Opinião e Análise

Alessandra Heloise Vieira

O <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/redefinindo-minha-carreira-em-tax/tributaristas-o-que-realmente-estamos-transformando-16012023">primeiro texto desta coluna</a> foi uma bela contribuição do Marcelo Brasil, proporcionando inúmeros insights. Confesso que quando li, fiquei reflexiva sobre o quanto nossa profissão exige múltiplas habilidades e constante revisão dos nossos planos de carreira.
De fato, estamos vivenciando um momento tão peculiar que estimula cada vez mais a necessidade de reinvenção de negócios, bem como o fortalecimento das relações humanas e de atitudes que contribuam significativamente no agora e que agreguem na construção robusta e contínua de um futuro melhor, mais inclusivo, diverso e sustentável. Esses temas foram abordados de forma recorrente na última edição da NRF (National Retail Federation), realizada em janeiro de 2023 em Nova York, nas palestras e painéis apresentados por referencias mundiais relevantes no segmento do varejo.
Estamos acompanhando a valorização da área de tax ao longo dos anos, que a colocou numa das posições mais estratégicas dos negócios devido a sua transversalidade em toda cadeia de valor, com impactos na forma de interface com cliente, nos modelos de negócio, bem como na roteirização e expansão das empresas. Conforme o <a href="https://archive.doingbusiness.org/pt/reports/global-reports/doing-business-2020">relatório Doing Business 2020</a>, publicado pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-mundial">Banco Mundial</a>, as empresas no Brasil tiveram, no ano de 2019, 65,1% dos seus lucros destinados ao pagamento de impostos e contribuições fiscais. Esse dado é uma variável considerável para qualquer empresa que queira perpetuar suas operações no Brasil e fortalece a importância e o apreço que a área de tax tem por desempenho dentro de qualquer organização. Portanto, é fato que os profissionais de tax precisam estar conectados com todos os potenciais desdobramentos que uma empresa gera em seu negócio, independentemente de seu segmento.
Diante desse panorama, no qual nossas vidas profissionais estão imersas, precisamos nos questionar se estamos de fato sendo protagonistas ou coadjuvantes em nossas carreiras, considerando as mudanças aceleradas, impulsionadas por toda a dinâmica da transformação digital, que remodela profundamente negócios e relações humanas. Precisamos ficar atentos para não deixar que o “piloto automático” fique permanentemente ligado e nos faça percorrer os dias na incessante corrida maluca que os desafios diários nos impõem, enquanto mantemos a sensação contraditória de que alguma mudança ocorrerá magicamente alterando nossa condição e nossa trajetória.
Mas, como identificamos que estamos com o “manche” de nossa carreira de fato em nossas mãos? Entendo que essa pergunta não seja tão fácil de responder. Olhar para os nossos exercícios de plano de carreira, nos quais existem as referências de onde deveríamos estar, ou melhor, de onde gostaríamos estar (dentro dos prazos de três anos, cinco anos, dez anos), talvez seja uma opção de caminho a perseguir. Mas, quais são os elementos que deveríamos considerar para saber se persistimos na rota traçada ou se é a hora de pivotar? Sinceramente, não vi ainda esse roteiro de sucesso pronto e embalado para consumo. Porém, convido o leitor a transbordar sua caixa de pensamento e permitir que eu apresente algumas reflexões.
A primeira que proponho é o exercício da coragem. Você pode até achar estranho, mas, de fato é preciso ter muita coragem para se esvaziar de todas as suas certezas e “saltar” para um novo patamar desconhecido até então. Para ser uma referência em tax é necessário ir além do técnico, é importante ter a habilidade de inovar, ser sociável e ter atitude colaborativa. Quando falamos de “redefinição de carreira”, como essa coluna propõe, é necessário aguçar o pensamento crítico e dar uma boa olhada em onde você está e onde você quer de fato chegar, considerando todos os desafios postos no contexto atual. Vale incluir ainda a busca da autoconsciência e de quais são suas motivações, manter o cuidado verdadeiro com sua saúde mental, com seus amigos e com o bem mais precioso: a família.
