Opinião e Análise

Cássio Casagrande

Depois da Segunda Guerra Mundial, o Congresso dos EUA aprovou uma lei (The Military Selective Service Act, também conhecido como “Elston Act”, de 1948) estabelecendo a obrigatoriedade, para todos os homens adultos, de se registrar em unidades militares (sem necessariamente prestar serviço), para fins de cadastramento, com a finalidade de facilitar conscrição na eventualidade de uma guerra.
Medidas semelhantes haviam sido adotadas temporariamente durante a participação do país nas das duas Grandes Guerras, mas era a primeira vez que se determinava a obrigatoriedade do registro em caráter permanente e em tempos de paz. Nascia assim o moderno “alistamento militar”, que não implica, necessariamente no serviço compulsório, mas apenas em possível conscrição em caso de necessidade (“draft”).
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A existência de um amplo cadastro de homens adultos, com informações sobre sua idade, saúde e situação social permitiu a mobilização rápida das tropas quando os EUA se envolveram no malsinado conflito do Vietnã. No entanto, na esteira da comoção causada pelas milhares de baixas de soldados no sudeste asiático, o Presidente Nixon suspendeu a execução do “draft” em fins de 1973, inclusive por acreditar que isso diminuiria os protestos antiguerra (Nixon era também pessoalmente favorável ao recrutamento restrito a voluntários).  Em razão de sua renúncia, coube ao seu sucessor, Gerald Ford, a iniciativa de por fim definitivamente ao alistamento militar obrigatório. O poder executivo podia tomar essa decisão porque a lei de 1948 autorizava o presidente da República a decidir sobre a necessidade ou não do alistamento compulsório.
O fim do alistamento, todavia, não durou muito. Poucos anos mais tarde, com a invasão da União Soviética no Afeganistão, o Presidente Jimmy Carter propôs ao Congresso o restabelecimento da obrigatoriedade do registro, recomendando aos congressistas que emendassem a lei original, para incluir as mulheres no dever de se alisterem. O Congresso aprovou o retorno da obrigatoriedade do registro, mas deixou de fora as mulheres.  O alistamento compulsório de homens com mais de 18 anos passou a ser exigível a partir de 21 de julho de 1980 e assim permanece até hoje.
Alguns anos antes, Robert Goldberg integrava um grupo de homens em idade de serviço militar, ligado a um movimento pacifista da Filadélfia, Pensilvânia, e contrário ao alistamento e recrutamento obrigatório. Eles haviam ajuizado uma ação em 1971 alegando a inconstitucionalidade do Military Selective Act, com base na cláusula de igual proteção das leis da Décima Quarta Emenda, por impor a exigência apenas aos homens e não às mulheres.   O processo, no entanto, fora extinto em razão da descontinuidade determinada no governo Nixon.  Com o restabelecimento da lei em 1980, o caso foi desarquivado e uma ordem judicial liminar deferida em 18 de julho (três dias antes da data prevista para o reinício do registro) acolheu o pedido, determinando que o governo federal se abstivesse de aplicar a norma. Bernard Rostker, diretor do serviço de registro militar (Selective Service System), recorreu até a Suprema Corte, alegando que o judiciário deveria manter-se deferente em relação aos poderes do legislativo e executivo que envolvem diretamente a segurança nacional.  A Suprema Corte acolheu a tese do governo, entendendo que o teste de escrutínio estrito, empregado no precedente Craig v. Boren (1976) para ponderar a discriminação em questões de gênero, era eficaz para demonstrar que neste caso havia um interesse relevante do Estado a justificar a diferenciação, qual seja, a necessidade de administrar a força militar de forma flexível.
Nesta linha, entendeu A Suprema Corte em Rostker v Goldberg (1981), por maioria de seis a três liderada pelo então Juiz presidente William Rehnquist, que a exclusão das mulheres do registro de conscrição cumpria aquele objetivo, na medida em que as mulheres, ao contrário dos homens, não poderiam alternar-se em posições de combate e não-combate.   Ficaram vencidos, na época, os juízes White, Brennan e Marshall.
<blockquote class="jota-article__eye">Atualmente, não há mais serviço militar obrigatório nos EUA, pois desde o fim da Guerra do Vietnã a tropa é composta integralmente por voluntários profissionalizados.  No entanto, remanesce a compulsoriedade do alistamento para homens acima de 18 anos, já que a conscrição pode ser restabelecida pelo Congresso em qualquer momento, especialmente se o país entrar em uma guerra de grande escala.</blockquote>
Algumas entidades de defesa de direitos civis passaram a questionar outra vez o alistamento exclusivo para homens, especialmente depois que as Forças Armadas americanas puseram fim em 2016 à proibição de que mulheres sejam alocadas em posições de combate.  A iniciativa havia sido tomada no governo Barack Obama em 2013, que determinou às três forças que acabassem com as restrições em um prazo de três anos.
Em razão desta mudança, a National Coalition for Men ajuizou uma ação na Justiça Federal dos EUA contra o Selective Service System, argumentando que o precedente Rostker deve ser revisto, na medida em que seus pressupostos fáticos não se encontram mais presentes em razão da possibilidade de designar mulheres para posições de combate.  A decisão de primeiro grau julgou o pedido procedente, porém a Corte de Apelações do Quinto Circuito reverteu a decisão, sustentando que o precedente Rostker permanece válido até que a Suprema Corte delibere o contrário. Quando o caso estava sendo debatido neste tribunal, a administração Trump manifestou-se como amicus curiae, em oposição ao alistamento militar feminino.
Em princípios do ano, National Coalition for Men v. Selective Service System (docket 20-928) chegou à Suprema Corte dos EUA, mas ainda está em fase de admissibilidade, isto é, os juízes ainda não deliberaram se o caso será ou não levado à julgamento. Havia grande curiosidade dos especialistas americanos em saber se o governo Biden manteria a posição da administração Trump ou se defenderia a extensão do alistamento compulsório às mulheres.
Em fins de abril foi protocoloada a petição de amicus curiae do governo federal e a administração de Biden ficou, por assim dizer, “em cima do muro”. A “Solicitor-General” Elizabeth B. Prelogar, embora reconhecendo que homens e mulheres devam receber o mesmo tratamento em relação às políticas de recrutamento das Forças Armadas, pediu que o caso não seja admitido, argumentando que está em trâmite no Congresso dos EUA projeto de lei que trata do alistamento militar compulsório, encontrando-se em debate, inclusive o tema objeto do processo. Assim, os representantes do executivo defendem que a Suprema Corte seja deferente ao poder legislativo, foro que seria o mais adequado para a decisão da questão.
Para quem quiser conhecer todos os argumentos da National Coalition for Men, basta acessar esse link com a <a href="https://www.supremecourt.gov/DocketPDF/20/20-928/165657/20210108100535699_NCFM%20Petition%20-%20Final.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">petição de writ of certiorari</a> endereçada à Suprema Corte.
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JOTA

Caso Rostker v. Goldberg (1981) poderá ser revisto no próximo ano judiciário

Suprema Corte poderá autorizar alistamento militar obrigatório para mulheres

Caso Rostker v. Goldberg (1981) poderá ser revisto no próximo ano judiciário