Opinião e Análise

Luiza Leite

O anúncio do sistema CriptoJud pelo Conselho Nacional de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cnj">CNJ</a>) representa um marco significativo na regulação dos ativos digitais no Brasil, refletindo a crescente importância das criptomoedas no cenário financeiro global. Atualmente, uma parcela considerável da população mundial está envolvida em operações com <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/criptoativos">criptoativos</a>, e no Brasil, o número de usuários já ultrapassa a marca de 50 milhões.
O CriptoJud, que funcionará de maneira semelhante ao SisbaJud, permitirá o bloqueio de criptomoedas diretamente nas exchanges, expandindo a capacidade do Judiciário além do tradicional bloqueio de ativos financeiros em contas bancárias e carteiras digitais. Esta inovação posiciona o Brasil na vanguarda da regulação de criptoativos, alinhando-se aos padrões internacionais, como evidenciado pelo Acordo de Cooperação Técnica 133/2024, firmado entre o CNJ e a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCRIPTO).
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O referido acordo define compromissos e responsabilidades para ambas as partes. O CNJ e a ABCRIPTO comprometem-se a designar servidores para realizar atividades do acordo, fornecer suporte e esclarecer dúvidas. Ambas as partes devem monitorar e assegurar o desenvolvimento adequado das atividades, notificando imediatamente qualquer ocorrência que possa prejudicar a execução do acordo. A fiscalização será feita por representantes designados, que também deverão reportar falhas ou irregularidades. A ABCRIPTO fornecerá as chaves de acesso e suporte técnico para integrar seus sistemas à Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ).
O cronograma do Termo de Cooperação prevê, a partir de setembro de 2024, a Integração Tecnológica para facilitar a comunicação eletrônica entre o Poder Judiciário e as Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAV). Também está planejado o lançamento do Sistema (Módulo Ofícios), que disponibilizará o Sistema Brasileiro de Interligação do Mercado de Criptomoedas, Criptoativos e Ativos Digitais ao Poder Judiciário em uma versão beta para um grupo de participantes selecionados. A adesão das PSAVs será incentivada por meio da publicação de uma instrução normativa recomendando o cadastramento de todas as PSAVs ao sistema.
O Módulo Custódia, previsto para lançamento em julho de 2025, desenvolverá e integrará o módulo de custódia de criptoativos no sistema, aprimorando a gestão desses ativos pelo Judiciário.
Um dos principais fundamentos dessa evolução regulatória é a adesão do Brasil ao Crypto-Asset Reporting Framework (Carf), uma diretriz da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Carf estabelece um modelo de intercâmbio automático de informações sobre ativos digitais, com o objetivo de padronizar e facilitar o compartilhamento de dados financeiros entre os países membros da OCDE.
Essa estrutura visa combater a evasão fiscal e aumentar a transparência nas transações de criptoativos, garantindo um maior controle das movimentações financeiras internacionais pelos governos. A adesão do Brasil ao Carf reafirma seu compromisso em se integrar a um ambiente regulatório global sofisticado, prevenindo o uso inadequado das criptomoedas para práticas ilícitas como a lavagem de dinheiro e a sonegação fiscal.
Além do Carf, a Receita Federal do Brasil desempenha um papel crucial no controle das transações com criptoativos. A Instrução Normativa 1888/2019 exige que todas as exchanges de criptomoedas no Brasil reportem informações detalhadas sobre as movimentações de seus usuários, incluindo a quantidade e o valor das transações realizadas. Esta normativa visa assegurar a fiscalização tributária, proporcionando maior visibilidade para as autoridades sobre o mercado cripto e permitindo um controle mais efetivo sobre o cumprimento das obrigações fiscais.
O CriptoJud, ao permitir o bloqueio de criptomoedas diretamente nas exchanges, trará impactos significativos em áreas como processos de execução fiscal, cíveis e falências. A penhora de criptomoedas, por exemplo, poderá ser uma ferramenta eficaz para garantir a satisfação de créditos em processos de execução. A ausência de um mecanismo para o bloqueio direto de ativos digitais até agora dificultava a recuperação de dívidas, especialmente quando o devedor ocultava ou transferia recursos para o ambiente digital. O novo sistema oferece uma solução para esses desafios, ampliando o alcance do Judiciário no bloqueio de ativos financeiros em um ambiente digital.
Nos processos de falência, o CriptoJud também terá um papel estratégico. A recuperação de ativos em casos de insolvência frequentemente enfrenta barreiras devido à dificuldade em localizar e liquidar criptoativos não vinculados a sistemas financeiros tradicionais. Com o novo sistema, as exchanges poderão ser obrigadas a fornecer informações e bloquear recursos de falidos, facilitando a arrecadação de bens para pagamento de credores.
Isso pode reduzir o tempo e a complexidade dos processos falimentares, além de aumentar a eficácia na recuperação de valores. A capacidade de bloquear criptoativos, especialmente em um mercado com valor significativo, pode transformar significativamente a condução dos processos de falência no Brasil.
No entanto, a implementação do CriptoJud levanta questões importantes sobre o equilíbrio entre a regulação e a preservação da privacidade e autonomia dos usuários de criptomoedas. O ecossistema de criptoativos foi construído com base na descentralização e na ausência de intermediários, o que levanta questionamentos sobre a complexidade operacional do CriptoJud e sua eficácia no bloqueio de ativos digitais.
Diferente dos sistemas bancários tradicionais, as criptomoedas operam em redes descentralizadas e muitos usuários armazenam seus criptoativos em carteiras privadas, fora do alcance das exchanges centralizadas. Isso limita a eficácia do CriptoJud, já que o bloqueio só seria possível nas corretoras registradas. Além disso, usuários mais experientes podem transferir ativos para carteiras privadas ou exchanges em outros países, dificultando o rastreamento e bloqueio desses valores.
A introdução do CriptoJud deve ser cuidadosamente avaliada para evitar que se torne um obstáculo ao desenvolvimento do mercado de criptomoedas no Brasil, que ainda está em expansão e oferece oportunidades significativas de inovação e crescimento econômico. A ampliação do controle estatal sobre as transações de criptoativos pode diminuir a atratividade do Brasil como mercado competitivo, levando à possível migração de negócios para jurisdições com regulamentações mais flexíveis.
Outro ponto crítico é a ausência de uma regulamentação clara e abrangente sobre o mercado de criptomoedas no Brasil, o que pode gerar insegurança jurídica na aplicação do CriptoJud. Embora o Banco Central seja o responsável pela regulação do setor, ainda não há uma estrutura normativa consolidada para as exchanges, o que pode gerar ambiguidades na aplicação do sistema. Sem regras claras e bem definidas, podem surgir divergências na interpretação das normas e dificuldades na execução de ordens judiciais pelas plataformas de criptoativos.
Apesar desses desafios, o CriptoJud representa um avanço significativo no controle dos criptoativos no Brasil e promete trazer benefícios importantes para a execução de ordens judiciais em processos de execução e falência. O sistema se insere em um contexto mais amplo de adaptação às normas internacionais, como o Carf, e de fortalecimento da fiscalização tributária pela Receita Federal, conforme previsto na IN 1888/2019.
O grande desafio será garantir que essa nova estrutura regulatória mantenha um equilíbrio adequado entre inovação tecnológica e proteção dos direitos individuais, sem sufocar o desenvolvimento de um mercado em expansão que oferece oportunidades econômicas substanciais para o país.

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JOTA

Nova estrutura regulatória deve manter equilíbrio adequado entre inovação tecnológica e proteção dos direitos individuais

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