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Direito penal para robôs?

Só se poderá falar em uma pena para robôs quando o direito penal deixar de se interessar pelo ser humano

Luís Greco
05/11/2021|05:01
Atualizado em 05/11/2021 às 10:08
direito penal robôs, público
Cena do filme "Eu, Robô". Crédito: Divulgação

A presente reflexão foi apresentada como discurso de agradecimento pela entrega do Prêmio da Academia de Ciências de Berlim-Brandenburgo, doado pela Fundação Commerzbank, proferido na cerimônia do dia 21 de outubro de 2021, no Leibniz-Saal da Academia de Ciências de Berlim-Brandenburgo. A tradução para o português é do prof. dr. Adriano Teixeira. No dia seguinte, aproveitamos a vinda de ilustres penalistas a Berlim (entre eles, os profs. drs. Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García-Conlledo, José Zamyr Vega Gutiérrez [os três da Espanha], Jaime Lombana Villalba [Colômbia], Ademar Borges e Francisco Schertel Mendes [os dois do Brasil]) para realizar um Seminário Extraordinário na Humboldt-Universität zu Berlin, em cujo bojo o dr. Alaor Leite apresentou o trabalho “Ciência penal internacional: possibilidade e limites”.

Prezado senhor Presidente da Academia de Ciências de Berlim-Brandemburgo, colega Christoph Markschies, prezado representante da Fundação Commerzbank, colega senhor Jan-Hendrik Olbertz, prezada e querida colega Tatjana Hörnle, prezado colega senhor Wolfgang Schön, prezado colega senhor Günther Stock, senhoras e senhores,

agradeço à Academia, à Fundação Commerzbank, bem como a cada um dos presentes por terem investido tempo e esforço para proporcionar-me uma alegria de especial natureza. Agradeço também à minha esposa e aos meus muitos amigos, alguns que viajaram de diferentes cantos do mundo para acompanhar-me nesse feliz dia. Nos 14 minutos que ainda tenho à disposição, gostaria de tentar realizar a nada fácil tarefa de expressar minha gratidão, apresentando-me aos senhores como pessoa e como cientista – um desafio que se me mostra mais difícil após a tocante laudatio de Tatjana Hörnle. Estou apenas triste porque, em razão da pandemia ainda não completamente superada, não se permitiu que meu pai, que vive no Brasil, viajasse para a Alemanha. Justamente ele, que quase me foi tomado pelo vírus, teria sentido grande emoção com a presente cerimônia.

Meu desafio começa com a busca por um tema adequado. Decido-me por uma questão cada vez mais discutida na atual ciência jurídico-penal: é possível imaginar, em um futuro próximo, um Direito Penal para robôs?

Direito Penal para robôs? Pena para robôs? Ouvintes céticos irão perguntar-se se sequer faz sentido discutir a respeito disso. Eu lhes peço um pouco de paciência; os senhores verão que estou ao seu lado. No entanto, sou obrigado a constatar de forma sóbria que já há uma discussão em curso, e que a maioria dos colegas que dela participa se coloca a favor de um Direito Penal para robôs ou de uma pena para robôs. Eu gostaria de entrar na discussão, portanto, para primeiro – e paradoxalmente – dizer que ela deve ser interrompida; mas, ao mesmo tempo e mais importante, porque ela, ainda que indiretamente, é dotada de sentido, uma vez que se revela como uma oportunidade de refletir menos sobre robôs e sua “punição” do que sobre o ser humano e a pena.

A pena se impõe apenas para ações (ou para a omissão de uma ação): será que, com esse requisito, já não fica excluída a possibilidade de pensar em uma punição de robôs? Máquinas podem, sequer, agir? Isso será já de antemão negado por aqueles que defendem um conceito ambicioso de ação – nos moldes de alguns tradicionais conceitos de ação da ciência penal (o  conceito finalista ou o conceito pessoal de ação; também assim o conceito causal de ação). Para eles, toda ação pressupõe um parcela de “espírito” (Geist), uma rudimentar consciência, alguma sorte de vida interior – com o que a ideia de uma máquina que age configuraria uma contradictio in terminis.

Parece-me, contudo, que o debate não pode ser dissolvido de forma tamanhamente apodítica. Primeiro, porque os conceitos jurídico-penais de ação não são talhados em pedra. É possível pensar em conceitos de ação mais modestos, isentos de espírito ou consciência, ou seja, em certo sentido, "behaviorísticos", sobre cujas bases poder-se-ia, sim, qualificar como ação o que máquinas até mesmo hoje já “fazem”.

Além disso e sobretudo, sequer com base em conceitos mais ambiciosos pode-se considerar impossível que máquinas pratiquem uma ação. Ainda que, a partir da primeira pessoa, afirmemos que o ser humano possui espírito ou consciência, não sabemos nem o que isso exatamente significa, nem no que isso se fundamenta – de modo que não se afigura impossível que, em um futuro próximo ou distante, máquinas de determinado grau de complexidade também possam apresentar algo similar (a chamada “inteligência artificial forte”) e, nessa medida, tornar-se capazes de ação.

