Opinião e Análise

Fernanda Telha

Luis Eduardo de Souza Leite Trancoso Daher

A interlocução entre política e tecnologia vem tomando contornos cada vez mais acentuados. Fenômenos como campanhas computacionais, bots sociais, filtros-bolha, fake news, entre tantos outros, estão cada vez mais presentes no ambiente eleitoral. Além disso, a interação online e o acompanhamento político pelas redes sociais tornou efervescente uma tendência de campanhas e discussão política ininterruptas.
Há um novo modo de se fazer política que, necessariamente, passa pela imersão nas redes sociais digitais e pela retenção da atenção de um público específico. Neste novo molde baseado na “economia da atenção”, trazida por Herbert Simon, observa-se uma crescente imersão de praticamente todas as áreas da vida no meio digital, inclusive as dinâmicas do campo político. O espaço público migra aos poucos para as mídias sociais, imbricando-se em aspectos privados da vida.
Frente a esta digitalização, desde as últimas eleições é perceptível, de maneira global, o uso das redes como extensão do espaço físico de campanha. Os indivíduos amplificam suas opiniões, suas crenças, pensamentos e escolhas por meio das ferramentas virtuais, que funcionam como uma camada subsidiária de existência.
No campo da política, a tendência de polarização que existe fora das redes, vem ganhando força<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> dentro do espaço virtual. Novos movimentos sociais tomam forma e se desenvolvem de maneira particular, sugestionados pelo contexto digital, capaz de impulsionar tendências com velocidade e capilaridade. Neste novo fluxo, há um efeito: a sociedade brasileira torna-se fragmentada, apartada em dois núcleos políticos distintos, a saber, direita e esquerda.
A personalização de conteúdo com a formação de filtros-bolha nas redes sociais é um dos elementos que mais contribuem para a polarização e o extremismo dos discursos políticos no processo democrático. O mecanismo de filtragem de informações que mantém a lógica econômica baseada em ad’s das plataformas em movimento se beneficia, e muito, desta polarização.
As redes sociais, portanto, reverberam e reforçam a discussão de pontos de vista semelhantes e mantém o usuário mais tempo conectado. Dessa forma, há um reforço na probabilidade de que diversos usuários tenham acesso a conteúdos totalmente personalizados para as suas opiniões, seu modo de pensar, suas preferências, de modo que deixem de dialogar com o diverso. Como indica Eli Pariser (2012, p.11), “são mecanismos de previsão que criam e refinam constantemente uma teoria sobre quem somos e sobre o que vamos fazer ou desejar a seguir. Juntos, esses mecanismos criam um universo de informações exclusivo para cada um de nós – (...) bolha dos filtros – que altera fundamentalmente o modo como nos deparamos com ideias e informações”.
A consequência direta é que os usuários se tornam alvos de uma percepção distorcida da realidade: uma percepção embasada em apenas “um lado da moeda”, relacionada a uma única maneira de interagir e pensar o mundo. Ainda em sintonia com Pariser (2012), “a nova geração de filtros on-line examina aquilo de que aparentemente gostamos – as coisas que fazemos, ou as coisas das quais as pessoas parecidas conosco gostam – e tenta fazer extrapolações”. Este é um mecanismo capaz de provocar certa rigidez reflexiva.
Essa capacidade e propensão da internet de nos incluir em bolhas-filtro, que nos segmentam e agrupam em ambientes que majoritariamente circulam opiniões similares às nossas, cria uma falsa noção de aderência e pode ser muito prejudicial para o ambiente democrático, criando verdadeiras câmaras de eco. De acordo com Cass R. Sunstein, a construção dessas câmaras de eco e de casulos de informação é um problema real para a democracia, instigando enganos e extremismos (SUNSTEIN, 2006, p.191).
Ainda, os ad’s e a forma de monetização das plataformas necessitam que o conteúdo seja disseminado para a maior quantidade possível de pessoas como modelo de mercado e a polarização amparada pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/discurso-de-odio">discurso de ódio</a> alimenta esse mecanismo, fazendo com que a temática política tenha repercussões intensas e mereça a atenção dos provedores de aplicação que gerenciam essas redes.
Desta forma, é comum que certos grupos políticos encontrem dificuldades e esbarrem nos termos de uso, políticas e regras de conduta de redes sociais e plataformas mais tradicionais, sendo muitas vezes fomentados boicotes à essas redes e espaços públicos digitais mais regulados, no sentido de migrar para um ambiente em que possam amplificar discursos, que muitas vezes ofendem direitos e garantias fundamentais, sem a barreira da moderação de conteúdo.
Neste sentido ocorreram movimentos estratégicos de grupos ligados à direita com relação à plataforma Telegram. Um dos principais motivos relatados para a transferência de usuários do WhatsApp para a rede social russa tem ligação com a alteração da política de privacidade do mensageiro que agora pertence e compartilha informações com o grupo do Facebook. Além disso, houve também boicotes às redes sociais que proibiram publicações do ex-presidente dos EUA Donald Trump, apoiado por boa parte dos integrantes da direita <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Essas ações ocorreram em diversos momentos e repercutiram no Brasil. Aplicativos como o Gab, o Parler e mais recentemente o Gettr se transformaram em um verdadeiro reduto de militantes extremistas de direita. O que se percebe é uma utilização ostensiva das redes como mecanismo de campanha. A partir das limitações impostas, há sempre uma migração para um ambiente ainda não regulado, o que torna o desafio de contenção de crimes cibernéticos muito mais difícil.
