Opinião e Análise

Jean Marc Sasson

Anthony Novaes

Nos últimos anos, o mercado de seguros vem passando por intensas transformações sem, entretanto, perder sua essência e capacidade de investimento.
O seguro deixou de ser apenas um instrumento de compensação econômica das perdas sofridas pela ocorrência de sinistros<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e passou a ser também um agente influenciador nacional e internacional na promoção de fatores ambientais, sociais e de governança, seja por demanda do mercado ou regulatória, cujo crescimento está alinhado à agenda ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança).
Grande parte desta influência é promovida pelos fundos de pensão, que possuem grande relevância no mercado de capitais brasileiro por realizarem investimentos vultosos de longo prazo que visam a compor os recursos que responderão pelo pagamento de benefícios aos respectivos participantes quando se aposentarem.
Nesta linha, o mercado securitário começa a compreender que a adoção dos padrões ESG é atualmente uma vantagem competitiva, justamente por representar bons indicadores de performance e do propósito por detrás da marca. Espera-se das empresas que os adotem uma maior capacidade de geração de valor a longo prazo para toda a sua cadeia de ativos e de identificação, avaliação e mitigação de riscos que possam expor e afetar os seus próprios negócios.
Não à toa, entidades setoriais como a Global Federation of Insurance Associations (GFIA) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> têm se manifestado para destacar a importância da agenda ESG para o mercado segurador e tomado passos em direção à sua concretização.
A bem da verdade, o ESG está no DNA do mercado de seguros, tendo em vista se tratar de uma atividade ligada essencialmente à análise de risco e que demanda a divulgação regular de informações fidedignas e verossímeis para a contratação de seguros, e um crescente portfólio de investimentos sustentáveis para as empresas do ecossistema segurador<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
À propósito do gerenciamento de riscos, as seguradoras fazem parte de uma cadeia operacionalizada de variadas formas, sendo a principal delas a contratação de seguros, que permite transferir os riscos das empresas para as seguradoras e, nesta condição, confere maior tranquilidade e permite o desempenho das atividades econômicas com a devida subscrição de riscos.
Assim, em que pese ser altamente provável que as carteiras de seguros existentes já contemplem riscos ESG, continua necessária uma análise permanente e proativa dos ativos, portfólios e do perfil dos clientes para prevenção ou mitigação dos riscos.
<blockquote class="jota-article__eye">Por exemplo, o país onde o risco está localizado é um grande fator de influência para a gravidade do risco ESG. Um país que desrespeita os direitos humanos ou não possui legislação ambiental ou trabalhista adequadas certamente representa um risco de maior intensidade.</blockquote>
Neste aspecto, é muito comum a definição de uma lista de países de alto risco, o que poderia servir de parâmetro para uma abordagem semelhante com critérios ESG. Por outro lado, o cliente ou projeto ter tomado ou não as devidas medidas para mitigar a chance de ocorrência de sinistro poderá influenciar a aceitação do risco. Neste contexto, já se encontram disponíveis no mercado produtos que auxiliam na avaliação e mitigação de riscos socioambientais.
Os seguros para riscos ambientais, por exemplo, podem cobrir desde custos de limpeza e descontaminação até danos corporais e materiais causados pela poluição decorrente das atividades econômicas desenvolvidas pelas empresas. Incluem também despesas de contenção e salvamento de sinistros, custos de defesa do segurado (cível, criminal e administrativa), dano moral ambiental coletivo e lucros cessantes do segurado e de terceiros, caso o local atingido pelo sinistro seja paralisado até que haja recuperação integral.
No tocante à reparação do dano ambiental, os seguros podem cobrir a avaliação da área suspeita de contaminação, a respectiva investigação, a recuperação da área degradada, a reabilitação do local atingido, a elaboração de projeto de recuperação e a neutralização dos efluentes precedendo a sua disposição final adequada.
No contexto de governança, os seguros D&amp;O (directors and officers) – de responsabilidade civil de diretores e administradores – e E&amp;O (errors and omissions) – de responsabilidade civil profissional - também possuem um papel fundamental, ao cobrir os riscos advindos de atos de gestão (D&amp;O) e potenciais perdas financeiras em razão de falhas profissionais decorrentes de ação ou omissão na prática profissional desenvolvida pelo segurado.
O seguro E&amp;O é mais específico, conforme a atividade e o perfil de cada profissional, ao passo que o seguro D&amp;O é voltado para pessoas em cargos de alta gerência, incluindo diretores, conselheiros, gerentes, administradores e executivos de maneira geral, trazendo proteção para danos causados no desempenho dos respectivos cargos, incluindo os custos dos honorários advocatícios para defesa em processos e procedimentos (os custos de defesa).
No âmbito social, seguradoras estão lançando produtos para públicos excluídos do mercado, a exemplo dos microsseguros, com preços acessíveis para públicos que frequentemente não possuem acesso a esses produtos, como classes sociais desfavorecidas ou idosos com doenças graves.
Paralelamente à disponibilização de produtos específicos para a prevenção e cobertura de riscos, os aspectos relacionados à inclusão e diversidade nos quadros dos órgãos da administração pública e das empresas do setor de seguros vêm ganhando cada vez mais espaço.