Mesmo que se possa falar em máquinas que praticam ações – que dizer de uma culpabilidade de máquinas? Apenas é punido aquele ostenta culpabilidade, e apenas o ser humano seria capaz de tanto. Essa perspectiva, igualmente, faz todo sentido se pensada sobre as bases de um conceito ambiciosos de culpabilidade – por exemplo, um conceito que entenda culpabilidade como consequência do livre-arbítrio, de uma estrutura de consciência ou de uma personalidade.

Na atual ciência jurídico-penal, porém, conceitos ambiciosos de culpabilidade não são sequer mais dominantes, tendo em vista as dificuldades a eles inerentes, com as quais não quero hoje incomodar o público. Pelo contrário, são cada vez mais difundidos conceitos mais modestos, que concebem a culpabilidade como normal capacidade de motivação mediante normas, como acessibilidade normativa/capacidade de ser destinatário de normas (normative Ansprechbarkeit): isto é, como uma capacidade de reconhecer comandos normativos e tomá-los em conta no próprio processo de decisão. Disso máquinas parecem ser capazes, se não já hoje, ao menos em um futuro não tão distante. De qualquer forma, o passo no sentido do reconhecimento de uma culpabilidade de pessoas jurídicas já foi dado por várias ordens jurídicas; por que haveria, então, de ser completamente impossível uma culpabilidade de máquinas?

Ainda assim: faz sentido punir máquinas que praticam ações e ostentam culpabilidade? Acredito que essa é a questão crucial; e que um problema fundamental do presente debate reside no fato de que esse pergunta, que deveria abri-lo, é relegada para o fim. A reflexão sobre o Direito Penal, que em nossa comunidade linguística não se chama Direito Criminal, deve começar pela pena, que, nas palavras de meu professor Schünemann, constitui o “ponto arquimédico do Direito Penal”.

Começar pela pena significa, ao mesmo tempo, começar pelo ser humano – pela banal e inescapável realidade da conditio humana. O ser humano atingido pela pena deve ser concebido menos como um ser que age ou que decide, do que como um ser único, vulnerável e efêmero; decisivo é menos o fato de que ele possui uma consciência, do que o fato de que ele possa ter consciência de sua conditio humana enquanto humana fragilitas. Essa recordação também traz aos olhos o que há de ruim na pena, motivo pelo qual a tradição do liberalismo jurídico-penal lhe conseguiu opor tantas barreiras e garantias: a pena atinge o ser humano exatamente nos aspectos nucleares de sua conditio humana, ela lhe subtrai – enquanto pena privativa de liberdade – anos de uma vida que ele pode viver apenas uma vez, anos que serão perdidos para sempre. “Poder terrível”, afirmava Montesquieu a respeito do Judiciário, em vista dessa terrível consequência jurídica, que (graças a Deus!) somente o Judiciário pode impor.

Afirmo que, em consonância com meus ouvintes céticos, não há sentido em falar de penas para robôs, pois a “pena” pensável para robôs – utilizo aspas –, à míngua da participação do robô na descrita conditio humana – seria um completo aliud em relação à verdadeira pena. O robô superinteligente do futuro, que em certo sentido pode até mesmo agir e decidir, é, enquanto sistema complexo de processamento de informações, também copiável. Algo de que pode ser feito um backup, não se pune, mas apenas se “pune”; e disso depende tudo mais com o que temos de lidar quando refletimos sobre o Direito Penal.

Em resumo: a pena para robôs apenas teria o nome de pena, sem ser pena. Tratar-se-ia de uma pena descafeinada, de uma pena de soja. A conceitos ambiciosos de ação e de culpabilidade pode haver alternativas; não há, contudo, alternativa a um conceito ambicioso de pena. Se renunciamos a esse conceito, tornam-se obsoletos os esforços que o Direito Penal desde sempre realizou para a contenção da terrível consequência jurídica que é a pena. O Direito Penal começa com um reconhecimento da questionabilidade do punir, de seu “amargor”, do qual não se pode conceitualmente escapar, sem que que se perca de vista também o ser humano concreto apenado. A pena para robôs será somente pensável quando o Direito Penal perder o interesse no ser humano.

Chego ao final da minha reflexão, que espero não ter sido sentida como longa. Meus 20 anos na Alemanha não foram sentidos como longos; exatamente em outubro de 2001, cheguei como um estudante brasileiro de mestrado (LL.M), com a então pretensiosa ideia de doutorar-me na Universidade Ludwig Maximilian de Munique. Nesse meio tempo, muito aconteceu, e hoje me encontro diante dos senhores, com os senhores, e posso apenas mais uma vez manifestar, de todo o meu coração, o quão grato lhes sou. Papai, espero que você esteja orgulhoso.


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Luís Greco

Professor Catedrático de Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito penal Estrangeiro e Teoria do Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Humboldt, de Berlim; Doutor e LL. M. em Direito (LMU Munique).

Tags inteligência artificialRobôs
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