Opinião e Análise

Andreu Wilson

Luis Fernando Priolli

Nos últimos anos, o setor elétrico tem sido questionado por uma estrutura de custos que crescentemente eleva o custo da energia elétrica para o mercado cativo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o que tem impulsionado grandemente tanto o mercado de geração distribuída quanto a migração para o mercado livre<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Como resultado, as discussões sobre a necessária liberalização do mercado de energia, com a permissão de que até mesmo consumidores residenciais tenham a possibilidade escolher o seu supridor de energia elétrica, modelo este largamente adotado no mundo<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, é “contaminada” pela premência de empresas e pessoas físicas de reduzirem o seu gasto mensal com energia elétrica.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A discussão sobre a liberalização dos mercados precisa necessariamente envolver os custos implícitos e explícitos decorrentes da mudança regulatória, sobremaneira preservando a sustentabilidade econômico-financeira tanto das distribuidoras de energia quanto das geradoras, bem como evitando que tais custos sejam imputados indevidamente ao consumidor residencial e/ou ao contribuinte.
Isso porque, sendo as distribuidoras de energia elétrica e as geradoras concessionárias de serviço público, são empresas que possuem garantias legais e contratuais assegurando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das suas respectivas concessões, o que pressupõe a assunção de custos pelo Estado ou a aceitação por parte das geradoras de mudanças regulatórias que impliquem na assunção de custos ou riscos legais e/ou financeiros atualmente não assumidos por elas.
Este cenário, de complexidade óbvia, demanda que tenhamos uma análise técnica e ponderada sobre o cronograma de abertura do mercado com a inerente adequação dos instrumentos contratuais que atualmente constrangem a atuação de distribuidoras e geradoras de energia, sendo necessário também a criação de uma solução legal e economicamente viável para os contratos de longa duração celebrados entre as distribuidoras de energia e as geradoras.
A destreza para solucionar tais questões implica a diferença entre uma exitosa transição para um modelo competitivo e liberalizado ou a reedição de ruinosas intervenções que tiveram impacto oposto ao previsto, com a revelação de custos ocultos bilionários, aumento de preço para o usuário final e intensa judicialização, o que limitou a capacidade de investimento de inúmeros agentes setoriais.
Enquanto o setor elétrico lida com os desafios atinentes a uma mudança paradigmática, temos uma oportunidade única de reduzir o preço da energia para os consumidores cativos de todo Brasil, sem que seja necessário reduzir a carga tributária incidente sobre o consumo de energia elétrica ou se valendo de manobras temporárias que não encaram os problemas estruturais do setor.
Essa “janela de oportunidade” surge justamente do conhecido Tratado de Itaipu, assinado em 26 de abril de 1973, entre o Brasil e o Paraguai para o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do Rio Paraná, pertencentes em Condomínio aos dois países, desde e inclusive o Salto Grande de Sete Quedas ou Salto de Guaíra até a Foz do Rio Iguaçu, que prevê em seu Anexo C, artigo 6º,  a revisão das respectivas disposições “após o decurso de um prazo de cinquenta anos a partir da entrada em vigor do Tratado, tendo em conta, entre outros aspectos, o grau de amortização das dívidas contraídas pela ITAIPU para a construção do aproveitamento e a relação entre as potências contratadas pelas entidades de ambos países.”(Publicado no “Diário Oficial” de 30 de agosto de 1973, pág. 8.645.)
Essa oportunidade decorre, portanto, (i) da proximidade do transcurso deste lapso temporal de 50 anos e (ii)  da iminência do término do financiamento da usina de Itaipu provavelmente também em 2023, previstos no Tratado de Itaipu e seus Anexos para a construção da Usina que é responsável por 76% da energia consumida pelo Paraguai e 17% do abastecimento de energia elétrica brasileiro<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Com a expectativa de pagamento dos empréstimos contratados para a construção da usina de Itaipu em 2023<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, abre-se uma oportunidade única de redução do preço da energia elétrico no país.
E dentre as opções possíveis para a renegociação do Anexo C, a que melhor aproveita a sociedade brasileira é justamente não mudar o atual Anexo C, mantendo e observando de forma assertiva os seus exatos termos.
A manutenção dos termos atualmente vigentes se justifica porque três ou quatro gerações de brasileiros arcaram mensalmente com o elevado custo da Usina de Itaipu, por quase cinquenta anos, já que o valor cobrado pela energia elétrica oriunda de Itaipu, pressionou, por décadas, para cima o custo de energia elétrica fornecida aos brasileiros, já que era o maior custo do mix que formava a tarifa cobrada.
A energia elétrica produzida pela Usina de Itaipu, e repassada a todas as distribuidoras do país, sofre, inclusive, reajustes pelo Índice Geral de Preços Mercado (IGP – M), já que sua base de cálculo sofre influência, dentre outros indicadores, das variações do dólar para seu cálculo, pois o empréstimo contraído pelo Brasil para sua construção foi feito em dólar, ou seja, graças principalmente a Usina de Itaipu toda a energia elétrica brasileira até hoje aumenta conforme o dólar se valoriza frente ao Real, encarecendo tal insumo.
