Opinião e Análise

Eduardo Bruzzi

A desconexão regulatória é o rompimento entre o arcabouço normativo-regulatório existente em face da nova realidade trazida pela inovação. Trata-se de fenômeno recorrente nos tempos atuais, por força da intensidade e da velocidade com que inovações tecnológicas têm surgido nos mais variados setores e mercados.
Dentro do guarda-chuva conceitual da desconexão regulatória, outros dois fenômenos se interligam e interagem: o descompasso e o timing regulatórios que, somados, podem ser considerados os principais desafios regulatórios à luz de inovações tecnológicas disruptivas.
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As preocupações ligadas ao descompasso regulatório (pacing problem) e ao timing regulatório se referem, respectivamente, ao intervalo de tempo entre o momento em que se evidencia a desconexão regulatória e a consequente resposta do regulador, e à análise relativa ao momento certo para intervir (caso se decida intervir).
Um sistema normativo-regulatório seria incoerente se não se baseasse em um conjunto de teorias e suposições gerais sobre seu contexto, objeto e propósito. O problema da desconexão regulatória surge quando, graças à inovação, alguns dos pressupostos que sustentam um determinado sistema não são mais verdadeiros, exigindo adaptação.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>
Não raro, a inovação tecnológica disruptiva não se encaixa adequadamente na estrutura normativa existente, tornando-a, por consequência, obsoleta sob determinado aspecto.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>
O surgimento de uma inovação tecnológica traz consigo não apenas a questão referente à necessidade de regulá-la, mas também do modo como se encaixa na estrutura legal e regulatória já existente. Em outras palavras, é preciso avaliar se a reconexão regulatória se dará por meio de acomodação daquela inovação nas normas regulatórias vigentes, ou se, ao contrário, será necessário criar uma nova regulação específica ou alterar uma norma já existente de forma a atender uma nova demanda regulatória desencadeada pela inovação.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>
Nesse contexto, um dos grandes desafios dos reguladores se refere a como responder a inovações tecnológicas que não se adequem à estrutura regulatória existente. Por conta disso, afirma-se que a inovação acarreta o efeito disruptivo na própria estrutura regulatória, dando ensejo à disrupção regulatória, segundo a qual o alvo da disrupção é o próprio arcabouço normativo-regulatório, e não apenas o mercado regulado em que tal inovação se manifesta.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>
O desafio da conexão regulatória é um dos aspectos relacionados ao dilema da inovação, pois envolve a incompatibilidade entre as normas legais e regulatórias em vigor, desenhadas para atender a um ambiente tecnológico do passado, e as inovações tecnológicas surgidas posteriormente, requerendo, portanto, constante reconexão. 
Tal fenômeno se apresenta tanto quando uma nova tecnologia ocupa um vazio regulatório (como as criptomoedas), como quando tecnologias antigas são aprimoradas e sofrem modificações que vão além das premissas contempladas pelos seus regimes regulatórios (tal como peer to peer lending e equity crowdfunding).
A partir da ocorrência da disrupção regulatória, é comum ocorrer o que a literatura chama de “square peg in a round hole situation”, isto é, a tentativa de compatibilizar a regulação já existente (potencialmente obsoleta e/ou incompatível) com uma inovação tecnológica que possivelmente exige uma atualização e/ou renovação do arcabouço normativo-regulatório estatal.
Como exemplo ilustrativo desse fenômeno, recentemente, o governador do Estado do Rio de Janeiro vetou projeto de lei que obrigava os usuários de patinete elétrico a realizarem prova no Detran caso não tivessem carteira de motorista.
Conforme afirmam Patrícia Baptista e Clara Keller, “o direito não é prospectivo, nem ativista. Sua tendência natural é procurar a solução das novas questões dentro do seu próprio arsenal de institutos”.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>
O ideal é que o regulador tenha capacidade de identificar o fenômeno inovador e seu potencial disruptivo, realizar um estudo técnico sobre suas características e os novos riscos e benefícios relacionados, e, por fim, determinar a eventual necessidade de adaptar a regulação existente ou, até mesmo, criar uma regulação inteiramente nova. Com isso, supera-se o estado de desconexão regulatória, dando azo à reconexão regulatória entre o arcabouço normativo e o mundo real.
No entanto, tão importante quanto dar efetividade à reconexão regulatória, é realizá-la de modo tempestivo, de forma a se observar o timing adequado, mitigando-se, ao máximo, o descompasso regulatório (pacing problem).
A relação de descompasso entre a legislação em vigor (em sentido amplo) e o processo de inovação tecnológica é inevitável.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote6sym" name="sdfootnote6anc">6</a> Há, inegavelmente, um lapso temporal natural entre a mudança tecnológica e sua respectiva resposta normativo-regulatória.
O processo de aceleração das inovações tecnológicas e o encurtamento dos ciclos de inovação nos mais variados setores e mercados fizeram com que o descompasso regulatório se tornasse um dos principais desafios regulatórios da atualidade.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote7sym" name="sdfootnote7anc">7</a>
Isso porque faz-se necessário verificar se estão presentes mecanismos aptos e adequados para identificar e, em sendo necessário, resolver as questões regulatórias advindas da inovação tecnológica. Trata-se, portanto, de analisar a capacidade de solucionar tempestivamente problemas envolvendo inovações tecnológicas.
