Opinião e Análise

Ana Luiza Calil

Luiza Leite

A vida financeira dos consumidores fica cada vez menos física. Há tempos que esquecer a carteira em casa parece mais razoável do que esquecer o celular. Cartões digitais, saques com biometria, apps com dados de cobrança cadastrados, CNH digital. No universo de um smartphone circula uma infinidade de dados pessoais e sensíveis de uma pessoa. Hoje, no Brasil, são 197 milhões de acessos à banda larga móvel<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o que retrata a relevância da rede móvel no contexto nacional.
A evolução dos meios de acesso aos serviços bancários não poderia negligenciar esse número. Nos últimos anos, transações via apps aumentaram, instituições financeiras ampliaram seus serviços digitais, fintechs ganharam seu espaço no mercado. Mas uma grande mudança no cotidiano financeiro do consumidor está prestes a se consolidar. A implementação do Open Banking e do PIX (sistema de pagamentos instantâneos) pelo Banco Central (BCB) irá ampliar as funcionalidades das plataformas digitais, trazendo mais concorrência e inovação ao mercado.
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Ambos os mecanismos fazem parte da agenda regulatória<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> do Banco Central chamada Agenda BC#. A referida agenda foi pensada com o objetivo de ampliar a democratização financeira, dessa forma, visa desenvolver atividades em quatro grandes esferas de atuação: (i) inclusão, (ii) competitividade, (iii) educação financeira, e (iv) transparência.
E é na dimensão de competitividade que o PIX e o Open Banking se encaixam, com o objetivo de preparar o Sistema Financeiro Nacional (SFN) para um futuro tecnológico. Isso pois, o PIX vem com a proposta de possibilitar que as transferências de dinheiro ocorrem em tempo real, diretamente de uma conta do pagador para a conta do recebedor, podendo até mesmo substituir mecanismos como TED e DOC.
A partir desse novo sistema, limitações de tempo deixam de existir e nasce a possibilidade de se realizar transferências 24/7 e de forma instantânea, o que garante a disponibilidade do sistema, velocidade e o aumento de fluxo de dados. Com isso, haverá a ampliação de meios para possibilitar que o dinheiro circule de maneira digital e a qualquer momento.
O Open Banking, por sua vez, pauta-se no compartilhamento de informações bancárias, mediante o fornecimento do consentimento do consumidor. Com o intuito de diminuir a assimetria informacional existente no setor financeiro, através desse mecanismo, uma infraestrutura será criada para que seja possível a transferência de dados entre as instituições que prestem serviços financeiros.
<blockquote class="jota-article__eye">Por meio da abertura dessas informações, as empresas poderão conhecer melhor o perfil da pessoa que ainda não é seu cliente, e diante desta análise poderá disponibilizar serviços, créditos e produtos a valores mais atrativos. Espera-se que com esse movimento haja a redução dos preços e a sofisticação dos produtos.</blockquote>
Ocorre que, em se tratando dos aspectos práticos para execução desses dois mecanismos, esbarramos em alguns desafios, tanto culturais quanto estruturais. No âmbito cultural, percebe-se uma certa resistência do brasileiro à adesão de meios eletrônicos de pagamentos. No Brasil, 71% das pessoas têm o dinheiro em espécie como principal meio de pagamento e 30% da população adulta ainda recebe salário em dinheiro em espécie<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, o que pode dificultar o engajamento e adesão ao PIX.
Pelo fato de os consumidores estarem acostumados com um modelo centralizado, em que a as instituições são as detentoras e gestoras das informações dos correntistas é natural que boa parte deles ainda desconheça o movimento do Open Banking. Eles não se enxerguem como “donos” dos seus dados, ficando à margem desse novo sistema.
Quando se fala em aspectos estruturais, a qualidade da rede móvel no Brasil, pode ser um balde de água fria para todas as potencialidades que Open Banking e PIX podem representar. Diante da grande quantidade de fluxo de dados que se estabelecerá, a necessidade de uma infraestrutura móvel que suporte esse tráfego sem oscilações e quedas é iminente.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem conduzido esforços no sentido de viabilizar tal estrutura e melhorar a rede móvel no país. Um passo importante foi a publicação, em dezembro de 2019, do Regulamento de Qualidade dos Serviços de Telecomunicações (Resolução nº 717/2019), que uniformiza os indicadores para aferição e monitoramento.
Dois pontos devem ser destacados no novo regulamento: (i) a preocupação com a transparência e disseminação de dados de redes; e (ii) a inclusão da percepção do consumidor como critério de monitoramento (e não considerar apenas mensurações técnicas). O Regulamento ainda está em fase de implementação pela Agência e Operadoras.
Em paralelo, a estrela da agenda regulatória no setor de telecomunicações no Brasil é o leilão do 5G, promovido pelo Ministério das Comunicações em conjunto com a Anatel. A internet de quinta geração, ou 5G, tem o diferencial não só no ganho de velocidade, mas na redução da latência. A latência é o tempo de reação da rede ao comando e a sua redução garante mais efetividade e estabilidade no funcionamento de tecnologias.
O 5G representa uma oportunidade de consolidação do Open Banking e dos pagamentos instantâneos, seja nas transações ou nas possibilidades de criação de sistemas de segurança. O 5G abre caminhos para padrões de autenticação mais complexos, exigindo níveis de segurança mais altos para o fluxo de dados entre o dispositivo do usuário e o servidor de autenticação. Para o sistema financeiro, a criação de diversas camadas de segurança é essencial para garantir a confiança do consumidor e melhorar sua experiência com as plataformas.
A importância do projeto do 5G não é só pela introdução da tecnologia no Brasil. O edital do leilão prevê diversas obrigações que serão exigidas das operadoras vencedoras para constante melhoria da rede. Há uma preocupação de ampliar a acessibilidade à rede móvel, garantindo ao menos o acesso ao 4G em todo o território nacional. A expectativa é que o leilão ocorra em 2021.
Sistema financeiro e desenvolvimento da rede móvel caminham juntos para introdução de inovações no Brasil. É preciso compreender as novas tecnologias, sua regulação e seu desenvolvimento de forma sistêmica, para poder explorar as potencialidades que representam. A abertura concorrencial e as novas regras do mercado bancário serão revolucionárias no setor e esse movimento certamente será beneficiado da melhoria esperada na infraestrutura de telecomunicações.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Dados extraídos do painel da Anatel, de julho de 2020. Disponível em: &lt;https://www.anatel.gov.br/paineis/acessos/telefonia-movel&gt;. Acesso em 30 de agosto de 2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt;https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/bchashtag&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: &lt;https://valor.globo.com/financas/noticia/2019/10/04/para-71-dinheiro-e-principal-meio-de-pagamento.ghtml&gt;.

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