Opinião e Análise

Eduardo Magalhães

Gustavo Santos

Tatiana Andrade

Beatriz Masiero

Com investidores e consumidores cada vez mais exigentes, as agências reguladoras aumentarão o processo de fiscalização sobre a conduta e os reportes das empresas e não há mais espaço para ações e decisões sem levar a sério a sustentabilidade no desempenho corporativo. Dessa forma, o número de casos de fraudes relacionadas a greenwashing deve aumentar significativamente nos próximos anos e as empresas devem considerar este fator na avaliação de seus riscos corporativos e no plano de gerenciamento de crises.
Desde que as discussões acerca da agenda ESG (Environmental, Social and Governance) ganharam força expressiva na COP 26 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) em Glasgow (Escócia), realizada há um ano, os fundos de investimentos e empresas de todo o mundo têm buscado formas de se posicionar como agentes ativos na caminhada rumo à preservação do meio ambiente e à garantia dos direitos humanos.
Essa busca tem como principal pano de fundo a própria perenidade das organizações no mercado, dado que a forma com que elas se apresentam publicamente em relação aos temas ambiental, social e de governança (como a conduta de seus executivos e casos de corrupção), impacta positiva ou negativamente em sua imagem e, consequentemente, em seu valor de mercado, na busca por investimentos e no desejo de compra dos consumidores.
Pressionadas pela necessidade de se inserir no contexto das organizações preocupadas com a causa ambiental, lançou-se uma espécie de “corrida sustentável”. As empresas começaram a divulgar inúmeras iniciativas, projetos e produtos que estariam sendo desenvolvidos e/ou produzidos de forma sustentável. Esse tipo de notícia se tornou comum em publicações relacionadas a negócios e em publicações das próprias empresas na forma de relatórios de sustentabilidade e ESG, e não demorou para que casos de fraudes também começassem a aparecer.
Segundo relatórios da Global Sustainable Investment Association (GSIA), os ativos ESG sob gestão em nível global foram de US$ 22,8 trilhões em 2016 para US$ 30,6 trilhões em 2018 e superaram os US$ 35 trilhões em 2020. Para 2022, a Bloomberg Intelligence calcula um total de US$ 41 trilhões e projeta US$ 50 trilhões até 2025, o que representaria mais de um terço dos US$ 140,5 trilhões projetados em ativos globais totais sob gestão.
Foi nesse cenário que o termo greenwashing voltou à tona de forma mais expressiva, sendo amplamente utilizado para caracterizar a prática de empresas, públicas ou privadas, que buscam promover discursos, anúncios, propagandas e campanhas publicitárias comunicando iniciativas, processos e produtos ambientalmente e socialmente responsáveis, que na prática não ocorrem, ou não ocorrem de forma representativa no contexto de negócios existente.
Casos de empresas acusadas de praticar o greenwashing começaram a surgir e revelaram diversas irregularidades. Uma estimativa de 2019 relata que mais de US$ 500 bilhões foram eliminados das capitalizações de mercado de grandes empresas dos Estados Unidos devido a “controvérsias ESG” nos cinco anos anteriores.
Em abril de 2022, uma pesquisa realizada pela consultoria internacional Harris Poll para o Google Cloud revelou que 58% dos executivos admitem que suas empresas praticam greenwashing. A pesquisa ouviu cerca de 1.400 CEOs e outros líderes em empresas com mais de 500 funcionários e trouxe resultados contraditórios.
Apesar de mais da metade dos entrevistados admitirem que suas empresas praticam greenwashing, 80% deram às suas empresas uma classificação “acima da média” em sustentabilidade ambiental. Esse resultado reforça ainda mais a necessidade do estabelecimento de diretrizes que regulem a condução de iniciativas dentro das empresas, principalmente, no segmento financeiro e de investimentos.
No setor financeiro ESG – onde as regulamentações são menos maduras – os riscos podem ser ainda mais abrangentes em um nível sistêmico. A Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido (FCA) recebeu “um número crescente de pedidos de autorização de baixa qualidade de fundos com temas ESG, muitos com alegações de sustentabilidade que não resistiram ao escrutínio”. Além disso, uma pesquisa recente da Quilter Investors revelou o greenwashing como a principal preocupação para cerca de 44% dos investidores que optaram por investimentos ESG.
