Opinião e Análise

Eduarda Lorena de Almeida

Ariane Gontijo Lopes

Esporadicamente, matérias jornalísticas e publicações em redes sociais vêm manifestando apoio à demanda da categoria profissional de agentes socioeducativos (ASE) pelo direito de porte e uso de armas de fogo em decorrência da sua atuação funcional. Mas, e aí? Pode ou não pode? É coerente ou não essa reivindicação da categoria? A resposta seria a mesma ou não para todas as unidades da federação? Nesta coluna, nos propomos a jogar luz sobre esse tema, apresentando respostas ou impressões iniciais a essas indagações.
No Brasil, o <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm">Estatuto da Criança e do Adolescente</a> (ECA) dispõe que adolescentes autores de ato infracional sejam processados no âmbito da Justiça Juvenil e, caso responsabilizados, que lhes sejam aplicadas as medidas socioeducativas correspondentes. Em casos mais graves ou de reiterações (art. 122), empregam-se medidas mais gravosas, como a privação ou restrição de liberdade.
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Nas casas de semiliberdade ou unidades de internação, agentes socioeducativos são responsáveis por garantir a manutenção da ordem e segurança, zelando para que as práticas educadoras prevaleçam sobre os aspectos sancionatórios (<a href="https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=104396">BRASIL, 2006</a>).
É também tarefa dos profissionais zelar pela integridade física e psicológica tanto dos adolescentes, quanto da comunidade socioeducativa, além de preservar o patrimônio e a estrutura física desses espaços. Ademais, em situações de emergências e risco, podem valer-se de contenções físicas, bem como do uso moderado da força.
Dada a natureza de suas atividades, não é incomum que adolescentes e agentes socioeducativos vivam situações de conflitos, que, no limite, deflagrem agressões e ameaças entre as partes. Em decorrência desse cenário, representações parlamentares, aliados com representações sindicais da categoria, vêm, desde 2009, apresentando uma série de iniciativas legais a fim de regulamentar o uso e porte de armas para agentes socioeducativos.
<h3>Como está a demanda da categoria de ASE pelo uso e porte de armas?</h3>
A nível nacional, há pelo menos dez proposições legais que visam regulamentar o porte ou uso de armas para ASE. Dessas, duas merecem destaque. A primeira é o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137915">PL 4256/2019</a>, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que pretende autorizar o porte de armas aos servidores do quadro efetivo de agentes socioeducativos, responsáveis pela segurança, vigilância, guarda, custódia ou escolta dos adolescentes autores de ato infracional. O projeto encontra-se em tramitação, aguardando designação de relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.
A segunda proposta, também em tramitação, é o <a href="https://www.camara.leg.br/enquetes/2207066#:~:text=O%20Projeto%20de%20Lei%203387,por%20agentes%20socioeducativos%20e%20penitenci%C3%A1rios.">PL 3387/2019</a>, apresentado pelo deputado Coronel Tadeu (PL-SP). Esse projeto solicita o reconhecimento da natureza policial da atividade exercida pelos ASE e a inclusão dessa profissão no Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Se a categoria passar a ser reconhecida como tal, abrir-se-ia o caminho para que os ASE passem a ter o direito de portar e usar armas de fogo.
Cabe destacar que existem também esforços estaduais que buscam garantir tais acessos. Para se ter uma ideia, seis estados do Brasil detêm, ou já detiveram em algum momento, normativas aprovadas nesse sentido: Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rondônia.
Nos dois primeiros, as normativas estão vigentes, mas nos quatro últimos, os textos foram revogados depois de apresentadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) julgadas procedentes. Com exceção do estado do Mato Grosso, todas as normativas dispõem sobre a autorização do uso e porte de armas exclusivamente fora dos limites das unidades socioeducativas. Outro ponto comum às normas, foi estabelecer que o uso e porte de armas somente será permitido para agentes que detenham condições para tal.
Por outro lado, três unidades da federação apresentaram PL sobre o tema, mas não lograram sucesso: Distrito Federal, Goiás e Rio Grande do Sul. O PL do Rio Grande do Sul foi arquivado em 2023. Por sua vez, os PLs do Distrito Federal e de Goiás foram vetados pelos governadores à época, demonstrando como o acesso ao porte e posse de arma pelos ASE encontra resistências consideráveis para se efetivar.
<h3>Seria essa liberação um fator de proteção ou há outros interesses por trás do pleito?</h3>