A dívida contraída para financiar a construção e operação da Usina representou, durante esses quase 50 anos, algo em torno de 62% do custo da tarifa suportada pela sociedade brasileira, ou seja, é licito concluir que 2/3 do valor da tarifa era pagamento da dívida e respectivos encargos e 1/3 operação e manutenção da Usina.
<blockquote class="jota-article__eye">Logo, a partir de 2023, se nada for alterado, a energia elétrica produzida por Itaipu passará a ser uma das energias mais baratas disponibilizadas aos consumidores brasileiros, pois reduzirá o custo da tarifa para apenas 1/3 do valor atual.</blockquote>
Conforme noticiado pelos meios de comunicação, o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, tem tornado público o seu desejo de dar um “choque de energia barata” na economia brasileira, portanto, se nada for modificado, tal desejo poderá ser concretizado através da Usina de Itaipu, beneficiando toda a sociedade e propiciando a reindustrialização do Brasil através de energia elétrica com tarifas mais módicas.
O desafio brasileiro, nesse caso, não é produzir nenhuma legislação ou regulamentação especifica para o setor e sim apenas cumprir o contrato, observar, de forma obstinada, o pacta sunt servanda.
Certamente surgirão quem defenda modificações pontuais ou radicais no Anexo C e/ou até mesmo no próprio Tratado, porém este não tem qualquer vencimento ou prazo pactuado bem como o Anexo C não demanda qualquer providência para que tal redução ocorra no mês seguinte ao pagamento da última parcela do financiamento contraído, e que já está previsto para ocorrer em 2023, quando justamente o Tratado completa 50 anos, cujo anexo prevê expressamente que a tarifa passará a observar a redução oriunda do financiamento pago.
Para compreendermos como a amortização da usina impacta positivamente na modicidade tarifária, importante frisar que o preço da energia elétrica de Itaipu, de acordo com o Tratado do Paraguai, leva em conta os seguintes fatores:
“III - Custo do Serviço de Eletricidade
O custo do serviço de eletricidade será composto das seguintes parcelas anuais:
III.1 – O montante necessário para o pagamento, às partes que constituem a ITAIPU, de rendimentos de doze por cento ao ano sobre sua participação no capital integralizado, de acordo com o Parágrafo 1º do artigo III do Tratado e com o Artigo VI do Estatuto (Anexo A).
III.2 – O montante necessário para o pagamento dos encargos financeiros dos empréstimos recebidos.
III.3 – O montante necessário para o pagamento da amortização dos empréstimos recebidos.
III.4 – O montante necessário para o pagamento dos "royalties" às Altas Partes Contratantes, calculado no equivalente de seiscentos e cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América por gigawatt-hora, gerado e medido na central elétrica. Esse montante não poderá ser inferior, anualmente, a dezoito milhões de dólares dos Estados Unidos da América, à razão da metade para cada Alta Parte Contratante. O pagamento dos "royalties" se realizará mensalmente, na moeda disponível pela ITAIPU.
III.5 – O montante necessário para o pagamento à ELETROBRÁS e à ANDE, em partes iguais, a título de ressarcimento de encargos de administração e supervisão relacionados com a ITAIPU, calculados no equivalente de cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América por gigawatt-hora gerado e medido na central elétrica.”
III.6 – O montante necessário para cobrir as despesas de exploração.
III.7 – O montante do saldo, positivo ou negativo, da conta de exploração do exercício anterior.
III.8 – O montante necessário à remuneração a uma das Altas Partes Contratantes, equivalente a trezentos dólares dos Estados Unidos da América, por gigawatt-hora cedido à outra Alta Parte Contratante. Esta remuneração se realizará mensalmente na moeda disponível pela ITAIPU.”<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> (Grifou-se)
Com a amortização do empreendimento, o valor atualmente destinado para o pagamento dos encargos financeiros e amortização do principal, alcança cerca de US$ 2 bilhões anuais<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> e pode ser revertido integralmente para a modicidade tarifária.
Isso porque, contrariamente a concessionárias de energia, não há nova licitação que justifique uma nova amortização da usina, sendo medida de direito a redução do seu preço em razão da quitação dos empréstimos contratados para a sua construção.
Nos termos do artigo 3º, caput, da Lei nº 5.899/1973, a energia proveniente de Itaipu é cedida por meio de cotas às distribuidoras de energia, o que tem por consequência o espraiamento dos descontos da tarifa de Itaipu para os consumidores finais.
Não obstante a complexidade relativa à operacionalização das múltiplas tarifas de Itaipu, referentes à energia excedente, energia comprada do Paraguai e a parte pertencente ao Brasil, estimamos que estamos diante da maior oportunidade de redução da conta de energia elétrica no Brasil.
Conclusivamente, devemos estar vigilantes quanto ao tratamento que será dado à questão pelas autoridades brasileiras e paraguaias, de modo a obtermos a tardia, mas bem-vinda modicidade tarifária em razão da amortização de Itaipu.
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) após ataques ao STF. Ouça: 

