Opinião e Análise

Andreu Wilson

Beatriz Haikal

Railton Carvalho

Um dos grandes temas de 2020 foi a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e seus efeitos sobre as mais diversas atividades empresariais.
A lei teve seu surgimento impulsionado por diversos fatores. Dentre eles, podemos citar: o contexto social e econômico decorrente da 4ª Revolução Industrial, a entrada em vigor do General Data Protection Regulation (GDPR) na União Europeia e grandes escândalos de vazamento e manipulação de dados.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Sem dúvidas, a lei surge em momento propício, propondo-se a consolidar no Brasil um movimento de normatização acerca do tratamento de dados pessoais. É sabido que experimentamos a Era dos Dados, na qual o tratamento de dados dos indivíduos passou a ser fundamental para que as organizações conheçam seu público, possam prever seus comportamentos e até guiá-los de acordo com os interesses do negócio<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Hoje, os dados promovem grande vantagem competitiva àqueles que deles fazem uso, permitindo uma assertividade maior em relação aos produtos e serviços ofertados.
Nesse contexto, a proteção de dados adquire cada vez mais importância, à medida em que traz a confiança necessária aos titulares dos dados, sem que isso impacte negativamente o desenvolvimento dos negócios.
O intuito é estabelecer uma relação transparente, que prestigie a segurança jurídica, delimite as responsabilidades e indique quais são os comportamentos esperados das partes, a fim de evitar os abusos no tocante ao tratamento de dados pessoais.
De fato, a LGPD tem um papel crucial para a criação de uma cultura de proteção de dados no país, notoriamente negligente em relação ao tema<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Os impactos da lei sobre relações de consumo e o comportamento de grandes empresas, algumas delas dotadas de milhões de consumidores, são óbvios.
No entanto, um aspecto menos abordado é sobre como as empresas organizarão suas práticas internas às regras estabelecidas na LGPD em relação aos seus próprios colaboradores.
Isto porque, sem dúvidas, os empregadores lidam com uma quantidade extraordinária de dados pessoais (inclusive dados pessoais sensíveis) de seu corpo de funcionários, tais como os números de documentos pessoais oficiais, endereços, resultados de exames toxicológicos, a existência de filiação sindical, dados relativos à saúde (existência de doenças e eventual deficiência), além de dados biométricos.
O que o tratamento de tais dados possui em comum é o potencial danoso a colaboradores atuais ou pretéritos, caso não sejam empregadas medidas técnicas e administrativas adequadas visando impedir o vazamento desses dados. Tais incidentes inevitavelmente poderiam causar danos morais e materiais de grande magnitude.
Nesse sentido, a título de exemplo, é sabido que a mera existência de procedimento disciplinar para aferir condutas como furto, agressão física, assédio moral ou sexual necessariamente prejudicam a reinserção profissional em caso de vazamento dessas informações a terceiros.
Para piorar, como mostra a história recente, a divulgação ao final da investigação de que o colaborador não realizou a conduta da qual foi acusado não serve como garantia de que este mesmo colaborador será considerado um candidato apto a posições equivalentes no mercado de trabalho. Isto é especialmente verdadeiro em áreas que envolvam o cuidado de menores ou de qualquer indivíduo vulnerável.
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, os empregadores devem ser ainda mais cuidadosos no tocante à divulgação indevida de dados sensíveis de colaboradores, sobretudo considerando os efeitos sobre a sua empregabilidade, sendo tais informações divulgadas sem justo motivo.</blockquote>
Neste sentido, para além da proteção aos dados pessoais dos seus clientes/consumidores, uma preocupação fundamental será a necessidade de estruturar adequadamente o compliance de dados de seus empregados, garantindo a correta aplicação da LGPD e, o mais importante, participando os seus empregados (titulares dos seus próprios dados) sobre o seu direito de acompanhar e controlar o uso de suas informações pessoais no âmbito do seu contrato de trabalho.
Tal necessidade decorre do passivo potencial que o tratamento displicente ou indevido de dados pessoais pode representar para as empresas. Contrariamente ao senso comum sobre a matéria, as previsões da LGPD não serão aplicadas apenas às empresas com milhões de clientes, sendo aplicável às empresas dos mais diversos portes.