Um dos pontos relevantes sobre coragem é que, para ela existir, não deve haver necessariamente a ausência do medo, ou ainda da vergonha. Coragem também é a busca pela consciência de si mesmo, a compreensão das suas incertezas e fragilidades, com o objetivo de traçar um plano de enfrentamento ou mesmo de contorno para seguir adiante. A professora e pesquisadora Brené Brown, em seu livro "A coragem de ser imperfeito", compartilha uma de suas frases mais impactantes:
<blockquote class="jota-article__citation">“Somente quando temos coragem suficiente para explorar a escuridão, descobrimos o poder infinito de nossa própria Luz”. </blockquote>
Para assumirmos o papel de protagonistas em nossas carreiras precisamos identificar as nossas habilidades, nossos potenciais, entender genuinamente o que fortalece os vínculos que valorizamos e o que tem relação direta com o nosso propósito. E para todos esses elementos é essencial o exercício da coragem, dar aquela boa e velha olhada sobre si mesmo e para quem você é e o que realmente te dá alegria. Com a capacidade de nos reconhecermos, temos a possibilidade de agregar valor com excelência, e assim conquistar o tão almejado patamar de relevância, não apenas para as empresas nas quais trabalhamos, mas para as pessoas com quem nos relacionamos.
Na NRF 2023, uma das abordagens mais constantes foi sobre os colaboradores. Basicamente, 80% do conteúdo apresentado fez referência à importância de um time não de especialistas, mas de gente com habilidade social, gente que gosta do que faz e se identifica com o que entrega. E para isso as empresas estão investindo cada vez mais em capacitação e estímulos à inovação por meio da gestão da vulnerabilidade que todos precisam abraçar para chegar no degrau da inovação, da entrega diferenciada, da relevância. É preciso coragem para expor novas ideias, é preciso coragem para apresentar um projeto, é preciso coragem para não paralisar diante de algo desconhecido, é preciso coragem para ter o “manche” de sua carreira em suas mãos. E se você, profissional de tax, ainda não entendeu, isso vale para todos nós. O conhecimento técnico, já há algum tempo, não é o suficiente para enfrentar os obstáculos que estão ao longo de qualquer jornada de carreira.
A segunda reflexão que proponho é sobre o seu conceito pessoal de tempo. Se você tem como paradigma a famosa frase de Benjamim Franklin “time is money”, acho que você tem um grande dilema em suas mãos. Quando esse conceito foi abordado, o sentido era o de referência de capital, ou seja, tempo como unidade de medida, “logo qualquer pessoa pode alugar seu tempo de vida em troca de dinheiro”. No entanto, segundo pesquisas divulgadas nos anos de 2021 e 2022 sobre o tema da saúde, o mundo pós-pandêmico trouxe a constatação de um conceito bem conhecido sobre a raça humana: somos seres sociais, precisamos viver em comunidade e é necessário nos relacionarmos uns com os outros para nossa saúde física e mental. A partir desse dado, e levando-se em conta que as relações humanas são pautadas por transação mútua de tempo em prol da convivência e da troca genuína de vivências, uma pergunta necessária é: o quanto seu precioso tempo está direcionado para o alcance do seu coração pleno?
Quando pensamos em carreira, podemos nos curvar à ditadura do tempo em prol da acumulação e, como consequência, sermos consumidos pelo que temos ou almejamos ter. Quando sugeri que o “manche” da carreira deve estar em nossas mãos, foi para criar uma imagem na qual podemos projetar nossa trajetória no mar de possibilidades que a vida nos propõe. Nela precisamos ser donos do nosso tempo para termos liberdade de escolha e alcançarmos as nossas melhores versões.
