Opinião e Análise

Bruno Galvão

Ana Carolina Vidal

<p>No último dia 30, o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, realizou visita oficial ao recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A presença do governo alemão após oito anos da última visita oficial ao Brasil (Angela Merkel a Dilma Dilma Rousseff, em 2015) com uma comitiva de peso já é suficiente para mostrar a importância deste momento nas relações dos países.</p>
<p><a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-01/alemanha-anuncia-doacao-de-200-milhoes-de-euros-para-acoes-ambientais">Scholz afirmou</a> estar satisfeito com o retorno do Brasil à cena mundial e que o novo governo representa um novo capítulo nas relações entre os dois países, com destaque para o aprofundamento da cooperação em iniciativas de sustentabilidade ambiental e para o avanço do acordo comercial entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Europeia (UE).</p>
<p>A relação Brasil-Alemanha/UE é mutuamente estratégica. Os países-membros da UE, com destaque para a Alemanha, conjuntamente são o maior investidor estrangeiro e o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Já o Brasil é a economia mais forte da América Latina, ator indispensável do Mercosul e parceiro-chave para a efetividade da agenda europeia de enfrentamento à crise climática.</p>
<p>Mas em termos concretos, quais são os potenciais desdobramentos desse novo momento da relação Brasil-Alemanha/UE?</p>
<h3>Sustentabilidade</h3>
<p>O tema da sustentabilidade ambiental será a base da política externa brasileira no novo mandato, como anunciado pelo presidente Lula em diversos encontros internacionais desde que foi eleito. O Brasil é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo, tem enorme potencial e expertise para produção de energias renováveis e detém em seu território um terço das florestas tropicais remanescentes do mundo. Por isso, o compromisso do país com práticas sustentáveis, com a transição energética e com a preservação da floresta amazônica é indispensável para a eficácia do esforço global de combate à crise climática.</p>
<p>Em vista desse enorme desafio, há expectativa de mais cooperação e investimentos em projetos que promovam a transição para a economia verde, com destaque para energias e recursos renováveis, agricultura sustentável e preservação florestal. Particularmente, Scholz <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-01/democracia-brasileira-foi-capaz-de-resistir-diz-chanceler-alemao">salientou</a> que o tema central da cooperação será o futuro do suprimento energético da Europa, sendo o Brasil um importante ator por sua experiência com energias renováveis e seu potencial na produção de hidrogênio verde.</p>
<h3>Hidrogênio verde</h3>
<p>A Alemanha está investindo fortemente no fomento ao mercado internacional do hidrogênio verde, sob o esquema pioneiro chamado H2Global para compra de derivados de hidrogênio verde (H2V) de países de fora da UE e EFTA (sigla em inglês para a Associação Europeia de Livre Comércio, composta por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça).</p>
<p>A empresa HINT.Co é responsável pela conclusão de contratos de compra de longo prazo (dez anos) e contratos de venda de curto prazo, conduzindo procedimentos regulares de licitação de compra de H2V e derivados. O primeiro leilão foi iniciado em dezembro de 2022, sendo que os prazos para participação nas licitações são: 28 de fevereiro de 2023 para amônia verde e 21 de fevereiro de 2023 para metanol verde e e-SAF.</p>
<h3>Agropecuária sustentável</h3>
<p>Para simbolizar o compromisso da Alemanha em avançar nessa agenda, durante a visita oficial a ministra de Cooperação Econômica e do Desenvolvimento da Alemanha <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-01/alemanha-anuncia-doacao-de-200-milhoes-de-euros-para-acoes-ambientais">anunciou</a> a liberação de mais de R$ 1 bilhão para ações ambientais no Brasil. Os recursos serão distribuídos para o Fundo Amazônia, para projetos dos estados da Amazônia de proteção e de uso sustentável das florestas, para um fundo garantidor de eficiência energética para pequenas e médias empresas e para um projeto de consultoria de fomento de energias renováveis na indústria e setor de transportes.</p>
