Regulação e novas tecnologias

Mudanças climáticas, transição energética e a corrida pelo lítio

É preciso que se alcance um equilíbrio entre a sustentabilidade e a exploração do recurso em escalas maiores

lítio
Crédito: Unsplash

É complexa a relação entre o setor energético e a mudança climática global. A relação mais evidente está vinculada à grande utilização dos combustíveis fósseis na matriz energética global, os quais representam aproximadamente 75% das emissões globais de Gases de Efeito Estufa, acima daquelas emitidas pela agricultura e mudanças no uso da terra, enquanto no Brasil essa fatia é de aproximadamente 33%.

Por outro lado, os efeitos das mudanças climáticas afetam e afetarão diretamente o fornecimento de serviços de energia, seja com alterações na disponibilidade e confiabilidade das fontes energéticas (água/chuva das hidrelétricas, vento das eólicas e irradiação solar para painéis solares), tanto para a infraestrutura e instalações de exploração, extração e conversão energética, podendo-se pensar, em caso extremo, em um cenário apocalíptico caso isso venha realmente a ocorrer, justamente em razão da sociedade moderna possuir todas as suas atividades e tecnologias baseadas em fonte energéticas.

De toda sorte, a matriz energética brasileira, lastreada majoritariamente em fontes renováveis e limpas, impõe ao Brasil um papel estratégico mundial, colocando-o, de um lado, como protagonista na transição energética, tema debatido nas negociações internacionais sobre clima e, do outro, bastante vulnerável aos impactos dos eventos extremos climáticos e, nesta condição, com necessidade de adaptação veloz e resiliente.

É indispensável o reconhecimento de todas as nações destes efeitos negativos e do iminente aumento da temperatura média global, celebrando acordos multinacionais e laterais que viabilizem e assegurem uma transição energética justa e equilibrada, passando diretamente pela descarbonização e consequente diminuição da emissão de gases causadores de efeito estufa.

Nesse cenário, o lítio vem se tornando cada vez mais estratégico e ganhando concorrência para a sua extração e utilização, como extrema alteração paradigmática.

Durante a crise do petróleo da década de 1970, o britânico Stanley Whittingham iniciou estudos visando ao desenvolvimento de fontes de energia sem a utilização de combustíveis fósseis[1], cujo resultado foi o desenvolvimento das primeiras baterias recarregáveis utilizando os íons do lítio. As pesquisas de Whittingham foram aprimoradas pelo americano John B. Goodenough e o japonês Akira Yoshino, este último responsável pela criação da primeira bateria de lítio viável do ponto de vista comercial, que poderia servir como futuro substituto energético do petróleo em automóveis.

Assim, se antes a demanda de lítio se concentrava em alguns produtos industriais e em baterias para certos equipamentos eletroeletrônicos, atualmente, a produção de baterias que alimentam motores elétricos, em substituição aos motores de combustão interna, bem como a perspectiva da utilização para acumulação de energia de outras fontes de energia renováveis altera significativamente a demanda pelo mineral. Tanto é assim que os Estados Unidos e a União Europeia colocam o lítio em sua lista de “Critical Raw Materials” para transição energética.

De acordo com estudo da Agência Internacional de Energia (IEA)[2], prevê-se um aumento na demanda do lítio em até 40 vezes até 2040. Os países que possuem reservas do mineral já iniciaram uma verdadeira “corrida do lítio”, com o objetivo de impulsionar suas economias por meio do incentivo à entrada de investimentos externos para a exploração do recurso. Embora na América do Sul as maiores reserva minerais de lítio conhecidas se concentrem no Chile, Bolívia e Argentina, tendo a Austrália[3] como grande protagonista global de fornecimento do mineral, o Brasil, ao deter boas reservas do minério, já inicia a sua atuação para garantir a entrada de capital estrangeiro.

Nesse sentido, entre as medidas em andamento, no último dia 8 de maio, o governo brasileiro anunciou, na Nasdaq, o lançamento do projeto “Vale do Lítio”, em parceria com o Governo de Minas Gerais, onde se localiza o Vale do Lítio e é possível encontrar um minério, ao contrário da maioria dos outros países, “de alta pureza, facilitando seu uso na fabricação de baterias mais potentes”, além de outras características que também garantem maior atratividade para o minério encontrado em território brasileiro[4].

Essa corrida pelo lítio tem sido potencializada por grandes montadoras de veículos do mundo que estudam a viabilidade de projetos para investimentos diretos na própria mineração, como é o caso da General Motors e da Tesla, empresa precursora na fabricação de veículos elétricos.

Não por outras razões, em julho de 2022 o governo brasileiro editou o Decreto 11.120/2022[5], com o objetivo de favorecer e facilitar as operações de comércio exterior envolvendo o lítio. A partir da nova regulamentação, as exportações e importações de lítio não mais estão sujeitas a “critérios, restrições, limites ou condicionantes de qualquer natureza, exceto aqueles previstos em lei ou em atos editados pela Câmara de Comércio Exterior – Camex”, entregando maior dinamismo e abertura ao setor.

A importância da transição energética e da utilização no lítio nesse contexto são inegáveis, contudo, também é inegável que a exploração mineral é uma atividade que traz impactos ambientais consideráveis. Nesse sentido, para que não se resolva um problema por meio da criação de outro, o aumento da exploração de lítio, visando ao atendimento da demanda em crescimento, exigirá constante cuidado e inovação (como o avanço nos métodos de reciclagem de baterias, tema já bastante indicado como um importante fator de sustentabilidade[6]), para que o extrativismo mineral acelerado não tenha consequências severas no futuro.

Percebe-se, portanto, que o lítio vem ganhando grande relevância na sociedade atual, principalmente como fonte das baterias necessárias à transição energética, o que levou os cientistas Stanley Whittingham, Akira Yoshino e John Goodenough a ganharem o Prêmio Nobel de Química em 2019, sendo imperativo, portanto, que se alcance um ponto de equilíbrio entre a sustentabilidade e a exploração do recurso em escalas cada vez maiores.


[1] https://cfq.org.br/noticia/premio-nobel-de-quimica-vai-para-cientistas-que-criaram-a-bateria-de-ion-de-litio/

[2] https://www.iea.org/reports/the-role-of-critical-minerals-in-clean-energy-transitions/executive-summary

[3] Study on the Critical Raw Materials for the EU 2023 – Final Report https://ec.europa.eu/docsroom/documents/54114/attachments/1/translations/en/renditions/native

[4] https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/mme-atua-para-garantir-ao-brasil-novos-investimentos-internacionais-com-o-litio-no-vale-do-jequitinhonha-mg

[5] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.120-de-5-de-julho-de-2022-413346932

[6] Lithium in the Green Energy Transition: The Quest for Both Sustainability and Security­ – artigo disponível em: https://www.mdpi.com/2071-1050/13/20/11274/htmlogo-jota

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