Neste sentido, uma análise comparada mostra a aplicação sistemática de multas<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> a empresas que não respeitam a legislação de privacidade de dados com relação a seus empregados.
Exemplificativamente, a maior multa aplicada por violação da GDPR (General Data Protection Regulation) na Alemanha foi imposta à H&amp;M, cadeia sueca de lojas de departamento, em razão de coleta indevida de informações de seus empregados, o que incluía criação de perfis dos colaboradores contendo dados do histórico médico, com diagnósticos e sintomas de doenças, bem como detalhes sobre sua vida pessoal e férias.
Observa-se assim, que a coleta de informações pessoais dos colaboradores e a sua disponibilização ampla é uma vulnerabilidade com consequências graves perante Justiça do Trabalho e ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados), sendo cumulável a multa pelo vazamento ou retenção/disponibilização de informações pessoais (especialmente dados sensíveis) dos colaboradores com o ajuizamento de reclamações trabalhistas individuais e/ou ações coletivas movidas por sindicatos de trabalhadores ou pelo Ministério Público do Trabalho.
Este cenário, decorrente da ausência de uma cultura de respeito à privacidade de consumidores e colaboradores, representa um dos maiores riscos trabalhistas a que as empresas estão expostas, dada a ausência de jurisprudência sobre como a Justiça do Trabalho valorará os danos morais sofridos em razão do armazenamento ou divulgação indevida de dados sensíveis, inexistindo ainda um histórico de aplicação de multas pela ANPD e a sua manutenção ou não após o eventual ajuizamento de ações anulatórias.
Esta incerteza em relação aos custos do descumprimento da LGPD deveria servir como o catalisador para o estabelecimento de um programa de compliance de dados para os colaboradores, por meio de políticas que prevejam, dentre outras, a forma de coleta, receptação, armazenamento, acesso, utilização e transmissão das informações pessoais dos colaboradores, utilizando de todos os recursos disponíveis para garantir a segurança das informações e, por conseguinte, minimizando os riscos de incidentes de divulgação não autorizada desses dados.
Da mesma forma que devem ser restritas as informações coletadas pela empregadora a fim de diminuir sua exposição a vazamentos ou tratamento indevido de dados, é crucial que seja estabelecida uma Política de Retenção e Descarte de Dados, visando a eliminação dos dados pessoais quando finda a finalidade e ausente base legal que justifique tal armazenamento.
Aliado a isso, é crucial o estabelecimento de políticas claras sobre como proceder com as trocas de dados pessoais sensíveis entre as diversas áreas da empresa, limitando-se a divulgação aos colaboradores estritamente necessários para a execução do contrato de trabalho.
Conclusivamente, o ciclo de obtenção, armazenamento e descarte de dados dos empregados é um dos pontos mais carentes de atuação preventiva pelos departamentos jurídicos, sendo muito importante para preservar o bom clima interno nas organizações e a redução de um passivo trabalhista potencial de dimensões desconhecidas, mas possivelmente gigantesco tanto em termos financeiros quanto reputacionais.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://youtu.be/b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Segundo o dataísmo, o Universo consiste num fluxo de dados e o valor de qualquer fenômeno ou entidade e determinado por sua contribuição a processamento de dados. HARARI, Yuval Noah. Homo deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 370.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Recentemente foram “vazados” os dados de mais de 220 milhões de brasileiros, incluindo dados como nome completo, CPF, scores de crédito, endereços, salários e números de telefone. Disponível em: &lt;<a href="https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/01/27/fotos-e-ate-salarios-estao-entre-os-dados-vazados-de-223-milhoes-de-brasileiros">https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/01/27/fotos-e-ate-salarios-estao-entre-os-dados-vazados-de-223-milhoes-de-brasileiros</a>&gt;. Acesso em: 03 de fevereiro de 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>BBC. H&amp;M fined for breaking GDPR over employee surveillance Disponível em: &lt;<a href="https://www.bbc.com/news/technology-54418936">https://www.bbc.com/news/technology-54418936</a>&gt;. Acesso em: 03 de fevereiro de 2021.

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JOTA

Ciclo de obtenção, armazenamento e descarte de dados dos empregados é um dos pontos mais carentes de atuação preventiva

LGDP e Direito do Trabalho: uma aproximação necessária

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