<p>A menção a programas de cooperação sobre o tema da produção agropecuária sustentável pode contribuir para fomentar discussões mais abertas com a Comissão Europeia dentro da estrutura do regulamento a ser aprovado sobre produtos livres de desmatamento. (sabia mais sobre o assunto <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/desmatamento-ue-busca-banir-subprodutos-de-terras-desmatadas-11122021">em texto anterior da coluna</a>). O regulamento teve seus termos aprovados entre Parlamento Europeu, Conselho de Ministros e Comissão Europeia e aguarda votação formal ainda no primeiro semestre pelo Parlamento Europeu. Quando ratificado, haverá a abertura de procedimento formal pela Comissão Europeia para discussões sobre o risco de cada país produtor (que impacta diretamente na intensidade da fiscalização) e para a estruturação de programas de cooperação que visem contribuir para a redução do desmatamento.</p>
<h3>Acordo Mercosul-UE</h3>
<p>O avanço do Acordo Mercosul-UE é outra pauta prioritária. O acordo comercial prevê a abertura do comércio de bens e serviços, além do acesso mútuo ao mercado de compras governamentais. É o maior acordo comercial da história, abrangendo um mercado consumidor de 780 milhões de pessoas e € 40 bilhões em transações comerciais.</p>
<p>Após 20 anos de tratativas, em 2019 as negociações foram concluídas, mas ainda aguardam aprovação dos parlamentos para entrar em vigor. Ocorre que, durante o governo de Jair Bolsonaro, houve resistência do Parlamento Europeu em ratificar o acordo por discordâncias em relação à condução da política ambiental brasileira. Agora, em vista do compromisso brasileiro em dar prioridade à pauta ambiental e à luz das tensões geopolíticas decorrentes da Guerra da Ucrânia e do conflito China-Taiwan, a UE parece mais interessada em avançar com o acordo.</p>
<p>O alto representante da UE para política externa, Josep Borrell, tem enfatizado que as relações econômicas da União Europeia com o Brasil não têm correspondido ao seu pleno potencial e destaca a importância do Mercosul e da UE selarem essa aliança estratégica, particularmente por terem interesses e valores comuns, o que os torna parceiros econômicos e políticos estáveis e fiáveis. Olaf Scholz <a href="https://www.reuters.com/world/germanys-scholz-sets-off-first-south-american-tour-boost-trade-environment-ties-2023-01-28/">aproveitou a visita</a> ao Brasil, à Argentina e ao Chile para reforçar a importância do acordo para ambos os blocos e convocar seus pares a dar uma definição rápida para a questão.</p>
<p>A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a sua contraparte alemã a Federação das Indústrias Alemãs (BDI, na siga em alemão) e a Comissão de Negócios Alemães da América Latina (LADW, na sigla em alemão) apresentaram uma <a href="https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/internacional/setores-industriais-do-brasil-e-da-alemanha-listam-5-prioridades-para-fortalecer-parceria-economica/">manifestação conjunta</a> na qual fizeram coro ao chanceler alemão sobre a importância de concluir o acordo Mercosul-UE, além de apresentarem quatro outras ações que as indústrias brasileira e alemã entendem prioritárias, a saber: modernizar o plano de ação da parceria estratégica entre os países (para abranger novas áreas de cooperação como descarbonização); negociar um novo acordo de dupla tributação; avançar na entrada do Brasil à OCDE; e promover iniciativas bilaterais de digitalização e da indústria 4.0.</p>
<p>O presidente Lula também se <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-01/lula-defende-mudancas-em-acordo-entre-uniao-europeia-e-mercosul">manifestou</a> sobre a relevância do acordo e garantiu que iria concentrar esforços para que o acordo fosse fechado ainda no primeiro semestre de 2023. Por outro lado, Lula adiantou o entendimento de que algumas partes do acordo negociado em 2019 deveriam ser revisitadas, de modo a evitar eventuais distorções que prejudiquem o setor industrial brasileiro. Lula expressou cautela em relação à abertura do mercado de compras governamentais por entender que são um importante mecanismo de fomento para pequenas e médias empresas nacionais, eixo estratégico de fomento ao desenvolvimento nacional.</p>
<p>O Brasil e a Alemanha se encontram em um momento único de convergência, propício para um aprofundamento das relações políticas e comerciais. Sem dúvidas há diferenças e obstáculos a serem superados, mas a sinalização de ambas as partes parece deixar claro que há grande intenção política de buscar soluções para os impasses e avançar na agenda de fortalecimento das relações bilaterais, o que trará enormes oportunidades de negócios para as empresas brasileiras, principalmente nos mercados envolvendo o hidrogênio verde e a agropecuária.</p>


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JOTA

Destaques da agenda são sustentabilidade, hidrogênio verde, agropecuária sustentável e acordo Mercosul-UE

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