Opinião e Análise

Ilton Norberto Robl Filho

Nos dias 12 e 13 de setembro, o Instituto Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Desenvolvimento (IDP), o Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC) e a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, com a coordenação dos professores Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, Nelson Rosenvald e Flaviana Rampazzo e com o auxílio do professor Atalá Correia, promoveram o seminário “Responsabilidade civil em perspectiva: desafios das novas tecnologias”.
Nesses encontros, diversas questões centrais para o direito contemporâneo foram analisadas, no Auditório da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, como a) o impacto do Anteprojeto de Reforma do Código Civil em inúmeros campos da responsabilidade civil e b) as medidas para prevenção e reparação de danos no contexto de novas tecnologias.
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Dessa forma, enfrentei o tema da “Desinformação e responsabilidade civil: um diálogo entre os Direitos Públicos e Privado, no painel sobre “Responsabilidade civil e desafios da contemporaneidade”, que também contou com as relevantes palestras das professoras Aline Terra, Patrícia Carrijo e Caitlin Mulholland e com a moderação da professora Fernanda Lessa Mainier Hack.
A tese central da minha palestra sustentou que a desinformação é um desafio social complexo no momento atual, produzindo inúmeros impactos nos diversos ramos do direito e, por consequência, na responsabilidade civil. Há uma grande intersecção entre os direitos público e privado, em relação à disciplina da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/liberdade-de-expressao">liberdade de expressão</a>, da desinformação e da responsabilidade civil. Nesta coluna, são apresentados alguns fragmentos acerca dessa complexa discussão, indicando alguns assuntos e itens para reflexões.
No último dia 10, aconteceu o primeiro e provavelmente único debate das eleições norte-americanas, com os candidatos Donald Trump e Kamala Harris, na rede ABC News, sendo transmitido, além dos Estados Unidos, em diversas redes e canais pelo mundo. A apresentação de desinformação sobre a suposta morte de pets, em virtude da necessidade de alimentação de imigrantes ilegais, e os papéis dos jornalistas que organizavam o debate chamaram a atenção.
Os moderadores David Muir e Linsey Davis checaram, em tempo real, as mentiras e os fatos indicados pelo ex-presidente e candidato Trump, “fazendo rapidamente correções para milhões de pessoas assistindo em casa depois que o republicano divulgou mentiras sobre aborto, imigração e a eleição de 2020”<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>.
O candidato republicano afirmou que na cidade de Springfield (Ohio) os imigrantes estão comendo cachorros e gatos. De outro lado, David Muir informou que o prefeito da referida cidade asseverou que inexistem relatos confiáveis de que animais de estimação estão sendo prejudicados e feridos pelos imigrantes. Essa situação exemplifica como inverdades fáticas manifestas são proliferadas intensamente, mas também indica a complexidade do fenômeno do atual exercício das liberdades de expressão, de imprensa e de opinião.
As liberdades comunicacionais são centrais no Estado democrático de Direito, porém a desinformação produz resultados negativos na esfera pública, podendo inclusive dificultar ou impossibilitar as discussões de ideias. Em outras palavras, a criação, a divulgação e a proliferação de desinformação causam a disseminação de claras inverdades, tornando difícil o debate sério sobre problemas sociais, pois as análises partem de premissas fáticas falsas. O jornalismo é essencial para informar os cidadãos, necessitando denunciar as inverdades fáticas.
Nesse exemplo sobre os imigrantes, em Springfield, a indicação da desinformação era um caso fácil, atuando bem os jornalistas, contudo as situações não são sempre simples, adicionando uma camada de complexidade para o exercício constitucionalmente adequado da liberdade de imprensa.
Publiquei com o professor Ademar Borges, recentemente, em obra organizada pela professora Marilda de Paula Silveira, capítulo sobre “Liberdade de Expressão, democracia e eleições”, demonstrando que a forte polarização política, o impacto da tecnologia, a desinformação e a erosão democrática ocasionaram a parcial alteração da tutela das liberdades comunicacionais pelo Tribunal Superior Eleitoral, nas eleições de 2022:
