Opinião e Análise

Bruno Feigelson

Denis Marques

Mayara Souza Pereira

Alana Santos Ferreira

Filipe de Abreu Amaral Salgado

Com o exponencial avanço do comércio eletrônico no Brasil, com faturamento estimado em mais de R$ 170 bilhões no ano de 2022<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, cada vez mais pessoas utilizam plataformas digitais e as suas diversas modalidades de serviços para realizarem as suas compras.
Uma dessas modalidades, o marketplace, vem conquistando cada vez mais espaço na preferência dos usuários de internet, diante da facilidade na realização de suas compras. Por outro lado, também há uma crescente onda de tentativas de fraudes por meio dessas negociações digitais.
É comum conhecermos alguém que já foi vítima desses golpistas em compras online. As tentativas são das mais diversas: produtos falsificados sendo vendido como originais; links de origem desconhecida direcionando para promoções muito vantajosas; o pagamento de boletos fraudulentos ou pedidos de transferência bancária fora da plataforma para a obtenção de descontos; até os casos tragicômicos do recebimento de pedras no lugar dos itens realmente adquiridos pelo consumidor<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Isso, é claro, reflete na própria judicialização de demandas e definições acerca da responsabilidade das empresas em eventuais casos que envolvam um meio fraudulento para enganar o usuário. Segundo o “Mapa da Fraude” divulgado pela CleraSale (empresa que oferece soluções antifraude) em 2021, as tentativas de fraude aumentaram 74% em relação ao último ano, estimando-se que o valor dessas investidas chegou a R$ 5,8 bilhões<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Em recentíssima decisão, proferida em 21 de junho de 2022, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça (STJ)</a>, nos autos do REsp 1.836.349/SP, debruçou-se em um caso que envolvia a tentativa de responsabilização de um dos maiores marketplace C2C (consumer to consumer) do país, a OLX, no qual o usuário comprador ingressou com ação judicial para ser ressarcido após ter sido vítima de fraude cometida por um suposto fornecedor em uma negociação.
No caso concreto, o usuário comprador havia se interessado por um carro anunciado supostamente por uma concessionária, tendo efetuado o depósito de R$ 11,400 mil diretamente na conta de terceiros, indicados pelos supostos vendedores. Entretanto, ao comparecer à concessionária para a retirada do veículo, descobriu a fraude sofrida.
Em primeiro grau, houve sentença de parcial procedência, condenando a OLX solidariamente ao pagamento dos danos materiais sofridos.
No entanto, após recurso da empresa, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjsp">Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)</a> 
reformou a sentença para afastar a condenação da OLX, mantendo-a apenas em face dos responsáveis pela publicação do anúncio.
Contra a decisão acima, os usuários levaram o caso ao STJ, argumentando que a OLX fez parte da cadeia de consumo e, portanto, também deveria ser responsabilizada.
Apesar desta argumentação, a 3ª Turma do STJ negou provimento ao recurso especial, pois, segundo destacou o ministro relator do caso, Marco Aurélio Bellize, “embora a plataforma possa figurar como intermediária nos negócios firmados em sua página eletrônica, nesse caso atuou somente como mero site de classificados, com o fim de disponibilizar aos consumidores uma ferramenta para pesquisa de produtos e serviços de diversos fornecedores”.
Nesse trecho, o ministro Bellize analisou a atuação da OLX no mercado para enquadrá-la como um mero site de classificados, uma vez que a empresa agiu estritamente como uma aproximadora das partes, apresentando o anúncio ao consumidor, motivo pelo qual não se enquadraria na espécie de fornecedor definida pelo art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Esse ponto merece destaque, porque demonstra a sensibilidade ao modelo de negócio oferecido ao mercado pela empresa. Embora um olhar desatento possa induzir à generalização, o fato demonstrou que a atuação da empresa se bastou à condição de aproximadora, foi decisiva para afastar qualquer ingerência sobre a compra e venda realizada.
A decisão do STJ também demonstra que — cada vez mais — o Judiciário está atento aos novos modelos de negócios, à tecnologia e à web 3.0, o que por si só é um ganho ao empreendedorismo e à inovação.
A consideração vai na contramão da inevitabilidade de se considerar o viés generalista da Justiça brasileira: segundo os números divulgados pelo CNJ<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, até março de 2022 havia 80.129.206 processos judiciais em tramitação no Brasil. É natural que, nesse cenário, a jurisprudência estabeleça diretrizes para solucionar casos repetitivos e, por vezes, não separe o joio do trigo.
