Opinião e Análise

Eduardo Bruzzi

Aylton Gonçalves

Segundo o Relatório de Economia Bancária de 2020, publicado no dia 31 de agosto de 2021 <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, as instituições de pagamento (IPs) não ligadas/controladas por bancos do S1 <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> tiveram o volume de depósitos em conta de pagamento pré-paga aproximadamente seis vezes maior no terceiro trimestre de 2020 em comparação ao mesmo período de 2018.
Em relação aos cartões emitidos pelo mesmo grupo de IPs, o número de pós-pagos ativos mais que dobrou em 2019 e representou 10% de todo o Sistema Financeiro Nacional (SFN), atingindo R$ 58 bilhões em valores de transações. Quanto aos instrumentos pré-pagos, o número de ativos representou aproximadamente metade de todos os ativos do SFN nessa categoria em 2019, movimentando quase R$ 20 bilhões.
Esses números, já bastante significativos, tendem a crescer nos próximos anos, representando ainda maior market share das IPs, principalmente por conta de recentes iniciativas normativas, que, com foco na inclusão e na competitividade (pilares da Agenda BC#), permitem a essas instituições expandir a carteira de serviços prestados. É o que se observa, por exemplo, da nova regulação de câmbio, ancorada na Resolução CMN nº 4.942/2021, na Resolução BCB nº 137/2021 e na Resolução BCB nº 148/2021, a qual passou a permitir que IPs autorizadas a funcionar pelo BCB operem em câmbio.
Tal crescimento da indústria de pagamentos faz surgir cada vez mais e melhores oportunidades de negócios envolvendo instituições de pagamento. No entanto, essas oportunidades são rotineiramente mitigadas por conta da carga regulatória que incide na prestação de modalidades de pagamento.
Em primeiro lugar, seja para submissão de pedidos de autorização ou para a operação no dia a dia, é preciso que a IP conte com todos os requisitos societários descritos pela norma de pagamentos, destacadamente pelas Resoluções BCB nº 80/2021 e 81/2021. Dessa maneira, com vistas a proporcionar melhor aderência à regulação de pagamentos, destacamos abaixo os principais aspectos a serem observados por sociedades que são (ou almejam se tornar) uma instituição de pagamento. 
<h3>1) Capital mínimo</h3>
As instituições de pagamento precisam integralizar em moeda corrente e manter o capital mínimo de R$ 2 milhões por cada modalidade de pagamento em que prestarem serviços, com exceção da modalidade de iniciação de transação de pagamento, para a qual a instituição deve integralizar R$ 1 milhão (artigos 17 e 18 da Resolução BCB 80/2021).
No caso de outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central que queiram prestar alguma modalidade de pagamento, há a necessidade de que observem, adicionalmente ao capital exigido pela norma de regência de sua atividade, os valores mencionados no parágrafo anterior, para cada uma das modalidades (artigo 20 da Resolução BCB nº 80/2021). Se essas instituições já operavam com modalidades de pagamento (com exceção da iniciação de transação de pagamento) antes de 3 de maio, data de entrada em vigor da Resolução BCB nº 80/2021, devem observar a integralização gradual, por modalidade, de R$ 1 milhão, a partir de 1º de junho de 2021; R$ 1,5 milhão, a partir de 1º de junho de 2022; e R$ 2 milhões, a partir de 1º de junho de 2023 (artigo 21 da Resolução BCB nº 80/2021).
<h3>2) Constituição/autorização</h3>
As instituições de pagamento podem escolher pela constituição como sociedade empresária limitada ou anônima, devendo ter, como objeto social: 1) disponibilizar serviço de aporte ou saque de recursos mantidos em conta de pagamento; 2) executar ou facilitar a instrução de pagamento relacionada a determinado serviço de pagamento, inclusive transferência originada de ou destinada a conta de pagamento; 3) gerir conta de pagamento; 4) emitir instrumento de pagamento; 5) credenciar a aceitação de instrumento de pagamento; 6) executar remessa de fundos; 7) converter moeda física ou escritural em moeda eletrônica, ou vice-versa, e credenciar a aceitação ou gerir o uso de moeda eletrônica; e/ou 8) outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central (artigo 5º da Resolução BCB nº 80/2021 c/c artigo 6º, inciso III da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12865.htm">Lei 12.865/2013</a>).
Essas instituições têm a possibilidade de prestar uma ou mais modalidades de pagamento, quais sejam de 1) emissora de moeda eletrônica (como cartões pré-pagos), 2) emissora de instrumento de pagamento pós-pago (como cartões de crédito), 3) credenciadora (as responsáveis por point of sales ou “maquininhas”) e 4) iniciadora de transação de pagamento – como fazem, por exemplo, Quanto e Facebook Pay, auxiliando na conexão entre usuários finais e instituições financeiras e de pagamentos (artigo 3º da Resolução BCB nº 80/2021).
A atuação em quaisquer dessas modalidades exige autorização a ser obtida em processo de submissão de pedido encaminhado ao Banco Central, a depender de marcos temporais e de volumetria de recursos transacionados (artigo 9º e ss. da Resolução BCB nº 80/2021).
A IP autorizada pelo Banco Central a prestar serviço como emissora de moeda eletrônica, emissora de instrumento de pagamento pós-pago ou credenciadora é dispensada de solicitar autorização para atuar em outra das modalidades de pagamento (incluindo a de iniciadora de transação de pagamento), se houver previsão estatutária ou contratual de que a atividade faz parte do objeto social da instituição, respeitando o prazo de 90 dias de antecedência para informar ao Banco Central da intenção de nova prestação de serviço (artigo 14 da Resolução BCB nº 80/2021).
