Opinião e Análise

Carolina Barboza

Cainan Andrade

Quando falamos em <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/blockchain">blockchain</a><a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, automaticamente nos remetemos às criptomoedas e aos non-fungible tokens (NFTs). Estas ferramentas geram diversas discussões jurídicas acerca da: a) legislação aplicável; b) órgãos reguladores; c) impactos jurídicos; d) responsabilidades circundantes; dentre outros. Portanto, existe um mercado infinito propiciado pelo paradigma da rede blockchain que ainda deverá ser explorado e regulamentado.
Inseridos no universo da Web 3.0, a tokenização de ativos surge para o processo de divisão e constituição de um bem no formato de token, no qual permite a circulação de bens de maneira descentralizada, o que propicia uma transação rápida, segura e não violável<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Esse procedimento ocorre mediante a programação de smart contracts<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>que utiliza a tecnologia blockchain para traduzir a linguagem jurídica aos códigos de programação.
Nesse formato, a programação dos gatilhos ocorre de forma automatizada e sem qualquer obrigatoriedade de envolvimento humano na etapa de procedimentalização, uma vez que os parâmetros já estarão definidos de forma prévia<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. A parceria entre a tecnologia da informação e o pensamento jurídico contratual ligado ao compliance e a elaboração de cláusulas, estabelecem, previamente, parâmetros seguros, mantendo a agilidade do mecanismo e auxiliando na prevenção de possíveis erros.
Sob essa ótica, muito se tem falado acerca da tokenização de diversos ativos<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, dentre eles, há a possibilidade de sociedades empresárias prosseguirem com a tokenização de suas quotas e/ou ações com o objetivo de trazer celeridade e segurança ao formato de partnership<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Portanto, se antigamente as ações eram emitidas em papel físico, a evolução do digital impulsionou a possibilidade de emissão das ações em ativos digitais.
No âmbito das sociedades limitadas, as quais são revestidas do intuitu personae e da affectio societatis, portanto, tratando-se de uma sociedade contratual com alta pessoalidade dos sócios envolvidos, a livre negociação e transferência das quotas tokenizadas passa a ser mais restrita<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
A sociedade limitada ao adotar a regência supletiva da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm">lei das sociedades anônimas[8] (Lei das S.A)</a>, poderá utilizar alguns institutos específicos desta como, por exemplo, a tokenização de quotas em tesouraria, as quais poderão ser concedidas através de instrumentos de vesting a colaboradores específicos com metas e gatilhos programados e projetados nos smart contracts, ou, ainda a utilização das quotas preferenciais as quais poderão ser tokenizadas e programadas especificamente para esse mercado secundário proposto<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Sendo as sociedades anônimas essencialmente, sociedades de capital, há um cenário divergente ao exemplificado acima no que tange a instituição da tokenização de ações. Para que possamos adentrar no tema das S.A., é necessário apresentar brevemente dois conceitos criados no âmbito de projetos de financiamento para emissão de tokens que são chamados Initial Coin Offering (“ICO”), em tradução livre, oferta inicial de moedas, e o Security Token Offering (“STO”); e em tradução livre; oferta de token de segurança.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entre suas atribuições de regulação conforme a Lei 6.385/76, destacou que as ICOs devem ser compreendidas como captações públicas de recursos, tendo como contrapartida a emissão de ativos virtuais, podendo ser caracterizadas como operações com valores mobiliários sujeitas à legislação específica, inclusive em situação paritária as das companhias abertas<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>. Já o STO, denominado como valores mobiliários criptográficos, representam um ativo fracionado e fundamentalmente regulado, assemelhando-se ao conceito de Oferta Pública Inicial (IPO).
Entretanto, é importante ressaltar que o STO oferece tokens como atestado de propriedade de forma tangível e negociável, como contrapartida, por exemplo, a participação societária ou outras transações, além de ser possível conceder benefícios como, prioridade no recebimento de lucros ou voto em deliberações a partir do modelo acordado, assim como a democratização dos ativos e a acessibilidade potencial que o método traz.