Reivindica-se maior presença e representatividade de mulheres, negros, pessoas LGBTQIA+ e outras minorias, ao passo que a discussão sobre a adaptabilidade do setor aos crescentes riscos climáticos está no topo das preocupações do mercado de seguros.
Com efeito, o risco climático é apontado como o principal risco emergente pelos especialistas ouvidos na pesquisa incluída no AXA Future Risks Report 2021<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, que indica os principais riscos que tendem a estar no centro das atenções do mercado de seguros pelos próximos cinco a dez anos.
Ademais, iniciativas de adesão voluntária apoiadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), como os Principles for Responsible Investment (PRI), os Principles for Sustainable Insurance (PSI) e, mais recentemente, o Application Paper on the Supervision of Climate-related Risks in the Insurance Sector de 2021 – com orientações estabelecidas pela Associação Internacional de Supervisores de Seguros (IAIS) –, auxiliam as empresas do setor de seguros na tomada de decisões para construção de um futuro mais sustentável.
Alguns exemplos são a alocação apropriada de responsabilidades de fiscalização e gerenciamento, a integração dos riscos relativos ao clima ao escopo do sistema de gerenciamento de riscos e maior atenção aos riscos climáticos na subscrição de riscos, com monitoramento constante da exposição a esse tipo de risco<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Neste contexto, iniciativas regulatórias começam a surgir no âmbito interno. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) manifestou-se no sentido de simplificar o formulário de referência das empresas de capital aberto e, ao mesmo, tempo, conferir maior foco e transparência às informações relativas a questões ESG, o que é vital para a realização confiável de investimentos.<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>
De igual forma, o plano de regulação da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) para 2021 prevê o desenvolvimento de uma Política de Responsabilidade Socioambiental<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, incluindo estudos e propostas de normas para o aprimoramento da gestão de riscos ESG, de forma a trazer mais transparência sobre a exposição a riscos climáticos e criar critérios para classificar produtos sustentáveis, estimulando investimentos e operações.
Em vista disso, em 6 de dezembro de 2021, a SUSEP divulgou o Edital de Consulta Pública nº 44/2021, que trata dos requisitos de sustentabilidade que devem ser cumpridos pelo mercado segurador. Essa proposta de norma estabelece diretrizes para inclusão dos aspectos ESG e climáticos no mercado de seguros, equiparando o regulador brasileiro às jurisdições estrangeiros mais avançadas no tema.
Esse impacto não é sentido apenas no mercado securitário tradicional, mas também entre as empresas participantes do sandbox regulatório SUSEP, das quais se exige que os investimentos realizados observem critérios de “sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança”<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>. Dessa forma, a inovação trazida por esse ambiente regulatório flexível não se resume apenas aos produtos e serviços ofertados, mas atinge o mercado de forma holística e perene.
Pelo exposto, há um flagrante amadurecimento do mercado de seguros, que passou a entender o seu protagonismo na implementação da agenda ESG no Brasil e exterior através da análise acurada da saúde financeira e operacional das empresas e pela adoção de medidas que evitem a concretização do risco precípuas à atividade seguradora. Isto são a proteção e sustentabilidade caminhando lado a lado em benefício de toda a sociedade.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> LARRAMENDI, Ignacio H. de. Observações sobre o futuro do seguro privado. Revista do IRB, Rio de Janeiro, n. 161, 1967, pp. 43-44.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://cnseg.org.br/noticias/o-que-falta-para-o-mercado-esg-no-brasil-amadurecer.html">https://cnseg.org.br/noticias/o-que-falta-para-o-mercado-esg-no-brasil-amadurecer.html</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://www.bloomberg.com.br/blog/demanda-por-investimentos-em-esg-cresce-necessidade-de-dados-de-alta-qualidade-tambem-aumenta/">https://www.bloomberg.com.br/blog/demanda-por-investimentos-em-esg-cresce-necessidade-de-dados-de-alta-qualidade-tambem-aumenta/</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> AXA Future Risks Report 2021, vide <a href="https://www-axa-com.cdn.axa-contento-118412.eu/www-axa-com/31ddaea8-21a7-4c22-be16-bfecbb6301b7_FRR2021_EN_Vdef.pdf">https://www-axa-com.cdn.axa-contento-118412.eu/www-axa-com/31ddaea8-21a7-4c22-be16-bfecbb6301b7_FRR2021_EN_Vdef.pdf</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> <a href="https://www.iaisweb.org/page/supervisory-material/application-papers/file/97146/application-paper-on-the-supervision-of-climate-related-risks-in-the-insurance-sector">https://www.iaisweb.org/page/supervisory-material/application-papers/file/97146/application-paper-on-the-supervision-of-climate-related-risks-in-the-insurance-sector</a>
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> <a href="https://economia.estadao.com.br/noticias/governanca,cvm-quer-que-companhias-divulguem-dados-sobre-diversidade-e-remuneracao,70003544158">https://economia.estadao.com.br/noticias/governanca,cvm-quer-que-companhias-divulguem-dados-sobre-diversidade-e-remuneracao,70003544158</a>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Resolução SUSEP nº 2/2021.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Art. 32, V, da Resolução CNSP nº 381/2020, atualizada pela Resolução CNSP nº 417/2021.

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JOTA

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