Se é verdade que, mesmo nas eleições gerais de 2022, o TSE aplicou o parâmetro da posição preferencial em diversos precedentes para reafirmar a tutela da liberdade de expressão nas disputas eleitorais, também é certo que, especialmente diante do fenômeno da desinformação sistêmica praticada contra a higidez do processo eleitoral, essa posição preferencial cedeu, ao menos nos casos mais graves, em face da necessidade de proteção do próprio regime democrático<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>.
Sobre as liberdades comunicacionais nas relações privadas, recordo do famoso caso Lüth, que foi julgado pelo Tribunal Federal Constitucional alemão, em 1958, influenciando o direito brasileiro e a aplicação da Constituição Federal brasileira de 1988. Resumidamente, Erich Lüth conclamou um boicote, em 1951, contra o filme Amada Imortal, de Veit Harlan, que foi popular cineasta nazista.
De outra banda, os produtores do filme processaram Lüth, sustentando violações ao Código Civil alemão. Como nas instâncias judiciais ordinárias o processo foi julgado procedente, a lide aportou no Tribunal Constitucional, compreendendo a Corte que a conclamação ao boicote não violava o Código Civil, visto que a norma civil precisa ser interpretada à luz dos valores constitucionais como a liberdade de expressão.
Desse modo, o ministro Dias Toffoli e Otavio Luiz Rodrigues Junior defendem que, a partir dessa decisão, os casos de Direito Civil “deveriam ser apreciados prioritariamente com base em princípios, métodos e regras do próprio Direito Civil. Somente em situações extremas, nas quais houvesse a necessidade de recurso aos direitos fundamentais, esses incidiriam indiretamente e seriam filtrados por normas privadas”<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>.
É inegável a relevância do legislador democrático na concretização dos direitos fundamentais. Dessa forma, o Anteprojeto de Reforma do Código Civil, que foi apresentado no Senado Federal por destacada Comissão de Juristas<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>, inicia processo democrático de modificações das normas privadas para efetivação dos direitos na sociedade tecnológica.
A proteção da liberdade de informação, a tutela da higidez informacional e a responsabilidade na esfera privada impõem a) a correta definição da desinformação e b) a regulamentação legal bem desenhada. Sobre a desinformação, existe relevante livro Quanto vale a liberdade?, de Tailine Hijaz, apontando que:
Em vez de fake news, a Comissão Europeia adotou a expressão “desinformação” (disinformation). O relatório definiu desinformação como um fenômeno que inclui todas as formas de informações falsas, imprecisas ou enganosas criadas, apresentadas e divulgadas para intencionalmente causar danos públicos ou obter lucros. A Comissão Europeia excluiu dessa definição a disseminação de conteúdos ilegais (difamação, discurso de ódio e incitação à violência, por exemplo), porque estão submetidos às legislações em vigor, além de conteúdos de sátira e paródia, que não fazem distorções enganosas de fatos<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a>.
Em diálogo com a contribuição da Comissão Europeia, Hijaz desenvolve parâmetros para tornar mais preciso o conceito de desinformação. Ainda, uma interpretação conforme à Constituição Federal dos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor e dos artigos 186, 927, 942 e 944 do Código Civil produz regulamentações sobre a conduta culposa, o nexo de causalidade e o dano para a aplicação ao tema da desinformação<a href="#_edn6" name="_ednref6">[6]</a>.
Por sua vez, a disciplina específica das liberdades de expressão e de informação verídica nas relações civis é necessária, visto que: a) existe grande complexidade em configurar o ato ilícito por desinformação, b) é difícil disciplinar o nexo de causalidade na sociedade da informação, c) a quantificação do dano, em razão da viralização, é um exercício desafiador, d) há enormes dúvidas sobre os deveres de checagem da informação atribuídos às empresas e aos indivíduos e e) a responsabilidade civil de financiadores, de criadores e de divulgadores de desinformação precisa ser aprofundada.
