, bem como os anúncios identificam quem são os responsáveis pelo produto oferecido. Assim, desde que aceitos os termos de uso pelo usuário da plataforma, o marketplace não detém responsabilidade por dano praticado por anunciantes, pois é este que afinal oferece o serviço/produto aos clientes.
Nessa linha, a legislação consumerista brasileira prevê hipóteses de exclusão da responsabilidade, como no caso de culpa exclusiva de terceiros ou do próprio consumidor. Essas excludentes devem ser estritamente observadas no caso concreto, pois, muitas vezes, os marketplaces não praticam — e sequer podem impedir — qualquer conduta que cause danos, mas podem vir a ser demandadas em ações judiciais de maneira indevida.
Nessa linha de raciocínio, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjrj">Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro</a> (TJRJ) excluiu a responsabilidade do marketplace por culpa exclusiva da vítima, em razão de tratativas realizadas fora da plataforma (ref.: 0018689-39.2018.8.19.0202), e, no mesmo sentido, uma das turmas recursais do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) isentou a plataforma de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro, em razão de fraude virtual conhecida como pishing (ref.: 5458733-57.2019.8.09.0051)
A legislação europeia, neste ponto, pode influenciar a nossa, especialmente acerca da nova lei de direitos autorais.
Em 2019, o Parlamento Europeu aprovou a reformulação de alguns pontos acerca dos direitos autorais na internet, o que causou impactos significados no trabalho de plataformas digitais no país.
A mudança diz respeito a dois artigos: artigos 13 (filtro de upload) e 11 (taxa de link), que, no texto final viraram os <a href="https://olhardigital.com.br/2019/03/21/noticias/artigos-13-e-11-entenda-a-lei-europeia-que-ameaca-a-internet/">artigos 17 e 15</a> respectivamente.  Em síntese, o primeiro prevê um maior cuidado quando do compartilhamento de conteúdo que envolva direitos autorais, o que significa que as plataformas de uploads de conteúdo serão responsáveis pelas postagens de seus usuários, pelo que deverão ressarcir os direitos autorais eventualmente violados por seus usuários, tentando prevenir lesões aos direitos autorais de terceiros.
Já o segundo se refere a distribuição de conteúdo jornalístico por meio da internet, o que significa que uma plataforma que reproduzir reportagens ou notícias pode ser obrigada a pagar uma taxa para o veículo original, autor daquela reportagem ou notícia.
Por outro lado, cabe destacar o que dispõe a legislação brasileira no <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm">Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014</a>. Nos seus artigos 18 e 19, na seção destinada à “Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros”, a norma dispõe que, em regra, o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, podendo ser responsabilizado apenas se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para tornar indisponível o conteúdo infringente.
Em <a href="https://processo.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28RESP.clas.+e+%40num%3D%221930256%22%29+ou+%28RESP+adj+%221930256%22%29.suce.">julgado</a> de dezembro de 2021, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ) se manifestou acerca da responsabilidade do provedor nos casos de divulgação de cenas que contêm cenas de nudez, oportunidade na qual deu interpretação gramatical ou literal ao artigo impugnado.
A partir desse arcabouço interpretativo, é possível reconhecer que, para que o provedor de conexão à internet seja responsabilizado civilmente, deve haver ordem judicial específica, e, mesmo assim, somente em caso do provedor permanecer inerte diante das providências para tornar indisponível o conteúdo infringente.
Todavia, na mesma lei, há uma exceção a esta imposição de ordem judicial. O artigo 21 dispõe que o provedor será responsabilizado subsidiariamente quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou representante legal, não proceder à indisponibilidade de conteúdo que envolva cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, ou seja, que fora divulgado sem autorização de seus participantes. Logo, não haveria necessidade de ordem judicial nestes casos para que o conteúdo fosse excluído, sendo uma exceção à reserva de jurisdição.
Chamado para dirimir a discussão acerca da aplicabilidade do referido artigo 21 à hipótese de veiculação de fotografias de nudez, mesmo sem autorização da participante, mas que teve fins comerciais, o tribunal entendeu que a exceção à reserva de jurisdição não se aplica nestes casos, pois tal exceção é aplicável apenas nos casos em que o conteúdo for de caráter privado. Assim, a imposição de retirada de conteúdo pelo provedor, e em caso de inércia sua responsabilização subsidiária, apenas terá lugar quando o material de conteúdo sexual divulgado apresentar natureza privada. Vejamos o trecho do julgado.
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 150px;">3. As imagens íntimas produzidas e cedidas com fins comerciais - a esvaziar por completo sua natureza privada e reservada - não se amoldam ao espectro normativo (e protetivo) do art. 21 do Marco Civil da Internet, que excepciona a regra de reserva da jurisdição.</blockquote>