A carreira de tax exige empatia, escuta ativa, entender contextos para assim criar soluções e contornos e colaborar para seguir adiante. O tempo é um bem precioso, precisamos ser cuidadosos com ele e dedicar atenção para que seja utilizado em benefício dos alicerces que sustentam e seguirão sustentando nossa carreira e todos os nossos interesses verdadeiros. No livro “Todos os homens são mortais”, de Simone de Beauvoir, o prazer da vida é apresentado como algo que vai muito além da satisfação das necessidades, constitui-se da certeza de que a vida é extremamente valiosa porque é finita. Então cuide bem do tempo! Avalie onde você vai investi-lo.
E por último, mas não menos importante, é a reflexão sobre aprendizado e o quanto estamos dispostos a buscar novos saberes, bem como nossa capacidade de adaptação aos cenários múltiplos e abundantes que estão sendo postos diante de um mundo repleto de “policrises”, com desdobramentos cada vez mais complexos. Nós da área de tax temos características que podem diminuir nossa habilidade de aprendizado. Somos caçadores incansáveis da perfeição porque temos um medo imenso das consequências de um potencial equívoco. Na nossa profissão, o erro nos foi apresentado como algo inaceitável, o causador de diversos impactos adversos, que podem gerar efeitos colaterais bem graves ao negócio, na imagem perante os clientes e até na sociedade em geral.
Com esse temor constante, podemos ficar presos na "armadilha mental fixa" que determina somente um único resultado possível: exatidão. No entanto, por mais que sejamos esses profissionais com foco na perfeição, estamos bem longe de alcançá-la diariamente. A nossa forma humana nos reserva o direito à imperfeição, aos tropeços, e não precisamos estar todo o tempo provando as habilidades que acreditamos ter. Quando tiramos a armadura do conhecimento pleno e nos permitimos aceitar que é válido aprender sempre, tanto pelas mudanças constantes quanto pelas pessoas que precisam de nossa colaboração, é possível compreender que vale mais fazer perguntas do que presumir algo pautado no conhecimento acumulado.
Melhoria contínua não tem a ver somente com negócios, mas também com a evolução de quem somos, pela nossa busca da oportunidade de crescer e de explorar novas possibilidades que despertem em nós o bem-estar. Precisamos estar atentos às nossas experiências porque elas nos mudam constantemente.  Se soubermos valorizá-las, há uma grande chance de mudarmos a nossa forma de aprendizado para a forma progressiva e, assim, fugirmos da absurda, mas real, “armadilha mental fixa”.
Em seu livro "Mindset: a nova psicologia do sucesso", a professora dra. Carol Dweck expõe que todos temos dois mindsets com os quais convivemos, “um é fixo, avesso a desafios, eternamente na defensiva, não valoriza esforços para superação, não aceita feedbacks e sente-se ameaçado pelo sucesso dos outros, por consequência busca a acomodação com conquistas menores do que seu potencial possibilita, e outro é o mindset de crescimento, que tem o desejo constante de aprender, abraça desafios, persiste na dificuldade, vê o esforço como caminho, aprende com críticas e encontra lições e inspirações no sucesso dos outros, como resultado eles alcançam altos níveis de conquistas”. 
Cabe a cada um de nós a decisão de qual mindset queremos exercitar em nossas carreiras. A área de tax é singular e com potenciais incríveis, seja em transformação digital, seja na combinação com os pilares exigidos na abordagem ESG (Environmental, Social and Governance), seja reunindo pessoas com capacidade técnicas distintas ou ainda fazendo atualizações diárias sobre as mudanças legais. Sou profissional da área há mais de 20 anos e o que posso afirmar é que essa área, por mais intensa ou densa que seja, sempre se resume na “dor e a delícia de ser o que é”.
Agradeço ao Marcelo Brasil e ao JOTA essa oportunidade tão especial de compartilhar um pouco das lições aprendidas.

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JOTA

Carreira de tax exige escuta ativa a fim de criar soluções e colaborar para seguir adiante

Coragem, tempo e aprendizado

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