https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Jargão setorial que se refere aos consumidores que são necessariamente abastecidos pela concessionária ou permissionária que atenda a sua região, não tendo liberdade para escolher o seu fornecedor de energia elétrica.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Jargão setorial que se refere aos consumidores de médio e grande porte, que podem escolher o seu fornecedor de energia elétrica.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> IEA. Lessons from Liberalised Electricity Markets, IEA, Paris, 2015. Disponível em: &lt;<a href="https://www.iea.org/reports/lessons-from-liberalised-electricity-markets">https://www.iea.org/reports/lessons-from-liberalised-electricity-markets</a>&gt;. Acesso: 17 de fevereiro de 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Dados relativos ao ano de 2016, conforme palestra proferida pelo Sr. Luiz Fernando Leone Vianna, Ilmo. Sr. Diretor Geral Brasileiro da Itaipu Binacional, sobre a “A importância de Itaipu para o Brasil e Paraguai”, no evento “Energia em Foco – Estratégias e Desafios para o Futuro”, no dia 06 de dezembro de 2017, na Fundação Getúlio Vargas, FGV Energia.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> O Globo. Entenda em cinco pontos a disputa entre Brasil e Paraguai sobre Itaipu. Disponível em: &lt;<a href="https://oglobo.globo.com/mundo/entenda-em-cinco-pontos-disputa-entre-brasil-paraguai-sobre-itaipu-23844227">https://oglobo.globo.com/mundo/entenda-em-cinco-pontos-disputa-entre-brasil-paraguai-sobre-itaipu-23844227</a>&gt;. Acesso: 17 de fevereiro de 2021.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Anexo C do Tratado de Itaipu. Disponível em: &lt;<a href="https://www.itaipu.gov.br/institucional/documentos-oficiais">https://www.itaipu.gov.br/institucional/documentos-oficiais</a>&gt;. Acesso: 17 de fevereiro de 2021.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> FONTES, Giulia. Depois de quase 50 anos, Itaipu está perto de quitar dívida bilionária da construção da usina. Disponível em: &lt;<a href="https://www.gazetadopovo.com.br/republica/usina-itaipu-divida/">https://www.gazetadopovo.com.br/republica/usina-itaipu-divida/</a>&gt;. Acesso: 17 de fevereiro de 2021.

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JOTA

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