Opinião e Análise

Luiza Leite

Gustavo Costa

Há poucos meses do início de 2019 a Apple já realiza o lançamento de um novo produto. Desta vez, anunciaram o Apple Card, uma fintech desenvolvida, que promete redefinir o conceito de meios de pagamento por cartões, bem como a utilização de intermediários para transações bancárias. Como diferencial de outras fintechs existentes, a companhia divulgou que todos os dados bancários ficarão armazenados dentro do aparelho celular iPhone do cliente a fim de garantir maior segurança ao usuário. Considerando o histórico de vazamento de dados da Apple nos últimos anos, algumas questões quanto a proteção de dados deve ser abordada a fim de melhor recepcionar este serviço no mercado.
A expectativa da marca com o desenvolvimento desta inovação é reassumir a liderança no mercado, após uma queda assombrosa de mais de 72 bilhões de dólares em seu valor de mercado no início do ano, após lançamento frustrado do novo modelo de iPhone, guerra comercial e desaceleração da economia chinesa no último trimestre do ano anterior.
<ul class="jota-article__internal-links">
<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/assine">Assine o JOTA e não deixe de ler nenhum destaque!</a></li>
</ul>
A tecnologia base utilizada pelo Apple Card já está difundida no setor bancário e financeiro – possuindo como concorrente, por exemplo, o Samsung Pay para dispositivos Android – sendo a maior publicidade do marketing do serviço, a segurança de dados, já que a publicidade de cashback é largamente utilizada por outras fintechs. Esta nova venture conta com parceria do banco norte-americano Goldman Sachs e a bandeira MasterCard, que irá realizar a emissão dos cartões, ainda que o meio físico não seja necessário para a utilização dos serviços, residindo aí a tecnologia financeira em si.
Além desta parceria bancária, o Apple Card alega avançar sobre os concorrentes de serviço similar, pois o armazenamento dos dados bancários se realizará no espaço virtual largamente conhecida pelos usuários da marca, o iCloud. A companhia anunciou ainda, que não manterá, nem terá acesso às transações realizadas pelos usuários do serviço, a fim de garantir a privacidade dos clientes.
No entanto, por mais apelativo que seja esta ideia, a inovação da Apple parece decepcionante, pois, em vez de reconhecer o impacto das criptomoedas nos novos meios de pagamento (como a Samsung Pay, que oferece uma carteira de Bitcoins junto de seu serviço), apelando para o mercado mais jovem, o fabricante de smartphones tem como objetivo apenas ingressar no setor de cartões de crédito. A inovação da empresa não vem de transações sem fronteiras – considerando que só está disponível nos Estados Unidos – e também não oferece uma rede peer-to-peer, nem elimina a necessidade de uma empresa intermediária na relação bancária, ou reduz significativamente as taxas de utilização, a fim de atrair clientes.
Assim, se reduz apenas à bandeira da segurança de dados, suscitando, então, a questão de se de fato esta proteção poderá ser garantida, levando em conta que em 2013 houve o vazamento de quase 13mil contas do iCloud e no ano seguinte a nuvem de diversas celebridades foram hackeadas, originando grande mobilização dos especialistas da companhia para aperfeiçoar o sistema de defesa de dados dos usuários. No entanto, em janeiro do presente ano, houve diversas acusações de roubo de tokens de acesso de contas do iCloud, fato que a Apple nega até o momento.
Ocorre que, em se tratando de departamentos financeiros, alguns aspectos devem ser observados quando falamos da segurança de dados. Isso pois, desde o advento das novas diretrizes para proteção de dados ao redor do mundo, os usuários passaram a ter direitos e as companhias, deveres que anteriormente não existiam. Dessa forma, gerenciar e acessar os dados pessoais tornar-se-á cada vez mais comum mediantes essas normativas.
Dessa forma, as organizações devem se preparar para permitir o acesso do usuário aos seus dados, assim como a modificação, exclusão e anonimização dos mesmos. Para isso, essas devem manter um arquivo de faturas bem gerenciado, da mesma maneira que serão obrigadas a armazenar registros internos de processamento de dados, e destruir todos e quaisquer dados solicitados pelos clientes.
Entretanto, o fato de a Apple anunciar um produto no qual ela não manterá, nem terá acesso às transações realizadas pelos usuários do serviço, a fim de garantir a privacidade dos clientes, nos faz levantar alguns questionamentos. Primeiramente, até que ponto o não acesso às informações dos clientes assegura os direitos dos usuários perante a esses dados. Explicamos, uma vez que os dados existem e estão armazenados em uma nuvem da empresa, o usuário pode a qualquer tempo solicitar o acesso aos seus dados pessoais ali presentes, assim como sua modificação, exclusão, portabilidade ou anonimização. Nesse sentido, a companhia não tendo acesso e ficando a cargo do cliente proceder com tais ações, abrir-se-ia margem para possíveis fraudes.
Em segundo lugar, no Brasil, se torna relevante analisar a visão do Banco Central no que se refere aos efeitos do ingresso de novos players sobre a estabilidade do sistema financeiro. Isso pois, não se sabe ao certo em que medida o ingresso desses players e a maior competição bancária, com participantes que estão fora do sistema financeiro como as FinTechs e BigTechs, poderá gerar mais instabilidade.
A questão é como cobrar que esses atores que não fazem parte do sistema financeiro estejam em conformidade com as diretrizes do Bacen sem burocratizar a entrada dessas novas organizações na economia. Um primeiro passo pode ser por meio do mapeamento da entrada desses personagens no mercado financeiro pelos reguladores, de maneira a evitar que estes estejam a margem da regulação e gerem instabilidade no setor que atinge o consumidor final.
Resta-se claro, então, que há uma grande área cinzenta sobre a atuação de organizações como a Apple, que não são originalmente empresas de cunho financeiro, mas que estão se inserindo nesse setor por serem BigTechs. Com isso, é necessário que os reguladores voltem a atenção para esse fenômeno de forma a garantir que a inserção desses novos serviços venha acompanhada do cumprimento dos regramentos impostos pelo setor e, ao mesmo tempo, cuidem para não atingir negativamente clientes e consumidores.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Há uma área cinzenta sobre atuação de organizações que não são originalmente empresas de cunho financeiro

Apple Card: questões regulatórias sobre a nova tecnologia financeira

Há uma área cinzenta sobre atuação de organizações que não são originalmente empresas de cunho financeiro