O greenwashing dominou as preocupações no Schroders Institutional Investor Study 2021, no qual 60% dos investidores ESG o citaram como um desafio. Os clientes que captam recursos em mercados mais maduros já sentem pressão de investidores para implementação de uma governança ESG robusta que mitigue riscos de greenwashing, inclusive com riscos de desinvestimento caso os fundos não cumpram as legislações em discussão na Europa e EUA.
No setor aéreo, três anúncios de uma companhia irlandesa alegando ser menos poluente em comparação com outras transportadoras europeias em emissões de carbono por distância percorrida foram banidos em 2020 pela Advertising Standards Authority (ASA) do Reino Unido. As publicações foram consideradas potencialmente enganosas porque “a base das alegações não havia sido esclarecida nos anúncios e os elementos de prova apresentados eram insuficientes para demonstrar que a empresa era a companhia aérea com menor emissão de carbono”.
Recentemente, em maio de 2022, houve um caso de grande repercussão global, no qual um banco alemão e sua gestora de ativos foram alvo de uma investigação sobre possível fraude relacionada aos investimentos ESG. Segundo denúncia de uma ex-executiva da companhia, as declarações da empresa em 2020, de que mais da metade dos ativos foram investidos utilizando critérios ESG, não seriam verídicas. Essa denúncia levou a uma operação policial nos escritórios da empresa, e culminou na renúncia do CEO, poucos dias depois.
Também em maio de 2022, a SEC (U.S. Securities and Exchange Commission), ou Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, anunciou que um banco concordou em pagar mais de US$ 1 milhão em acordo sobre alegações de que havia indicado, de maneira enganosa, que alguns de seus fundos usariam critérios ESG para escolher todos os seus investimentos. A comissão identificou que a revisão de qualidade ESG divulgada pelo banco em seus materiais de comunicação, na verdade, nem sempre ocorria.
Com o momento de explosão do tema ESG e a possibilidade da ocorrência de fraudes, surgem também as discussões sobre como as iniciativas relacionadas a essa agenda poderiam ser mensuradas para gerar evidências e dados concretos não apenas das ações estabelecidas pelas empresas, mas da sua evolução ao longo do tempo.
<h3>Avanço do cenário de regulamentação</h3>
Tendo em vista a iminente necessidade de se adotar metodologias, ferramentas e procedimentos capazes de garantir a legitimidade das divulgações relacionadas ao ESG, diversas instituições reguladoras ao redor do mundo se movimentaram para determinar padrões e regras de publicação, o que permitirá uma padronização das informações, tornando-as mais objetivas, confiáveis e comparáveis, inibindo, assim, a prática de greenwashing.
Em 2021, a ESMA (European Securities and Markets Authority), que corresponde à Comissão de Valores Mobiliários, atuou junto à Comissão Europeia recomendando a criação de uma legislação que estabelecesse uma definição legal comum sobre ratings ESG e que as empresas que emitissem esse tipo de análise fossem registradas e supervisionadas por autoridade pública. Já em 2022, a ESMA abriu uma chamada pública direcionada aos provedores de ratings, usuários e organizações sujeitas à avaliação com base nesses índices, para obter informações sobre a estrutura desse mercado, e publicou o “Sustainable Finance Roadmap 2022-2024 (Roadmap)”. Esse roteiro define três prioridades para as atividades da instituição no período, sendo a primeira delas combater o greenwashing e promover a transparência das informações divulgadas pelas empresas.
O Parlamento Europeu também divulgou o Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR), em português, Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis em 2019, que começou a ser aplicado em empresas do setor financeiro em março de 2021. Esse documento prevê que as empresas relevantes forneçam informações amplas sobre questões ESG, como emissões de gases de efeito estufa e outros pontos, em um modelo padronizado. O objetivo do SFRD é garantir que os gestores de ativos e outros integrantes do mercado considerem os fatores ESG nas tomadas de decisão sobre investimentos e nas informações disponibilizadas.
