Regulação e Novas Tecnologias

Direito Ambiental 4.0: mudanças climáticas, COP-26 e tokenização no mercado de CO2

Há a necessidade de novas abordagens cooperativas entre países e organizações privadas

18/09/2021|07:06
Atualizado em 20/09/2021 às 09:41
Crédito: Pexels

A 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP 26) ocorrerá em Glasgow/Escócia de 31 de outubro a 12 de novembro de 2021. Paralelamente, acontecerá a 3ª Conferência das Partes do Acordo de Paris, assembleia geral onde 190 países vinculados ao tratado internacional e à Convenção-Quadro tomarão as decisões para implementação dos compromissos de enfrentamento às Mudanças Climáticas.

Estes eventos estão cercados de grande expectativa para que haja – finalmente - a regulamentação do artigo 6º do Acordo de Paris que visa implementar um mercado de carbono global através de dois mecanismos: (i) a transferência de “resultados de mitigação transferidos internacionalmente” (ITMOs), isto é, a transferência entre países para implementação de suas contribuições nacionalmente determinadas e (ii) a criação de um órgão central sob a governança da ONU para supervisionar a redução das emissões de gases de efeito estufa de entidades públicas e privadas.

Antes de prosseguirmos, se faz necessário, sob um perspectiva simplificada, compreender o funcionamento deste mercado. Enquanto instrumento econômico, trata-se de um mercado projetado de controle e incentivo de redução das emissões de dióxido de carbono (CO2). Por exemplo, aqueles que plantam árvores – absorvem naturalmente carbono – poderão produzir créditos de carbono a serem vendidos a emissores de carbono para compensarem a sua produção. Cada tonelada de emissões de CO2 “poupada” pode ser vendida como uma compensação de carbono de uma tonelada de CO2 emitida por outro.

Este mercado tem sido objeto de um debate infrutífero de longa data que vem buscando desde o Protocolo de Kyoto (acordo celebrado durante a COP-3 realizada em Kyoto/Japão em 1997) e mais recentemente com o Acordo de Paris (2015) implementar um sistema eficaz e economicamente viável para incentivar a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa e, desta maneira, frear o aquecimento global acima 2°C (meta ideal de 1,5°C) até o final deste século.

A estimativa do Banco Mundial [1] é de que atualmente este mercado movimente  US$ 82 bilhões por ano através de 51 iniciativas globais de precificação de carbono (25 no comércio e 26 na tributação de carbono), embora haja certa discrepância entre a precificação da União Europeia (US$ 7 a US$ 16 por tonelada de CO2 equivalente) e do próprio Banco Mundial que aponta para um valor abaixo da faixa de US$ 40-80.

Para além da motivação financeira, a iniciativa privada vem se engajando para a implementar o mercado de carbono ao entender estar diante de uma emergência climática. Em 2020, o Fórum Econômico Mundial publicou em seu Relatório Anual os dez riscos globais mais prováveis. Cinco deles são de caráter ambiental, dentre os quais os desafios climáticos são considerados os mais preocupantes por colocarem em risco a reputação e a sobrevivência das empresas.

Em que pese a iniciativa compreender que medidas urgentes devam ser tomadas para combater as Mudanças Climáticas, permanece, ainda, um grande mistério de como os investidores podem se envolver neste mercado. E há duas maneiras possíveis: através dos mercados voluntário e/ou regulado. 

O mercado regulado (“cap-and-trade” ou limitar e comercializar) emite uma quantidade limitada de permissões de emissão a cada ano para empresas. Aquelas cujas emissões excedam a quantidade permitida precisam obter em bolsas de valores ou em mercados secundários um crédito equivalente para cada tonelada de dióxido de carbono extra emitido. Por outro lado, as empresas que reduzirem suas emissões – e aqui está o grande segredo e incentivo deste sistema - vendem seus créditos de carbono excedentes a outros participantes cujas emissões aumentaram, mercantilizando o carbono e criando um mercado regional tal como os existentes na União Europeia, EUA, China, Coreia do Sul e Nova Zelândia.