Bem por isso, parece equivocado que um marketplace como a OLX, que tem um modelo de negócio majoritariamente C2C, ou seja, fornece uma plataforma que liga diretamente as duas pontas da cadeia — vendedor e comprador — sem qualquer envolvimento na negociação ou no fornecimento do produto, seja enquadrado no mesmo regime de responsabilidade civil de outros sites e aplicativos do e-commerce que vendem produtos de terceiros em nome próprio, emprestando a sua reputação ao vendedor e participando ativamente da cadeia de fornecimento.
Nessa linha, o ministro relator ainda pontuou sobre a culpa exclusiva do consumidor (art. 14, § 3°, do CDC) ao transferir quantias para pessoa física sem diligenciar minimamente com a cautela necessária sobre a procedência das informações e ainda complementou:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">Admitir a responsabilidade da recorrida apenas por disponibilizar em sua plataforma online anúncios de diversos fornecedores, sem qualquer intermediação dos negócios jurídicos entabulados entre os usuários, seria o mesmo que permitir que uma empresa responsável pela publicação de jornal impresso fosse responsabilizada por eventual defeito na venda de produto anunciado na parte dos “classificados”, o que não se admite.</blockquote>
Em outras palavras, pode se fazer um paralelo em relação a OLX e os já não tão usuais classificados impressos, de modo que condenar o marketplace em situações como essa, seria o mesmo que permitir que uma empresa responsável pela publicação de jornal impresso fosse responsabilizada por eventual defeito na venda de produto anunciado na parte dos classificados.
Ainda, há de se considerar que o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marco-civil-internet">Marco Civil da Internet</a> (Lei 12.965/2014), em seus artigos 18 e 19, dispõe que, em regra, o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, podendo ser responsabilizado apenas se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para tornar indisponível o conteúdo infringente.
Esse entendimento também foi referendado pela 3ª e 4ª Turmas do STJ, nos julgamentos do Resp 1.698.647/SP, de relatoria da ministra Nancy Andrighi e do AgInt nos Edcl no REsp 1402112/SE, relatado pelo ministro Lázaro Guimarães, configurando uma das principais linhas de defesa de outras plataformas em casos de anúncios fraudulentos, a exemplo do Mercado Livre, que até maio de 2022 removeu 6 milhões de anúncios irregulares<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, o que representa aproximadamente 1% dos mais de 585 milhões de anúncios publicados na América Latina durante o período.
Inclusive, mesmo na hipótese que o marketplace aufira lucros com anúncios, o fato por si só não altera o posicionamento de que somente haverá a responsabilidade após a notificação judicial.
Rui Stocco bem observa que quando o provedor de Internet age “como mero fornecedor de meios físicos, que serve apenas de intermediário, repassando mensagens e imagens transmitidas por outras pessoas e, portanto, não as produziu nem sobre elas exerceu fiscalização ou juízo de valor, não pode ser responsabilizado por eventuais excessos”.
Portanto, a partir deste julgado do STJ, a possibilidade de enquadramento de uma responsabilidade objetiva (art. 14, do CDC) do marketplace somente viria com uma análise casuística da modalidade de atuação da plataforma, pois, somente a partir dela que se conseguiria aferir a presença de responsabilidade.
Caso o marketplace intermedeie a negociação, o que não foi o caso da OLX, a sua responsabilização poderá ser objetiva, cabendo, no entanto, ao marketplace arguir eventual excludente de responsabilidade (art. 14, § 3°, II, do CDC), como a culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro.
Importante lembrar que, embora possa se utilizar de um marketplace e este seja definido como intermediador, caso as negociações ocorram fora das funcionalidades disponibilizadas por estas plataformas, se configuraria uma culpa exclusiva da vítima e a consequente excludente de responsabilidade do marketplace.
Lado outro, se a plataforma agiu como mero aproximador do anúncio ao usuário interessado, ainda que receba pela sua veiculação, a empresa não pode ser responsabilizada, pois não se enquadra na definição insculpida de fornecedor pelo código consumerista.
Em todos os casos, é importante observar e seguir as regras de utilização disponibilizadas em cada uma das plataformas. A OLX, por exemplo, oferece em todos os seus anúncios dicas de segurança, como: “Não faça pagamentos antes de verificar se o veículo existe”, “antes de fechar negócio, sempre busque pelo histórico do veículo”, “fique atento a preços abaixo do mercado e a excessos de facilidades”, dicas estas que, caso fossem observadas, certamente teriam evitado o caso em pauta.