No caso das IPs que optem pelo tipo societário de sociedade limitada, há a necessidade de que prevejam, em seus contratos sociais, a aplicabilidade supletiva da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm">Lei 6.404/76</a> (Lei das S.A.), inclusive no que diz respeito à retenção de lucros e à constituição, reversão e utilização de reservas (artigo 5º, §3º, da Resolução BCB nº 80/2021). Além disso, os contratos sociais devem prever que:
<ol>
<li>o mandato dos administradores terá prazo determinado, não superior a quatro anos, admitida a recondução;</li>
<li>o mandato dos administradores estender-se-á até a posse dos seus substitutos;</li>
<li>a administração da instituição de pagamento será exercida por, no mínimo, três administradores (artigo 7º da Resolução BCB nº 80/2021).</li>
</ol>
Embora seja obrigatória a aplicação supletiva da Lei das S.A. às IPs constituídas como sociedades limitadas, é facultativa a constituição de Conselho de Administração e de Conselho Fiscal no âmbito dessas instituições (artigos 1.060, 1.061 e 1.066, do CC/02, c/c artigo 7º da Resolução BCB nº 80/2021). Nas IPs sociedades anônimas, há a obrigatoriedade de indicação, via estatuto social, da constituição e da composição de tais órgãos (artigos 138, §2º e 166, ambos da Lei das S.A.).
<h3>3) Administração</h3>
Independentemente do tipo societário adotado, as instituições de pagamento devem possuir, como administradores, pessoas naturais que 1) declarem possuir conhecimento do ramo do negócio, do segmento em que a instituição pretende operar, da dinâmica de mercado, das fontes de recursos operacionais, do gerenciamento das atividades e dos riscos a elas associados; 2) comprovem capacidade técnica compatível com as funções a serem exercidas no curso do mandato; 3) comprovem possuir reputação ilibada; e 4) residam no Brasil (artigos 2º, incisos VI, VII e VIII; 9º; 10 e 11, inciso I, todos da Resolução BCB nº 81/2021).
<h3>4) Composição societária</h3>
Podem participar da composição societária das instituições de pagamento pessoas naturais e/ou jurídicas (nacionais ou estrangeiras). A regulação de pagamentos oferece, no entanto, restrições às pessoas que exerçam controle das IPs <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, as quais devem ser: 1) pessoas naturais, 2) instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, 3) instituições financeiras ou assemelhadas com sede no exterior e/ou 4) pessoas jurídicas sediadas no Brasil que tenham por objeto social exclusivo a participação societária em instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central (artigo 7º da Resolução BCB nº 81/2021).
Desta forma, há limitação à participação de pessoas jurídicas estrangeiras na formação do capital de IPs, restrita ao percentual de 75% do capital votante, individualmente ou em grupo, com exceção somente às instituições financeiras ou assemelhadas. Trata-se aqui de hipótese regulatória distinta da tratada no âmbito da Circular BACEN nº 3.977, de 22 de janeiro de 2020, a qual reconhece "como de interesse do governo brasileiro a participação, no capital de instituições financeiras com sede no país, de pessoas naturais ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior".
<h3>Aspectos conclusivos</h3>
Do ponto de vista societário, a instituição de pagamento que observar as determinações expostas estará o mais próxima possível de ser considerada payment/banking compliant.
Nota-se, a partir da entrada em vigor das Resoluções BCB nº 80/2021 e 81/2021 e do conjunto normativo publicado pelo Banco Central no biênio 2020-2021, que a regulação de pagamento tende a ser cada vez mais baseada no risco do negócio, estabelecendo diretrizes principiológico-normativas às sociedades IPs, sem parâmetros engessados como os do passado, algo que tende a fomentar a criação e expansão de produtos e serviços no mercado de pagamentos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em <a href="https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/relatorioeconomiabancaria/reb_2020.pdf">https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/relatorioeconomiabancaria/reb_2020.pdf</a>. Último acesso em 22 nov. 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Entendem-se como bancos do S1 as instituições enquadradas no Segmento 1 da Resolução CMN nº 4.553/2017, que estabelece a segmentação do conjunto das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central para fins de aplicação proporcional da regulação prudencial.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Nos termos do artigo 6º da Resolução BCB nº 81/2021, pessoa que, individualmente ou em conjunto com demais integrantes de grupo de controle de que participe, detenha direitos de sócio correspondentes à maioria do capital votante de sociedade anônima ou a 75% do capital social de sociedade limitada.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Sempre que houver transferência ou alteração, direta ou indireta, de controle em instituição de pagamento, apta a implicar mudança do quadro de pessoas que exercem a efetiva gestão dos negócios, é necessário que se encaminhe pedido de autorização ao Banco Central (artigo 8º da Resolução BCB nº 81/2021).

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JOTA

Regulação de pagamento tente a ser menos engessada com as Resoluções BCB 80/2021 e 81/2021

Aspectos societários das instituições de pagamento

Regulação das instituições de pagamento tente a ser menos engessada com as Resoluções BCB 80/2021 e 81/2021