O Brasil, seguindo esta tendência, está discutindo a sua implementação e o quer antes da COP-26. A Câmara dos Deputados já sinalizou que pretende colocar em votação o Projeto de Lei no 528/2021 que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), determinado pela Política Nacional de Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009).

Por sua vez, o mercado de carbono voluntário depende da implementação de planos facultativos de empresas ou organizações privadas para a redução das suas próprias emissões de gases de efeito estufa. Atualmente, há um forte desejo do mercado privado de se tornar “Net zero” até 2050 (ano-referência estabelecido pelo Acordo de Paris), isto é, de zerar as emissões oriundas das atividades comerciais por livre e espontânea pressão de investidores e consumidores para a concretização de critérios ESG. 

Acredite ou não, TODAS as maiores empresas do mundo ocidental já anunciaram compromissos de neutralização de carbono ou “carbono zero”: Amazon, Microsoft, Apple, Nike, Facebook, Google, Unilever, Netflix, etc, somados aos compromissos assumidos por Larry Fink em 2018, CEO da Black Rock, maior gestora de ativos do mundo e responsável por administrar um patrimônio superior a US$ 6 trilhões de dólares e pela Business Roundtable (associação das 200 maiores empresas privadas americanas) em 2019.

Outro fator que vem chamando a atenção das empresas é a competição comercial transfronteiriça. Organizações privadas de países desenvolvidos onde a compensação é compulsória, exigem que seus reguladores cobrem tarifas de importação de países onde não haja compensação por emissões de carbono. Neste sentido, por exemplo, a União Europeia já regulou o programa “Fit for 55” que prevê uma taxação de empresas que importarem produtos com elevado teor de carbono. 

Neste cenário, a implementação do mercado de carbono, seja voluntário ou regulado, global ou regional, vem enfrentando grandes desafios. O principal, talvez, seja a ausência de padronização e liquidez. Por exemplo, é comum que vendedores de créditos de carbono busquem um corretor para promover as compensações e encontrar compradores. 

Desta forma, não há outra alternativa que não incorporar tecnologias que permitam melhorar o controle das emissões e o rastreamento da cadeia de ativos do carbono e, consequentemente, ampliar a participação de outros atores. E para isso, a melhor solução é a tokenização do carbono. 

A “tokenização” nada mais é que o processo de emissão de um token em uma plataforma blockchain que representará, digitalmente e de forma eficaz, ativos do mundo real. Essa tecnologia não se restringe a ativos financeiros, como ações e títulos, podendo representar qualquer outra espécie de ativo como obras de arte, por exemplo.

Nesta via, tendo em perspectiva que o mercado de carbono atual se encontra fragmentado em bolsas regionais, a tokenização permitiria aumentar a liquidez dos ativos e o acesso de novos investidores, podendo, por conseguinte, oportunizar a disponibilização e negociação destes ativos em bolsas globais. Outra vantagem da tokenização é facilitar o controle do movimento transfronteiriço baseado na interoperabilidade dos protocolos de blockchain que permitiria que tokens produzidos em diferentes países possam ser transferidos de forma confiável e evitaria a venda e compra fraudulenta de ativos por possuir uma fonte de origem transparente, verificada e rastreável.

Por isso, não há dúvidas que a tokenização via blockchain dos créditos de carbono auxiliaria no atingimento das metas do Acordo de Paris ao melhorar a acessibilidade e a precificação dos créditos, além de permitir a consolidação de uma oferta global dos mercados de carbono.

Pelo exposto, independente do resultado da COP-26, implementando ou não um novo mercado global de carbono, persistirá a necessidade de novas abordagens cooperativas entre países e organizações privadas, como forma de alcançar o objetivo último de reduzir as emissões globais de carbono e enfrentar o aquecimento global. 

Para isso, a definição de regras transparentes de atuação e de uma infraestrutura confiável são premissas para a operacionalização deste sistema, sendo, portanto, a tokenização dos créditos de carbono a melhor forma de adicionar criatividade, segurança jurídica, agilidade e novos players a este desafio global de zerar as emissões de carbono em prol das atuais e futuras gerações.

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[1] https://carbonpricingdashboard.worldbank.org/what-carbon-pricing; acessado em 06.09.2021

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