Também em 2021, o Parlamento alemão promulgou a Lei de Due Diligence da Cadeia de Suprimentos (Supply Chain Due Diligence Act), que obriga as empresas a identificarem e avaliarem questões relacionadas aos direitos humanos e de riscos ambientais. A lei prevê também a obrigação de publicação anual de relatórios sobre o cumprimento das suas obrigações legais de due diligence, além de dispor sobre responsabilidades e sanções em casos de descumprimentos, que podem chegar até 2% do faturamento anual para aquelas empresas que têm faturamento médio mundial superior à 400 milhões de euros
Em maio de 2022, a SEC dos EUA apresentou duas novas propostas de divulgação para fundos que afirmam integrar o ESG em seus produtos e serviços de investimento, que têm como objetivo, oferecer maior transparência e consistência nas informações apresentadas aos investidores. Uma das propostas objetiva aumentar os requisitos de divulgação para fundos com foco primário em ESG, de forma que, além de divulgar os objetivos relacionados ao tema, seja apresentado, de forma padronizada, como o progresso obtido nessa direção é medido. Além disso, informações específicas seriam exigidas de acordo com os tipos de estratégia ESG almejados pelo fundo. Fundos voltados ao meio ambiente, por exemplo, seriam obrigados a informar as emissões de gases de efeito estufa e a intensidade de carbono de seus portfólios.
Em outra proposta, a SEC expandiria a regra existente relacionada à nomenclatura dos fundos, requerendo que os fundos ESG também invistam pelo menos 80% de seus ativos de forma alinhada a estratégia comunicada pelo seu rótulo. Essas propostas estão em período de discussão e comentários do mercado e na sequência a SEC decidirá sobre avançar com o estabelecimento das regras recomendadas.
Aqui no Brasil, em dezembro de 2021, a CVM publicou a resolução nº 59 que altera e acrescenta dispositivos à instrução nº 480. Segundo publicação da própria CVM, “a nova norma agregou ao Formulário de Referência requisitos de informações que visam trazer mais transparência para os investidores no mercado acionário brasileiro em relação a divulgação de informações de práticas ambientais, sociais e de governança corporativa (ASG); alinhamento as iniciativas de padronização no âmbito internacional e mais robustez a divulgação, pelas companhias abertas, de informações ASG no que tange as questões climáticas e à diversidade na composição da administração e do quadro de funcionários".
Dentre as práticas que passaram a ser exigidas no Formulário de Referência, se destacam a necessidade da indicação: do tipo de relatório utilizado para divulgação das informações ESG, metodologia ou padrões adotados; da realização de auditorias ou revisões no relatório; da consideração dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU); da consideração das recomendações do TCDF (Task Force on Climate Related Financial Disclosures) ou de outras instituições que reconhecidamente tratam das questões climáticas; da realização de inventário dos gases de efeito estufa. Todas essas questões passam a compor o formulário e devem ser preenchidas utilizando o conceito “pratique ou explique”.
A resolução entrará em vigor no dia 2 de janeiro de 2023, entretanto, é importante destacar que a divulgação dos relatórios de 2023 terão como data-base o exercício social de 2022, o que pressupõe que as empresas de capital aberto devem se estruturar, desde já, para cumprir os novos requisitos exigidos para a emissão do relatório em 2023.
Para as empresas, uma boa abordagem ESG pode gerar valor, no entanto, as alegações de greenwashing podem ter um impacto negativo significativo na reputação das empresas. É essencial, portanto, que o risco seja mapeado e monitorado em toda a cadeia de valor das organizações.

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JOTA

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