Há, no entanto, uma importante etapa inicial que precisa ser cumprida, qual seja, a identificação do problema. O regulador precisa ser capaz de identificar o fenômeno inovador e o seu potencial disruptivo e, a partir daí, tomar as medidas cabíveis visando o melhor funcionamento do setor regulado, operando a desejada reconexão regulatória.
Para isso, faz-se necessário um estudo sobre o impacto de determinada inovação no ambiente regulado de forma a se concluir se existe um vácuo a ser preenchido ou uma desconexão a ser resolvida, ou até mesmo para se chegar à conclusão de que nada precisa ser feito naquele determinado momento.
Quanto maior a capacidade do regulador de antecipar tendências, maior a qualidade e a velocidade de suas respostas, mitigando o descompasso regulatório entre a velocidade implacável das inovações privadas e as respostas regulatórias estatais.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote8sym" name="sdfootnote8anc">8</a> O descompasso sempre existirá. O desafio é mitigá-lo e mantê-lo sob controle em tempos de ciclos de inovação cada vez mais curtos.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote9sym" name="sdfootnote9anc">9</a>
Neste ponto, ressalta-se o aspecto relacionado à capacidade institucional do órgão regulador de, antes de mais nada, verificar que uma inovação está em curso e que ela traz consequências relevantes para o setor regulado. Um dos instrumentos regulatórios capazes de permitir uma atuação prospectiva, antecipando tendências, são os sandboxes regulatórios, adotados por diversos órgãos reguladores ao redor do mundo, notadamente no mercado financeiro.
Nesse tipo de ambiente de teste controlado e supervisionado, o regulador pode verificar quais são os perfis de modelos inovadores que estão surgindo no mercado, bem como monitorar de perto o seu funcionamento, aprimorando, assim, os processos de tomada de decisão e de escolhas regulatórias.
O experimentalismo regulatório tem ganhado importância dentro do cenário de constante inovação tecnológica, principalmente no mercado financeiro. O uso de sandboxes regulatórios permite ao regulador ter acesso a inovações em seu estágio embrionário de desenvolvimento, dispondo, em tempo real, de informações prestadas pelo participante, bem como aos relatórios de acompanhamento inerentes ao programa de testes, tornando possível ao regulador aprimorar o arcabouço normativo-regulatório quase que concomitantemente ao lançamento de determinada inovação no mercado, reduzindo drasticamente o descompasso regulatório que poderia vir a se configurar.
A abordagem experimentalista do modelo de sandbox regulatório, aliada ao uso intensivo, inteligente e sistemático de dados através da implementação de tecnologia na estrutura regulatória governamental (big data analytics, inteligência artificial, etc.), torna possível ao regulador tomar decisões relacionadas a uma nova tecnologia de forma rápida e bem informada e, portanto, com mais segurança e previsibilidade.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 28/08/2019, publicou minuta de instrução dispondo sobre as regras de constituição e funcionamento de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório), por meio da Audiência Pública SDM n. 05/2019. Trata-se da primeira iniciativa regulatória brasileira de conotação experimentalista que, ao que tudo indica, será replicada no âmbito do Banco Central e da SUSEP, por força do escopo integrado da iniciativa IMK envolvendo os referidos órgãos reguladores e o Ministério da Economia.
Espera-se que a iniciativa se dissemine por outros setores, tendo em vista a crescente necessidade de que o próprio Estado, no exercício de sua função regulatória estatal, aplique soluções tecnológicas no processo de escolhas regulatórias, adotando novos instrumentos a serviço de uma administração pública digital, dinâmica e eficiente, evitando-se, ou ao menos mitigando-se, os efeitos danosos da disrupção regulatória.
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<a href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> FINCK, Michèle. Digital regulation: designing a supranational legal framework for the platform economy. London School of Economics and Political Science’s Law, Society and Economy Working Papers, n. 15, 2017. Disponível em: &lt;https://bit.ly/2PJR5kR&gt;. Acesso em 21 out. 2018, p. 2-3. MOSES, Lyria Bennett. How to think about law, regulation and technology: problems with ‘technology’ as a regulatory target. Law, Innovation and Technology, v. 5, p. 1-20, 2013, p. 18.
<a href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> CORTEZ, Nathan. Regulating disruptive innovation. Berkeley Technology Law Journal, v. 29, p. 175-228, 2014, 183.
<a href="#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym">5</a> BAPTISTA, Patrícia; KELLER, Clara. Por que, quando e como regular as novas tecnologias? Os desafios trazidos pelas inovações disruptivas. Revista de Direito Administrativo, n. 273, p. 123-163, set./dez. 2016, p. 128.
<a href="#sdfootnote6anc" name="sdfootnote6sym">6</a> RANCHORDÁS, Sofia. Constitutional sunsets and experimental legislation: a comparative perspective. Northampton, Massachusetts: Edward Elgar, 2014, p. 3-4. KAAL, Wulf. Dynamic regulation for innovation. University of St. Thomas (Minnesota) Legal Studies Research Paper v. 16-22. Disponível em &lt;<a href="https://ssrn.com/abstract=2831040">https://ssrn.com/abstract=2831040</a>&gt;. Acesso em 01 mai. 2018, p. 7.
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<a href="#sdfootnote8anc" name="sdfootnote8sym">8</a> MOSES, Lyria Bennett. Agents of change: how the law copes with technological change. Griffith Law Review, v. 20, p. 763-794, 2011, p. 763-764.
<a href="#sdfootnote9anc" name="sdfootnote9sym">9</a> FORD, Cristie. Innovation and the state: finance, regulation, and justice. New York: Cambridge University Press, 2017, p. 7.

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Por que o timing regulatório é importante?

Disrupção regulatória e inovação tecnológica

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