Opinião e Análise

Ana Carolina Vidal

Bruno Galvão

O Regulamento Europeu relativo a Subvenções Estrangeiras (<a href="https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32022R2560&amp;from=EN">Regulamento (UE) 2022/2560</a>), conhecido em inglês como Foreign Subsidies Regulation (FSR), em vigor desde o final do ano passado, é um novo arcabouço regulatório destinado a examinar subvenções provenientes de países externos à UE que possam causar distorções competitivas no mercado interno, particularmente no contexto de fusões e aquisições, bem como em licitações públicas.
O racional por trás deste novo marco regulatório é de que tais subvenções podem conceder vantagens competitivas injustas a empresas baseadas em países terceiros, permitindo-lhes adquirir empresas ou garantir contratos públicos na UE em detrimento de empresas europeias. Isso ocorre porque, fora da UE, os programas de auxílio estatal são menos regulamentados do que na UE, onde existem regras rigorosas para os países membros. O FSR foi concebido para preencher essa lacuna regulatória, sujeitando as subvenções provenientes de países terceiros a um escrutínio similar ao aplicado às empresas europeias.
No âmbito do FSR, uma subvenção estrangeira é definida como uma contribuição financeira concedida por um país fora da UE que beneficia uma empresa ativa no mercado interno. Essas contribuições financeiras podem incluir uma variedade de formas, como transferência de fundos, injeções de capital, empréstimos, garantias, incentivos fiscais, entre outros. Além disso, as contribuições podem ser provenientes do governo central, de entidades públicas estrangeiras ou de entidades privadas cujos atos possam ser atribuídos ao país terceiro.
Com a implementação do FSR, o controle de operações de M&amp;A transfronteiriças no âmbito da UE agora se estabelece em um tripé regulatório. Em primeiro lugar, há o sistema de controle sob a <a href="https://competition-policy.ec.europa.eu/mergers/overview_en">ótica da concorrência</a>, que visa identificar os riscos associados ao aumento do poder de mercado. Em segundo lugar, aplica-se o sistema de controle de investimento estrangeiro direto (<a href="https://policy.trade.ec.europa.eu/enforcement-and-protection/investment-screening_en">Foreign Direct Investment - FDI</a>), que se concentra nos riscos relacionados à ordem pública e à segurança nacional. Em terceiro lugar, o FSR se posiciona para garantir equidade competitiva, buscando manter igualdade de condições entre empresas europeias e grupos econômicos estrangeiros.
Quando se aplicam as obrigações de notificação?
A obrigação de notificar ou declarar subvenções estrangeiras é acionada quando determinados critérios são atingidos por empresas operando na UE envolvidas em operações de M&amp;A ou licitações públicas.
Operações de M&amp;A envolvendo empresas europeias acionam uma obrigação de notificação quando dois critérios cumulativos são atingidos. Primeiro, o volume de negócios de pelo menos uma das empresas objeto da fusão, da empresa adquirida ou da joint venture estabelecida na UE deve exceder 500 milhões de euros na UE. Segundo, o montante de subvenções estrangeiras recebidas pelas empresas investidoras deve ultrapassar 50 milhões de euros nos três anos financeiros anteriores à conclusão do acordo, ao anúncio da oferta pública ou à aquisição de uma participação de controle.
No contexto das licitações públicas, a exigência de notificação prévia se aplica quando o valor estimado do contrato for igual ou superior a 250 milhões de euros, e o licitante, incluindo suas subsidiárias sem autonomia comercial e holdings, assim como os principais subcontratados ou fornecedores, receberam contribuições financeiras estrangeiras de pelo menos 4 milhões de euros por país fora da UE. Em casos de aquisições públicas por lotes, além dos critérios mencionados, o valor do lote ou a soma dos valores de todos os lotes aos quais o licitante se candidata deve ser igual ou superior a 125 milhões de euros.
Ainda no caso de licitações públicas, o FSR exige que empresas forneçam uma declaração enumerando as contribuições financeiras estrangeiras recebidas, sempre que o valor do contrato for superior a 250 milhões de euros, mesmo que o limite de 4 milhões de euros em contribuições financeiras por país estrangeiro não seja atingido.
Por fim, além das exigências de notificação prévia, a Comissão Europeia reserva a prerrogativa de investigar por iniciativa própria transações abaixo dos respectivos limites se suspeitar que um subsídio estrangeiro causa distorções no mercado único (procedimento ex officio).
<h3>Como se preparar?</h3>
O FSR requer que as empresas estabeleçam mecanismos internos de conformidade e monitoramento para rastrear todas as contribuições financeiras provenientes de países fora da UE, garantindo a prontidão das informações quando necessário. Esses mecanismos envolvem protocolos de coleta de dados e a utilização de ferramentas de software adequadas, dada a necessidade de obter informações financeiras abrangentes de todas as empresas do grupo econômico.
Para personalizar as informações a serem apresentadas conforme a necessidade de cada caso, é viável realizar uma consulta de pré-notificação à Comissão Europeia. Esse procedimento permite solicitar a dispensa de fornecer certas informações exigidas no formulário de notificação, dependendo da complexidade e sensibilidade do caso em questão.
<h3>Impacto para empresas brasileiras</h3>
Setores tradicionalmente altamente subsidiados, como as indústrias de base (aço, alumínio, matérias-primas essenciais), infraestrutura, transporte, energia e tecnologia, serão particularmente impactados. Embora exista uma percepção de que o FSR afetará na prática principalmente as empresas chinesas, o regulamento não faz distinções e os requisitos formais de notificação se aplicam igualmente a todas as empresas que operam na UE, independentemente da sua origem.
Isso impacta empresas estabelecidas no Brasil, de maneira geral, quando parte de um M&amp;A ou licitação na Europa, mas não apenas. As empresas brasileiras subsidiárias de empresas europeias que recebem subvenções do Brasil terão que reportar suas subvenções para as suas matrizes europeias  no contexto de transações e licitações em que estas forem parte. Importa ressaltar que o que o que deve ser computado é o que se entende por subvenções no regime europeu, e não na legislação brasileira.
Apesar das críticas em relação a mais esse ônus administrativo imposto aos agentes econômicos que desejam fazer negócios na UE, é importante destacar que o regulamento já está em vigor e o não cumprimento das exigências pode resultar em multas significativas, variando de 1% a 10% do faturamento bruto do ano fiscal anterior. Portanto, é crucial garantir uma preparação adequada para atender às novas exigências regulatórias e seus critérios de reporte.

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