Opinião e Análise

Luiza Leite

Vitória Dantas

Para quem achou que 2020 não traria com ele a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), foi surpreendido com as mudanças, desafios e engajamento que vieram junto com a implementação da lei no país.
Sem a devida instituição da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), já que, até então, não havia tido a indicação de seus membros diretores e a edição de um decreto federal para sua estruturação regimental e administrativa, o ano começou com um clima de hesitação em relação à vigência da LGPD. Com a data de entrada em vigor da lei prevista para agosto de 2020, o cenário era de incertezas e insegurança jurídica, visto que parte das normas da LGPD não teriam eficácia plena enquanto pendentes de regulamentação.
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O quadro já não era favorável para controladores e operadores de dados que estavam se adequando a lei, sem ter parâmetros regulatórios brasileiros para isso. Mas como não tem nada ruim que não possa piorar, no segundo mês do ano, deu-se início à pandemia da Covid-19 e à quarentena. O comércio parou, as empresas demitiram em massa, todos ficaram reclusos em suas casas e, obviamente, a adequação com a LGPD deixou de ser prioridade.
Com o alto custo de conformidade (no Brasil, estimado entre R$ 50 mil a R$ 800 mil reais)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, as empresas passaram a clamar por uma nova postergação na vacatio legis da lei. Dessa forma, em abril, o senador Antonio Anastasia propôs o Projeto de Lei 1179/2020, sugerindo a postergação, em 42 meses, da entrada em vigor da LGPD, para 16 de fevereiro de 2022. Entre conturbadas discussões, passagens no Senado e na Câmara dos Deputados, o referido PL foi finalmente sancionado e convertido na Lei 14.010/2020. Assim, foi postergando a entrada em vigor, para agosto de 2021, apenas dos dispositivos da LGPD referentes às sanções administrativas, os demais mantiveram-se para agosto de 2020.
Nesse meio tempo, o executivo se fez presente e editou a MP 959/2020, na qual previa-se a entrada em vigor da LGPD para maio de 2021, em razão do momento de instabilidade econômica, decorrente da pandemia da Covid-19. A MP foi aprovada no Congresso, propondo adiar a vigência da lei para 31 de dezembro de 2020. Mas, ao chegar para votação no Senado, o artigo 4º da MP, que falava sobre tal vacatio legis, foi considerado prejudicado, dado que esta matéria não poderia ser apreciada duas vezes pela presente casa. Nesse sentido, a LGPD passaria a ter validade em agosto de 2020.
Contudo, cabe aqui salientar que devido ao processo legislativo, a MP continuou com efeitos até que se tivesse a sanção ou veto do Presidente da República. Desta forma, a LGPD  só entrou, de fato, em vigor em 18 de setembro de 2020, após o presidente Jair Bolsonaro sancionar o Projeto de Lei de Conversão (PLV) 34/2020, originado da MP 959/2020.
<blockquote class="jota-article__eye">Superado este capítulo e com a LGPD em vigor, 65% das empresas brasileiras ainda não tinham começado o seu processo de conformidade e 24% ainda estavam caminhando para isso<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.</blockquote>
Fato este que foi um prato cheio para os órgãos fiscalizadores e titulares de dados, deu-se início, então, aos processos de sanções e autuações pelo não cumprimento da LGPD.
Como em terra de cego quem tem olho é rei, sem a ANPD constituída ainda, o Ministério Público e os órgãos dos consumidores logo passaram a fiscalizar a adequação com a Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil. Assim sendo, em 22 de setembro, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) ajuizou a primeira ação civil pública com base na LGPD. De acordo com a ação, a empresa processada comercializava informações pessoais como nomes, e-mails, endereços postais ou contatos para SMS, bairro, Cidade, Estado e CEP’s das vítimas por meio de site na internet. No entanto, a ação foi julgada sem resolução de mérito. Pois, de acordo com o magistrado, a ação não merecia prosperar, dado que depois de navegar na Internet à procura do site processado, ele constatou que o domínio saiu do ar.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Nesta mesma época, o engajamento dos titulares de dados começou a aumentar e diversas reclamações foram abertas contra instituições que não estariam disponibilizando os meios e/ou respostas ao exercício dos direitos dos titulares. Sem a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), esses acabaram endereçando tais reclamações à plataforma <a href="about:blank">www.reclameaqui.com</a>  ou a canais de ouvidoria.