Outra causa para essa transição entre redes pode estar relacionada com a limitação do encaminhamento de mensagens para até cinco usuários. A medida adotada pelo WhatsApp tem o intuito de evitar a difusão de desinformação e fake news em seu ecossistema. Esta medida trouxe bastante descontentamento ao eleitorado ligado ao presidente da República, que tinha a plataforma como principal meio de comunicação.
Esta migração, ao que tudo indica, caminha sempre para novos espaços, em especial, aqueles menos regulados. A provocação que trazemos, portanto, diante dessa “nova maneira de fazer campanha”, é de que o metaverso, como espaço novo, possa trazer perspectivas animadoras para grupos que busquem solidificar suas bases em um espaço livre de controle. Mencione-se que já houve indicação da presença política dentro dele.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
O metaverso, de maneira resumida, é um ambiente virtual possibilitado pela Web 3.0<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, em que são criados verdadeiros espaços coletivos tridimensionais, na tentativa de replicar o mundo real. Constitui-se como convergência do mundo físico com o mundo virtual, que recebe a imitação de vários comportamentos da vida física. Não à toa diversas marcas têm investido e explorado as possibilidades de estarem inseridas nele.
Contudo, em decorrência da novidade deste mundo ainda pouco explorado e, portanto, não regulado, o metaverso poderia constituir-se como um território perfeito de fuga e assembleia de apoiadores extremos, e, portanto, à luz das experiências em outras redes sociais deve receber moderação. Assim como já foram identificados comportamentos violentos<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, o comportamento político deve, também, receber atenção.
Por tratar-se de um espaço aberto ao ineditismo, ainda não há como prever os efeitos decorrentes de ações políticas executadas dentro do metaverso. Mas já é sabido que as interações, mesmo que virtuais, por acontecerem em um ambiente imersivo, provocam emoções e respostas psicológicas reais. Isto torna as questões de governança deste espaço tão desafiadoras quanto no mundo externo às redes, e ensejam a necessidade de cuidado. Por isso, é essencial lembrar das experiências pretéritas que usaram o espaço virtual como ferramenta de desinformação durante eleições (como no caso conhecido da disseminação de fake news, que se inserem nas reflexões do conceito de pós-verdade). É importante recordar para impedir que ocorra algo semelhante — ou até mesmo pior.
Diante do potencial uso inadequado e enviesado da tecnologia por extremistas políticos, preocupa que ações (a exemplo de discursos de ódio, racismo, antissemitismo), iniciadas neste campo livre de moderação, incentivem e encorajem ações no mundo real, atravessando a vida em sociedade com comportamentos políticos anti-democráticos. Portanto, cabe um olhar mais atento das autoridades na direção deste “modus operandi”, em antecipação e contenção de atitudes políticas radicais dentro do metaverso.
<hr />
PARISER, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2012.
SIMON, Herbert. Designing organizations for an information-rich world, in Martin GREENBERGER (Org.). Computers, Communication, and the Public Interest. Baltimore: Johns Hopkins Press, Baltimore, 1971.
SUNSTEIN, Cass. Infotopia: How Many Minds Produce Knowledge. Oxford University Press, 2006.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Ver mais em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2018/08/graficos-mostram-polarizacao-politica-nas-redes-sociais-no-brasil.html
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Para ver mais: https://veja.abril.com.br/brasil/o-que-levou-bolsonaro-e-seus-filhos-a-migrarem-para-o-telegram/
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/08/05/bolsonaro-estreia-no-metaverso-em-reuniao-com-auxiliares-impressionados.htm">Bolsonaro faz reunião no metaverso com auxiliares; assista (uol.com.br)</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Nova versão aberta e descentralizada da internet.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> <a href="https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/02/08/apos-denuncia-de-assedio-sexual-no-metaverso-facebook-cria-ferramenta-para-garantir-distanciamento-entre-avatares.ghtml">Após denúncia de assédio sexual no metaverso, Facebook cria ferramenta para garantir distanciamento entre avatares | Tecnologia | G1 (globo.com)</a>

metaverso

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JOTA

Reflexões sobre contenção de extremismos

Metaverso como espaço político?

Diante do uso inadequado por extremistas políticos, preocupa que ações iniciadas em um campo como o metaverso encorajem ações no mundo real