Nessa perspectiva, a regulamentação legal no Brasil caminha a passos modestos, em consulta livre ao presente tema no congresso nacional, foi possível inferir cerca de 14 resultados para “token” de projetos leis e outras proposições<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>. Sendo que em refinamento à pertinência temática, apenas três<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a> versam sobre a temática de forma direta ou indiretamente avençada, e todos em andamento ou arquivados para posterior apreciação.
Portanto, a agilidade proveniente do mundo digital e das inovações não é acompanhado pelos poderes constitucionais, ao lacunar os entendimentos sobre a tokenização de ativos no Brasil. Esse cenário regulatório traz certo enrijecimento a potenciais utilizadores desses métodos exponenciais, sobretudo pelas possíveis incertezas em temas ligados aos aspectos tributários, burocráticos e legais.
Dito isto, a estruturação das quotas em token como ativo negociável passa a ser uma modalidade de captação de investimentos relevante sobretudo no campo dos empreendimentos majoritariamente digitais ou mesmo tradicionais que desejam expandir seu know-how.
Além de poder ser um atrativo a ser concedido para colaboradores estratégicos ou mesmo estrangeiros que desejam ter mecanismos descentralizados para aportes ou participações em sociedades diversas, respeitando seus trâmites específicos, mas ampliando possibilidades que podem vir a ser mais atrativas a diferentes tipos de investidores.
A estratégia tem sido a tokenização como um utility, uma vez que estes representam direitos de aquisição de produtos e serviços, conceito este também já abordado pela CVM<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>. Se o IPO é um mecanismo utilizado por empresas com alto nível de desenvolvimento, a tokenização de ativos surge como um “mercado de acesso”<a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>. Sob esse viés, a CVM aprovou a Resolução CVM nº 29/2021 com o objetivo de regular a constituição de ambiente regulatório experimental a fim de conceder autorizações temporárias para que negócios inovadores pudessem testar as suas atividades no mercado de valores mobiliários (sandbox)<a href="#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>.
Dentro desse conceito, surgiu a BEE4 a qual obteve autorização da CVM para atuar no âmbito do Sandbox como uma plataforma de negociação de tokens representativos de valores mobiliários de empresas com faturamento anual entre R$ 10 milhões e R$ 300 milhões<a href="#_ftn16" name="_ftnref16">[16]</a>. Caso o ambiente experimental seja concluído com sucesso, a expectativa é que seja concedido um registro definitivo para as suas atividades e uma nova abertura de mercado seja proposta, dentro da regulamentação da CVM.
Portanto, há necessidade de pensarmos em uma “CVM Tech Versão 5.0” e que é reforçada no posicionamento do novo presidente da CVM, João Pedro Nascimento<a href="#_ftn17" name="_ftnref17">[17]</a>, pois, o momento no qual a inovação surge em tempo recorde, pode ser interpretada como um catalizador do paradigma regulatório.