Houve aqueles, também, que buscaram a responsabilização civil das empresas que estariam descumprindo seus direitos. Assim, a primeira decisão, em que a LGPD foi aplicada, condenou uma construtora a indenizar em R$ 10 mil o cliente que teve informações pessoais enviadas, sem autorização, a outras empresas<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Da mesma forma, ocorreu o caso em que o juiz deferiu a tutela de urgência, determinando que um e-commerce, se abstivesse de disponibilizar dados dos indivíduos, seja de forma gratuita ou onerosa, sob pena de multa de 2 mil reais a cada descumprimento<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>. Estabelecendo, desse modo, os primeiros precedentes sobre o tema no país.
Caminhando para o final do ano e com tantas mudanças e desafios, o setor público começou a se movimentar e vimos os órgãos indicando seus encarregados de dados e estabelecendo os parâmetros de adesão à LGPD, à exemplo do  CNJ, que aprovou a resolução que padroniza a adequação dos tribunais a lei<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Além disso, fin] 
almente tivemos a instituição da ANPD, por meio da nomeação do Diretor-Presidente, Waldemar Gonçalves Ortunho Junior .
E para marcar 2020 como o ano da privacidade, não poderíamos deixar de mencionar o reconhecimento pelo STF da proteção de dados como direito fundamental. Tal reconhecimento foi dado através do julgamento da ADI 6.387. A decisão acentuou o direito à autodeterminação informativa, sendo um marco na temática protecionista de dados, pois alcança todos os dados pessoais, inexistindo, portanto, dados neutros ou insignificantes passíveis de compartilhamento irrestrito ou de tratamento inexplícito e ilimitado.<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>
Em um ano em que a digitalização ganhou mais força do que nunca, o foco na proteção de dados pessoais não poderia ter sido diferente. Embora o ano tenha começado regado de incertezas, muito foi construído e estabelecido ao longo desses doze meses. Agora nos resta aguardar pela finalização da estruturação da ANPD e o início de seus trabalhos, para que as lacunas ainda existentes na LGPD sejam preenchidas.
Se 2020 foi o ano da LGPD, 2021 será o ano da ANPD. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: <a href="about:blank">https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2020/08/21/custo-da-conformidade-pode-variar-de-r-50-mil-a-r-800-mil.ghtml</a>. Acesso em 18/12/2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: <a href="about:blank">https://www.vsm.adv.br/lgpd-quase-65-das-empresas-ainda-nao-se-adequaram/</a>. Acesso em: 18/12/2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: <a href="about:blank">https://www.mobiletime.com.br/noticias/23/09/2020/juiz-encerra-acao-publica-com-base-na-lgpd/</a>. Acesso em: 18/12/2020.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: <a href="about:blank">https://www.conjur.com.br/2020-set-30/compartilhar-dados-consumidor-terceiros-gera-indenizacao</a> . Acesso em: 18/12/2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Disponível em: <a href="about:blank">https://legalcloud.com.br/decisoes-judiciais-lgpd-tribunais/</a>. Acesso em: 18/12/2020.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Disponível em: <a href="about:blank">https://www.conjur.com.br/2020-dez-16/cnj-aprova-resolucao-padroniza-adequacao-tribunais-lgpd</a> . Acesso em: 18/12/2020.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Disponível em: <a href="about:blank">https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/opiniao/2020/09/755576-direito-fundamental-a-protecao-de-dados.html</a> . Acesso em 18/12/2020.

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JOTA

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Retrospectiva 2020: o ano da LGPD

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