Portanto, vê-se o endurecimento nas questões que envolvem os direitos autorais na Europa, especialmente na imputação de responsabilidade às plataformas digitais. Devemos ficar de olho, pois tais entendimentos podem influenciar futuros projetos de lei no Brasil, bem como influir na interpretação da legislação pátria quando de novos julgados.
<h3>Relação entre os prestadores de serviço e a plataforma</h3>
Este também é um tema que envolve discussão. Há empresas que apenas oferecem a plataforma para que vendedor e consumidor negociem a prestação do serviço com pouca ou quase nenhuma participação sua, assim não existe vínculo empregatício com os vendedores e prestadores de serviços que utilizam a respectiva plataforma.
Apesar disto, constantemente ações que requerem o reconhecimento de vínculo trabalhista entre a empresa dona da plataforma e a pessoa que presta serviços por meio desta chegam aos tribunais brasileiros.
A princípio, não havia o reconhecimento da relação trabalhista empregatícia entre empresa e prestador de serviços, pois alguns dos requisitos que sustentam o vínculo, como pessoalidade e subordinação, não estavam configurados na relação.
Todavia, recentemente a 3ª Turma do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tst">Tribunal Superior do Trabalho</a> (TST) <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/3a-turma-do-tst-reconhece-vinculo-empregaticio-entre-motorista-e-uber-08042022">reconheceu</a> o vínculo empregatício entre um motorista e um aplicativo de viagens.
Será preciso considerar, no caso, que o aplicativo somente disponibiliza a plataforma, não há presença da pessoalidade na atividade e, ainda menos, da subordinação.
De todo modo, é necessário ficar atento aos julgados que envolvem tal discussão, pois é perfeitamente possível uma mudança de entendimento a partir das peculiaridades do caso concreto.
<h3>Dados pessoais inseridos e expostos nas plataformas</h3>
Outra questão relevante a ser destacada é a possibilidade de responsabilização pelo vazamento de dados nas plataformas, especialmente com o surgimento da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">Lei Geral de Proteção de Dados</a> (LGPD) no Brasil, que impôs um maior cuidado quando do tratamento de dados pessoais.
Apesar do pouco tempo de vigência, já há um número considerável de ações envolvendo a proteção de dados pessoais. Estas ações envolvem sanções administrativas, bem como indenizações por eventual dano sofrido. Não obstante, o que tem se visto é que grande parte das ações são julgadas improcedentes, o que mostra o cuidado das empresas e demais agentes no tratamento dos dados pessoais, bem como dos <a href="https://www.jota.info/justica/lgpd-condenacao-77-das-decisoes-nao-27012022">tribunais brasileiros ao analisarem o caso</a>.
Já a web 3.0 vem reinventando a internet, estabelecendo novas formas de interações sociais e negociais nunca vistas e que se transformam a cada dia. Ela é marcada por dar <a href="https://exame.com/future-of-money/web-3-0-a-internet-esta-sendo-reinventada-nesse-exato-momento/">maior poder aos usuários</a> em relação as demais, especialmente no que tange a bens digitais, associado às criptomoedas, carteira de ativos digitais, NFTs, registros de identidade, anúncios e outras formas de relacionamento no metaverso, tudo isso registrado na blockchain, que <a href="https://canaltech.com.br/internet/o-que-e-a-web-30-208852/">será fundamental na web do futuro</a>.
Uma de suas grandes características é a <a href="https://portaldobitcoin.uol.com.br/o-que-e-a-web-3-a-internet-descentralizada-do-futuro/">descentralização</a>, pois os usuários não ficam presos às tecnologias das empresas, devido ao fato de que ela não é controlada por uma única entidade. Portanto, não há uma pessoa jurídica central que controla o fluxo, pois as redes são abertas.
Ainda é precoce falar de efetivas implicações destas inovações tecnológicas no direito, pois é uma rede que se renova e se descobre a cada dia. Todavia, não é precipitado dizer que as instituições jurídicas precisam acompanhar as inovações e seus impactos na sociedade, tendo em vista que o direito deve refletir os anseios e necessidades sociais, para que possa dar uma resposta efetiva.
Nesta senda, destaca-se a <a href="https://mybroadband.co.za/news/cryptocurrency/438230-bored-ape-yacht-club-nft-artists-suing-each-other.html">discussão em curso nas cortes de Los Angeles</a>, na qual os criadores de um subproduto da NFT Bored Ape Yatch Club (BAYC) travam uma batalha judicial por direitos autorais e divisão da receita obtida. O subproduto, uma coleção chamada Caked Apes, foi um grande sucesso de vendas. Agora, seus criadores deram início a um dos primeiros casos que tratam da licença do Bored Ape, como afirmou um dos advogados do caso.
Logo, vê-se que as discussões que envolvem a web 3.0 já estão surgindo e necessitando de intervenção judicial pelo mundo. Por conseguinte, é provável que o Judiciário brasileiro seja movido para dirimir questões como estas, sendo, portanto, imprescindível que a geração de advogados esteja atenta a soluções jurídicas inovadoras que atendam a nova realidade exponencial.<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>

blockchain

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

É imprescindível a atenção a soluções jurídicas inovadoras que atendam à nova realidade

Tech litigation: Como o Judiciário vai compreender a web 2.0 e 3.0?

Tech litigation: É imprescindível a atenção do Judiciário a soluções jurídicas inovadoras que atendam à nova realidade exponencial