Opinião e Análise

Luiz Henrique Krassuski Fortes

<h3>Introdução</h3>
O tema da sustentação oral perante os tribunais é multifacetado.
Há boas iniciativas, como a metodologia de julgamento iniciada no STF há quase um ano, em que se permite a designação de sessão de julgamento exclusiva para ouvir as sustentações orais e argumentos das partes<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
No extremo oposto, abundam episódios em que a manifestação oral dos atores processuais aparenta ser vista menos como momento dialogal na reconstrução argumentativa do direito à luz da riqueza dos fatos e da vida, e mais como um aparentemente penoso ritual desprovido de alma.
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Como se sabe, a sustentação oral envolve a necessidade de desenvolvimento e aprimoramento de uma habilidade técnica que é muito distinta daquela a que geralmente os atores processuais estão acostumados.
A questão não demanda muito esforço para ser demonstrada: treinamos muito pouco para a oralidade, dedicando a maior parte de nossa formação e prática à reconstrução narrativa de argumentos escritos.
Qual, porém, o papel reservado aos julgadores, em nosso modelo constitucional do processo civil, para auxiliar no ganho de qualidade das sustentações orais? A revalorização qualitativa desse ato processual está somente nas mãos de advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público?
A neuropsicologia da escuta pode nos dar pistas importantes para a redenção desse importante momento processual democrático. Antes, porém, é importante lembrarmos de sua conexão direta com a democracia. 
<h3>Democracia constitucional por meio do processo</h3>
A pluralidade é o oxigênio da democracia constitucional, que guarda dentro de si uma tensão perene. De um lado a pretensão de segurança e estabilidade do direito. De outro, a instabilidade criativa alimentada pelo dissenso.
O grande desafio da normatividade constitucional, em seu permanente processo de interpretação, aplicação, reinterpretação, é viabilizar a construção de consensos provisórios. A busca do difícil ajuste fino equilíbrio entre permanência e mudança.
Nessa dança constante, a jurisdição desempenha um papel muito relevante. Na ordem constitucional brasileira todos temos o direito de “chamar a Constituição de nossa” e de, a partir de uma situação concreta, reivindicarmos uma dada interpretação da Constituição, ou da lei interpretada à luz da Constituição, perante o Poder Judiciário.
Veja-se, portanto, que para além de suas manifestações majoritárias no Executivo e Legislativo, ou mesmo pelos instrumentos de participação direta, a democracia constitucional também é exercida por meio do processo, com todas as garantias que adequadamente o estruturam e asseguram<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Como reflete Cristina Lafont, no entanto, não raro se esquece, especialmente em um contexto em que se decide a partir de casos, que o processo deliberativo sobre o sentido da constituição e do direito se dá por iniciativa das pessoas, permitindo novos argumentos e contra-argumentos que podem ser capazes de conduzir, paulatinamente, a uma mudança ampla na compreensão do direito<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Veja-se que o ponto vale tanto em uma perspectiva individual, seja em uma perspectiva geral/coletiva, diante das várias funções que são desempenhadas pela jurisdição civil<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Nessa conversa democrática, a própria Constituição atribuiu especial relevância às várias funções essenciais à justiça (à advocacia, ã defensoria pública, ao Ministério Público), que travam diálogo no Judiciário e com o Judiciário.
O ápice dessa conversa, pública e fundamentada por imposição constitucional (art. 93, IX, CF), é a realização da sustentação oral perante os tribunais. No final das contas, quem fala, o que se fala, como se fala, onde se fala e para quem se fala é, também, elemento da democracia.
Como se verá a seguir, como se escuta não impacta apenas quem ouve, mas também, e de forma direta, a qualidade do que se fala.
<h3>A importância da escuta ativa</h3>
Como recentemente explicou o professor de psicologia da escuta na Universidade de Haifa (Israel), Guy Itzcharov, em entrevista a Shankar Vedantam<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, o processo de escuta não é puramente passivo, também exigindo treino e esforço cognitivo.
Em um de seus achados mais interessantes discutidos na entrevista, Itzcharov revela que estudos quantitativos e qualitativos demonstraram que falhas no processo de escuta podem impactar não apenas a capacidade de os ouvintes relembrarem a informação discutida, mas também resultam em uma dificuldade maior de os falantes se expressarem de forma clara, com aumento em sua incoerência narrativa.
Itzchakov ainda descreve a existência de técnicas relevantes com impactos visíveis para aprimorar a capacidade de ouvida ativa, tais como a manutenção de contato visual e a formulação de perguntas para melhorar o processo de compreensão e a comunicação.
É preciso, portanto, identificar que, assim como a capacidade de falar pode e deve ser aprimorada, a nossa capacidade de ouvir igualmente é uma habilidade que requer prática. E que, a bem da verdade, igualmente não estamos especialmente treinados.
A forma como se ouve, portanto, impacta diretamente na qualidade daquilo que se fala. E o processo de escuta, revela o professor, conduz ao resultado de uma redução de radicalização de posicionamentos diante de desacordos.
Extrapolando sus conclusões, promove-se, ao fim e ao cabo, um ambiente propício para os consensos provisórios exigidos pela democracia.
<h3> Conclusão</h3>
Diante do debate sobre como aprimorar a democracia, inclusive por meio do processo, e aprimorar a qualidade de um de seus instrumentos mais visíveis (a sustentação oral), a neuropsicologia da escuta nos convida a refletir que há um papel ativo a ser desempenhado por todos os atores processuais, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público, e magistrados.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Cf. <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-10/stf-passa-ouvir-advogados-antes-de-liberar-votos-para-julgamento">https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-10/stf-passa-ouvir-advogados-antes-de-liberar-votos-para-julgamento</a> , acesso em 06/09/2024. A metodologia, porém, tem sido utilizada de forma bastante excepcional pelo tribunal.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Para uma construção completa do argumento, ver KRASSUSKI, Luiz. Supremo Processo Constitucional: a guarda da Constituição em sentido estrito. Londrina: Thoth, 2024, p. 78-88.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> LAFONT, Cristina. Philosophical foundations of judicial review. In: DYZENHAUS, David; THORBURN, Malcolm (Ed.). Philosophical foundations of Constitutional Law. Oxford: Oxford University Press, 2016, p. 265-280, p. 273.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Sobre o duplo discurso da jurisdição civil no Estado Constitucional (a prestação da adequada, efetiva e tempestiva tutela do direito material por meio do processo justo e, de outro lado, a outorga de segurança jurídica e previsibilidade a partir da edição de precedentes), ver MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência, ao precedente. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2023.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Trata-se do episódio “Are You Listening?”, do podcast de divulgação científica HiddenBrain, apresentado por Shankar Vedantam, disponibilizado em plataformas de streaming em 25/03/2024. Encontra-se disponível online em <a href="https://hiddenbrain.org/">https://hiddenbrain.org/</a>. Último acesso em 06/09/2024.

estatua da justiça

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JOTA

Algumas lições de neuropsicologia sobre o papel dos julgadores no ganho de qualidade das sustentações orais