Demonstra-se, assim, a importância das adequações legislativas e procedimentais aos formatos e realidades que estão sendo criadas, sendo importante acompanhar como o mercado jurídico e empresarial se comporta já que diversas são as projeções mediante a tokenização de quotas/ações no mundo moderno.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Neste artigo classificado como “espécie de armazenamento periódico de informações e transações em blocos cronológicos com código matemático único”.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> CAETANO, Gustavo. Web 3.0 e os impactos nos negócios. Disponível em: https://mittechreview.com.br/web-3-0-e-os-impactos-nos-negocios/?utm_campaign=tr_weekreview_16072022&amp;utm_medium=email&amp;utm_source=RD+Station Acesso em: 25/07/2022
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> FACHINI, Tiago. Smart Contracts: o que é, como funciona e aspectos legais. Disponível em: https://www.projuris.com.br/smart-contract/#:~:text=Smart%20contract%20%C3%A9%20um%20tipo,apenas%20redigidos%20em%20formato%20digital. Acesso em: 25/07/2022.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> SANAS, Caio Fernando. O futuro dos contratos: potencialidade e desafios dos smart contracts no Brasil. 1ª ed. Volta Redonda/RJ. Editoria Jurismestre. P. 46
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> SANAS, Caio Fernando. O futuro dos contratos: potencialidade e desafios dos smart contracts no Brasil. 1ª ed. Volta Redonda/RJ. Editoria Jurismestre. P. 73
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> SILVA, Viegas Yan. A tokenização de quotas preferenciais nas sociedades limitadas. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-set-11/opiniao-quotas-preferenciais-sociedades-limitadas Acesso em: 11/09/2021.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> CAMPOS, Malgueiro Emília. Blockchain e o processo de tokenização de participação societária. Disponível em: https://www.blockmaster.com.br/artigos/blockchain-e-o-processo-de-tokenizacao-de-participacao-societaria/ Acesso em: 25/07/2022.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Lei nº 6.404/1976.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> BRASIL. Ministério da Economia. Manual de registro de sociedade limitada. ME, 15 de julho de 2020 Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/drei/legislacao/arquivos/legislacoes-federais/IN812020AnexoIVManualdeLTDAalteradopelaIN55de2021eIN112de2022novondice24jan22.pdf. Acesso em 25/07/2022.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> BRASIL. Ministério da Economia. FAQ da CVM a respeito do tema Initial Coin Offerings (ICOs). MC, 16 de novembro de 2017. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/initial-coin-offerings--icos--88b47653f11b4a78a276877f6d877c04 Acesso em: 25/07/2022.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> BRASIL, Câmara dos Deputados. Consulta "token", 25 de julho de 2022. Disponível: https://www.camara.leg.br/buscaProposicoesWeb/resultadoPesquisa?numero=&amp;ano=&amp;autor=&amp;inteiroTeor=token&amp;emtramitacao=Todas&amp;tipoproposicao=%5BPEC+-+Proposta+de+Emenda+%C3%A0+Constitui%C3%A7%C3%A3o,+PLP+-+Projeto+de+Lei+Complementar,+PL+-+Projeto+de+Lei,+MPV+-+Medida+Provis%C3%B3ria,+PLV+-+Projeto+de+Lei+de+Convers%C3%A3o,+PDC+-+Projeto+de+Decreto+Legislativo,+PRC+-+Projeto+de+Resolu%C3%A7%C3%A3o,+REQ+-+Requerimento,+RIC+-+Requerimento+de+Informa%C3%A7%C3%A3o,+RCP+-+Requerimento+de+Institui%C3%A7%C3%A3o+de+CPI,+MSC+-+Mensagem,+INC+-+Indica%C3%A7%C3%A3o%5D&amp;data=25/07/2022&amp;page=false Acesso em: 25/07/2022.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> REQ 8/2017 PL230315, REQ 12/2019 PL230315, PL 2060/2019
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> BRASIL, Comissão de Valores Mobiliários. Processo Administrativo Sancionador CVM nº 19957.003406/2019-91. CVM, 26 de outubro de 2020. Disponível em: Processo Administrativo Sancionador CVM nº 19957.003406/2019-91 Acesso em: 25/07/2022.
<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> VALENTI, Graziella. BEE4, a "exchange" para pequenas e médias empresas, estreia em junho. Exame, 03 de maio de 2022. Disponível em: https://exame.com/exame-in/bee4-a-exchange-com-pequenas-e-medias-empresas-estreia-em-junho/ Acesso em: 25/07/2022.
<a href="#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> BRASIL, Comissão de Valores Mobiliários. Resolução CVM 29. CVM, 11 de maio de 2021. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol029.html Acesso em: 25/07/2022.
<a href="#_ftnref16" name="_ftn16">[16]</a> BEE4, 2022. Quem Somos. Disponível em: https://bee4.com.br/quem-somos/ Acesso em 25/07/2022.
<a href="#_ftnref17" name="_ftn17">[17]</a> BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. CVM, 18 de julho de 2022. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/joao-pedro-nascimento-toma-posse-como-presidente-da-cvm-e-comenta-plano-de-gestao-estrategico-para-o-mandato Acesso em: 25/07/2022.

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