A justificativa da categoria para esse pleito se centra no argumento de que a liberação do uso e porte de armas seria medida necessária e conveniente para garantir a integridade física dos profissionais e seus familiares. Na realidade, as evidências têm sinalizado precisamente o oposto.
Segundo dados do <a href="https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/2927">IPEA (2012)</a> e do <a href="https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf">FBSP (2022)</a>, o incremento na circulação de armas na sociedade está relacionado a uma piora nas estatísticas de violência letal. Existe também uma vasta literatura internacional que mostra que, ao contrário do que o senso comum pode indicar, <a href="https://soudapaz.org/noticias/justificando-por-que-armar-a-populacao-nao-melhora-a-seguranca-publica/">a posse e o porte de armas não levam a uma maior proteção do sujeito dono da arma e de sua família.</a> Na verdade, pesquisas indicam que <a href="https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46191879">os riscos para estas pessoas tendem a aumentar, e incluem eventos como acidentes, suicídio e feminicídio</a>.
Pensando especificamente no caso dos Agentes Socioeducativos, também há que se levar em consideração que <a href="https://publicacoes.ibccrim.org.br/index.php/RBCCRIM/article/view/121">a utilização de armamentos menos letais nas unidades de internação já tem facilitado a ocorrência de graves violações de direitos humanos contra adolescentes internados</a><a href="https://publicacoes.ibccrim.org.br/index.php/RBCCRIM/article/view/121">.</a> Imaginem, então, o uso de armas letais. Assumindo a hipótese apontada pela literatura de que o uso e porte de armas não são ferramentas eficazes de autoproteção, o que então motivaria o pleito da categoria? Poderíamos pensar que o armamento aproxima estes profissionais de um reconhecimento enquanto agentes de segurança pública, o que poderia representar um <a href="https://biblioteca.sophia.com.br/terminal/6681/Acervo/Detalhe/1421?returnUrl=/terminal/6681/Home/Index&amp;guid=1618790404239">movimento identitário importante para a categoria</a>.
Sobre esse argumento, vale lembrar a trajetória da polícia penal. Responsável pela custódia das pessoas adultas privadas de liberdade, até pouco tempo atrás os então agentes prisionais não eram reconhecidos por lei como policiais, nem tinham autorização de uso e porte de armas, sobretudo fora dos estabelecimentos prisionais. Nos parece plausível que os agentes socioeducativos estejam almejando percorrer trajetórias semelhantes..
É importante destacar que não há evidências científicas de que as armas, no contexto prisional, tenham promovido o arrefecimento dos conflitos ali existentes. Frente a esse caldeirão de falta de evidências, nos parece, então, que esse pleito dos ASE está inserido em um processo de recusa de um papel de agente socioeducador e de busca , então,  por uma espécie de promoção laboral e identitária: tudo indica que o que eles querem é, ao fim e ao cabo, “serem policiais”.
<h3>Em casos de liberação, como fica o 'fazer socioeducativo'?</h3>
Amparados no ECA e na Lei<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm"> do Sinase</a>, as medidas socioeducativas têm uma clara intenção  de estabelecer um equilíbrio entre os atributos pedagógico-social e responsabilizador dos menores de idade por seus atos infracionais. Para tanto, é necessário que o modelo de Justiça Juvenil se efetive como instância não retributiva, se distancie da justiça criminal e assegure o melhor interesse do adolescente.
Do contrário, não haveria uma justiça especializada e estaríamos, ainda, fundamentados em preceitos legais já superados com a revogação do Código de Menores. Dessa forma, acreditamos que estender o o porte e uso de armas para ASE e dar mais “munição” para equipará-los à polícia penal seria um grande equívoco. Isto porque tal movimento ameaçaria o caráter pedagógico das medidas socioeducativas, produziria um menoscabo ao princípio da prioridade absoluta, e imporia uma incongruência às <a href="about:blank">Regras de Havana</a> (artigo 65).
Fato é que esse enredo ainda está sem desfecho,<a href="https://www.autografia.com.br/produto/o-outro-lado-da-moeda-o-trabalho-de-agentes-socioeducativos-no-estado-do-rio-de-janeiro/"> assim como o que significaria exercer a prática da socioeducação pelos agentes socioeducativos</a><a href="http://necvu.com.br/wp-content/uploads/2020/11/VINUTO_Tese-O-outro-lado-da-moeda-VF.pdf">.</a> Da nossa parte, nos mantemos firmes na defesa do “fazer socioeducativo” pedagógico e não retributivo.

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JOTA

A nível nacional, há pelo menos dez proposições legais que visam regulamentar essa questão

Agente de segurança socioeducativo deve ter direito ao uso e porte de armas?

A nível nacional, há pelo menos dez proposições legais que visam regulamentar uso e porte de armas por agentes de segurança socioeducativos