Isso posto, vê-se que o entendimento jurisprudencial em casos de fraude relacionados aos marketplaces caminha no sentido de ausência de responsabilidade da empresa, uma vez verificada a atuação restrita da plataforma como aproximadora entre comprador e vendedor.
A importância desse tipo de decisão é não limitar o potencial criativo das empresas anulando o seu diferencial de mercado: afinal, novos negócios surgem para solucionar “dores” do mercado, o que significa suprir uma lacuna entre os serviços disponíveis e as demandas dos consumidores, de maneira que enquadrá-los nas categorias já existentes seria um desestímulo à inovação.
É inviável brigar contra o tempo: assim como os protestos dos sindicatos dos vendedores de velas e lampiões sucumbiu perante a eletrificação dos objetos, o Poder Judiciário precisa estar munido das melhores práticas organizacionais disponíveis, abandonando algumas características arcaicas como a descentralização dos sistemas e a falta de automação de atividades não intelectuais.
Parafraseando a palestra proferida pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Fábio Porto, no último Lawtech Innovation Day — maior evento de inovação e tecnologia do mercado jurídico do Brasil — ocorrido em São Paulo (SP) em 26 de junho de 2022, “a Justiça brasileira está buscando soluções para os entraves modernos”.
A construção de uma Justiça que faça jus a acepção literal da palavra no Brasil é um trabalho conjunto do poder público e dos jurisdicionados, portanto. As decisões recentemente proferidas pelo STJ em relação aos marketplaces parecem caminhar no sentido mais adequado para o desenvolvimento de um ambiente favorável à inovação em nosso país, o que implica na análise menos generalista dos casos e mais atento aos novos modelos de negócios.
<hr />
(PINHEIRO, Patricia Peck. Direito digital. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 286).
(Teixeira, Tarcísio. Op. Cit., p. 141).
(SANTOS, Manoel J. Pereira. Op. Cit., pp. 167-168).
(Tratado de responsabilidade civil, 6ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 901)
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), em 2021 o crescimento do setor foi de 19%. Para 2022, a projeção é de que o aumento gradual seja mantido e alcance os 12%.
A entidade espera que o faturamento também aumente, chegando a quase R$ 170 bilhões – em 2021 foi de R$150,8 bilhões. A projeção para o número de consumidores online segue a mesma tendência e deve ultrapassar os 83 milhões – enquanto em 2021 foram 79 milhões. Fonte: <a href="https://marketplace.anymarket.com.br/e-commerce/maiores-marketplaces-do-brasil/#:~:text=marketplaces%20do%20Brasil-,Maiores%20marketplaces%20do%20Brasil%20mant%C3%A9m%20posi%C3%A7%C3%B5es%20no%20ranking%20de%20vendas,na%20jornada%20do%20com%C3%A9rcio%20eletr%C3%B4nico">https://marketplace.anymarket.com.br/e-commerce/maiores-marketplaces-do-brasil/#:~:text=marketplaces%20do%20Brasil-,Maiores%20marketplaces%20do%20Brasil%20mant%C3%A9m%20posi%C3%A7%C3%B5es%20no%20ranking%20de%20vendas,na%20jornada%20do%20com%C3%A9rcio%20eletr%C3%B4nico</a>. Acesso em 08/07/2022, às 18h58min.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> EXTRA.GLOBO.COM – Consumidor compra celular e recebe uma pedra. Loja é autuada pelo Procon-RJ – Publicado em 03 de set 2020 – Disponível em: &lt; https://extra.globo.com/economia-e-financas/consumidor-compra-celular-recebe-uma-pedra-loja-autuada-pelo-procon-rj-24621733.html?topico=smartphone&gt;. Acesso: 11/07/2022
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> CLEAR.SALE – Mapa da Fraude 2021 – Disponível em: &lt; <a href="https://br.clear.sale/mapa-da-fraude">https://br.clear.sale/mapa-da-fraude</a>&gt;. Acesso: 11/07/2022.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> CONJUR.COM.BR – Justiça brasileira alcança marca de 80 milhões de processos em tramitação – publicado em 30 de junho de 2022 – Disponível em: &lt; <a href="https://www.conjur.com.br/2022-jun-30/poder-decide-faz">https://www.conjur.com.br/2022-jun-30/poder-decide-faz</a>&gt;. Acesso: 11/07/2022.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> EXAME.COM – Mercado livre avança contra venda irregular e remove 6 milhões de anúncios – publicado em 18/05/2022 – Disponível em: &lt; <a href="https://exame.com/tecnologia/mercado-livre-avanca-contra-venda-irregular-e-remove-6-milhoes-de-anuncios/">https://exame.com/tecnologia/mercado-livre-avanca-contra-venda-irregular-e-remove-6-milhoes-de-anuncios/</a>&gt;. Acesso: 11/07/2022.

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JOTA

A responsabilidade civil das plataformas à luz dos precedentes do STJ

Marketplace: aproximador ou intermediador?

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