Luiza Leite
Advogada. Sócia no SGL Advogados. Mestranda pela USP. Pós-graduada pela UERJ. Pós-graduanda pelo IBET. Professora de cursos de pós-graduação. Autora de diversos livros técnicos e palestrante
No dinâmico panorama do desenvolvimento tecnológico, especialmente no âmbito dos ativos digitais, a evolução das normativas assume papel crucial para assegurar estabilidade jurídica e bem-estar social.
Quando se trata de operações envolvendo tais ativos, dois aspectos merecem atenção especial do ponto de vista regulatório: a necessidade de representação legal das exchanges no país e a segregação patrimonial. Essas medidas visam proteger os interesses dos investidores e promover a confiabilidade e transparência nas transações com criptoativos.
Nesse sentido, em dezembro de 2022, foi promulgada a Lei 14.478, conhecida como Marco Legal das Criptomoedas, que estabelece diretrizes para a atuação das exchanges, exigindo autorização para suas atividades no país e introduzindo novos tipos penais relacionados ao uso de ativos virtuais.
A fim de garantir o cumprimento da legislação aplicável a essas empresas, o Banco Central foi designado como responsável pelas autorizações de funcionamento do setor, conforme estabelecido pelo Decreto 11.563/2023, emitido em junho passado.
Apesar disso, ainda não existe uma regulamentação específica que defina os contornos da segregação patrimonial. A urgência de reger esse aspecto se torna ainda mais evidente diante dos casos de insolvência enfrentados pelas exchanges no Brasil.
Isso ocorre porque as exchanges primariamente facilitam o acesso à rede blockchain, adquirindo e negociando ativos digitais em nome de seus clientes. Com isso, elas assumem a responsabilidade de acessar a blockchain e se registrar como detentoras dos criptoativos em favor dos investidores.
Portanto, é essencial entender que a titularidade dos ativos digitais na blockchain está diretamente relacionada à posse das chaves de segurança. Nesse contexto, o investidor geralmente possui apenas um crédito contra à exchange, referente aos ativos que foram operados em seu benefício.
Nesse cenário, a adoção da segregação patrimonial como medida de proteção assume um papel de extrema importância, se estabelecendo como um mecanismo de segurança jurídica dos titulares. Isto a torna crucial para prevenir os investidores de cenários em que, em caso de insolvência, recursos pertencentes aos credores sejam usados pela empresa.
Uma vez que, decretada a falência da exchange, serão arrecadados todos os bens que constem relacionados em seu balanço patrimonial e restará ao investidor buscar a retomada de seu ativo por meio de petição dirigida ao juízo falimentar, comprovando a sua titularidade.
Nesse contexto, alguns aspectos se demonstram temerários diante da falta de segregação patrimonial. O primeiro ponto que se destaca é a dificuldade do titular em comprovar, de forma individualizada, a propriedade da moeda digital, para a possível restituição do ativo.
Além disso, não é raro que os investimentos sejam realizados de forma coletiva. Situação que torna inviável a individualização do ativo digital, sujeitando o crédito à hierarquia de credores disposta no art. 83 da Lei 11.101/2005.
Outro desafio envolve a arrecadação, custódia e alienação das moedas digitais. Mesmo quando localizados, caberá ao administrador judicial, arrecadar, custodiar e avaliar, para posterior venda e consequente pagamento dos credores, por meio de rateio na proporção dos créditos reconhecidos.
Nesse contexto, a disposição já presente na legislação de falências, no art. 113, que permite a venda direta de bens perecíveis e de rápida desvalorização pode ser uma excelente alternativa diante da volatilidade de valor de mercado. Da mesma forma, que a venda por meio de agente especializado também pode ser considerada, conforme disposição contida no art. 142, inciso IV, da Lei 11.101/2005.
Uma outra possibilidade seria a cobertura desses investimentos por uma espécie de Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Na impossibilidade técnica de realizar a segregação patrimonial, haveria a adesão ao FGC. Neste caso, a regulamentação caberia ao Banco Central e ao Conselho Monetário, com o intuito de aumentar a segurança jurídica dos investidores e evitar a proliferação de esquemas de pirâmides e fraudes no mercado de criptomoedas.
Por fim, é importante repensar as sanções aos falidos que omitam informações, sobretudo no que tange às senhas utilizadas para transferência das moedas, pois, diante da falta de acesso, por vezes a falência poderá ser frustrada por falta de ativos, uma vez que sem a efetiva conversão em moeda nacional, não será possível realizar o rateio entre os credores.
Assim, em se tratando de investimentos, é imperativo buscar um equilíbrio entre uma regulamentação eficaz e a promoção da inovação no contexto das transações com criptoativos. Assegurar a proteção dos investidores, fomentar a transparência nas operações e prevenir ativamente fraudes são princípios essenciais que devem nortear a contínua progressão desse cenário dinâmico e em constante evolução.
Com o acelerado crescimento deste setor pensar formatos de proteção ao credor deve estar entre as prioridades da agenda do regulador.