Dessa forma, andou bem o Anteprojeto de Reforma do Código Civil, prevendo a) que a proteção dos direitos de personalidade necessita estar atenta ao desenvolvimento tecnológico (artigo 11, §1º, Anteprojeto), b) que o cerceamento abusivo das liberdades de expressão e de informação possui repercussão civil (artigo 17-A, Anteprojeto), c) a tutela preventiva da imagem em ambiente virtual (artigo 20, Anteprojeto) e d) o dever de reparar do responsável indireto por ato de terceiro a ele vinculado por questão tecnológica (artigo 927, III, Anteprojeto).
Ainda, o Livro VI trata do Direito Civil Digital, no Anteprojeto de Reforma do Código Civil, propondo regulamentações próprias sobre a) a pessoa, as situações jurídicas, a presença e a identidade de crianças no ambiente digital e b) o direito ao ambiente digital transparente e seguro. Assim, o ambiente digital transparente e seguro pressupõe que as plataformas digitais adotem medidas para que seus sistemas observem a liberdade de informação e a prevenção de riscos sistêmicos. Apesar de algumas críticas sobre as previsões desse livro, penso que é imprescindível a disciplina específica
A discussão doutrinária e a alteração legal não resolverão, por óbvio, todos os problemas da desinformação e da responsabilidade civil, detendo a jurisdição constitucional, a sociedade civil e a cidadania atribuições e papéis destacados também. De outra parte, a literatura jurídica especializada e as modificações legislativas são instrumentos essenciais no combate aos danos promovidos pela desinformação na sociedade tecnológica.
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<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> CNN Brasil. Âncoras da ABC checaram ao vivo as falsas alegações de Trump no palco do debate. Disponível em: <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eleicoes-nos-eua-2024/ancoras-da-abc-checaram-ao-vivo-as-falsas-alegacoes-de-trump-no-palco-do-debate/">https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eleicoes-nos-eua-2024/ancoras-da-abc-checaram-ao-vivo-as-falsas-alegacoes-de-trump-no-palco-do-debate/</a>. Acesso em 13.9.2024.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> BORGES, Ademar. ROBL FILHO, Ilton Norberto. Liberdade de Expressão, democracia e eleições. SILVEIRA, Marilda de Paula. Eleições e novas tecnologias: dados, inteligência artificial e (des)informação. Brasília: Expert, 2024, p. 30. Disponível em: <a href="https://experteditora.com.br/eleicoes-e-novas-tecnologias-dados-inteligencia-artificial-e-desinformacao/">https://experteditora.com.br/eleicoes-e-novas-tecnologias-dados-inteligencia-artificial-e-desinformacao/</a>. Aceso em 13.9.2024.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> TOFFOLI, José Antonio Dias; RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. 60 anos do julgamento do caso Lüth e a autocontenção judicial. Disponível em: <a href="https://www.conjur.com.br/2018-set-02/opiniao-60-anos-luth-autocontencao-judicial/">https://www.conjur.com.br/2018-set-02/opiniao-60-anos-luth-autocontencao-judicial/</a>. Acesso em 13.9.2024.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> SENADO FEDERAL. Relatório final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. Disponível em: <a href="https://www12.senado.leg.br/assessoria-de-imprensa/arquivos/anteprojeto-codigo-civil-c.omissao-de-juristas-2023_2024.pdf">https://www12.senado.leg.br/assessoria-de-imprensa/arquivos/anteprojeto-codigo-civil-c.omissao-de-juristas-2023_2024.pdf</a>. Acesso em: 13.9.2024.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> HIJAZ, Tailine. Quanto vale a liberdade? O problema da desinformação entre os direitos fundamentos da liberdade de expressão. São Paulo: Dialética, 2023.
<a href="#_ednref6" name="_edn6">[6]</a> RIBAS, Felipe. Fake news: algumas reflexões sobre a responsabilidade civil. In: SCHREIBER, Anderson; MARTINS, Guilherme Magalhães; CARPENA, Heloísa. Direitos fundamentais e sociedade tecnológica. Indaiatuba: Foco, 2022, p. 61-72.

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Desinformação é um desafio social complexo que produz inúmeros impactos nos diversos ramos do direito

Fragmentos sobre liberdade de expressão, desinformação e responsabilidade civil

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