Opinião e Análise

Cássio Casagrande

Nesta segunda-feira (31), a Suprema Corte dos EUA começou a ouvir dois casos que podem levar à revisão dos precedentes sobre ações afirmativas no país. Ambas as ações foram ajuizadas por uma associação civil que é contrária a essa política e, alegadamente, defende “admissões justas” no ensino superior americano.
O primeiro processo foi proposto contra a Universidade Harvard e questiona a política de ingresso nas instituições privadas. O segundo caso foi ajuizado contra a Universidade da Carolina do Norte e se refere ao mesmo tema, porém nas instituições públicas. A Suprema Corte deliberadamente designou os dois casos para o mesmo dia de arguições, porém nada obriga que a decisão seja uniforme para ambas as hipóteses, já que, em tese, seria possível considerar as ações afirmativas válidas no setor privado e inválidas no setor público. Muitos analistas acreditam, no entanto, que o resultado mais provável, dada a atual composição conservadora da corte, seja a declaração de inconstitucionalidade das políticas de integração e pluralidade racial para todo o setor.
Se isso ocorrer, os juízes que formarem eventual maioria necessariamente deverão enfrentar a “revogação” (overruling) dos precedentes que, desde o final dos anos 1970 (Regents of the University of California v. Bakke (1978); Grutter v. Bollinger (2003) e Fisher v. University of Texas (2016)) entenderam as ações afirmativas como constitucionais. Na jurisprudência da Suprema Corte, não se admite políticas de cotas raciais na admissão em universidades, mas estas podem considerar a raça como um dos fatores a serem sopesados na avaliação geral dos candidatos, desde que o objetivo seja aumentar a pluralidade na composição do quadro discente, o que seria um elemento na melhoria da formação acadêmica por proporcionar aos alunos um ambiente de diversidade cultural.
Para entender melhor o sistema, é preciso considerar que as universidades norte-americanas (incluindo os Colleges) não possuem critérios totalmente objetivos para a admissão de seus alunos, pois os examinadores, além dos scores dos alunos no high school e na undergratuation, podem levar em conta sua bagagem cultural, aspectos familiares, trabalho voluntário, liderança ou etnicidade, entre outros critérios bastante subjetivos, que dão enorme discricionariedade aos recrutadores.
A organização conservadora que patrocina as ações, Students for Fair Admissions (Estudantes em prol de Admissões Justas), alega, no caso da Universidade Harvard, que sua política de ações afirmativa vem prejudicando alunos de origem asiática, que estariam sendo preteridos em favor de estudantes negros e hispânicos. Embora a famosa instituição de Massachusetts seja privada, segundo os recorrentes ela estaria sujeita ao Título VI do Civil Rights Act de 1964, que proíbe “discriminação, exclusão ou negativa de benefícios” em qualquer instituição que receba recursos do governo federal, e é sabido que a universidade desfruta de vários subsídios dessa natureza.
Quanto à Universidade da Carolina do Norte, localizada em Chapel Hill e mantida pelo governo estadual, a alegação é de simples violação à “equal protection clause” da Décima Quarta Emenda, ou seja, a de que estudantes negros e hispânicos estariam sendo tratados de forma distinta pelo estado sulista.
Durante a sessão de arguição do caso, pelo teor das perguntas formuladas, pareceu claro que há uma tendência da maioria da Suprema Corte em rever os seus precedentes sobre ações afirmativas. Os juízes conservadores Thomas e Alito já têm posições conhecidas contrariamente à política, pois formularam votos vencidos nos casos anteriores, acima mencionados. A eles devem se somar os votos dos três juízes indicados durante a administração Donald Trump (Gorsuch, Kavanaugh e Barrett).
As três juízas liberais da corte (Sotomayor, Kagan e Jackson) devem ficar vencidas. O resultado, se ocorrer, dificilmente provocará mobilização política como ocorreu no caso Dobbs, que reverteu o precedente sobre a constitucionalidade do aborto no plano federal. As ações afirmativas não são populares (a maioria dos cidadãos é contrária, conforme recentes pesquisas de opinião) e vários estados submeteram a política a plebiscitos, com a rejeição prevalecendo, como em Michigan e na Califórnia. Muitas universidades já dão como certo o fim das ações afirmativas e buscam novas soluções para manter a diversidade nos campi. Resta apenas saber quais serão os contorcionismos hermenêuticos que a maioria na Suprema Corte adotará desta vez para justificar, novamente, a superação de precedentes consolidados. Será difícil convencer o público que a principal razão para isso não foi pura e simplesmente a mudança na composição da corte.

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JOTA

Nova maioria conservadora pode reverter decisões anteriores sobre a matéria


Suprema Corte pode pôr fim às ações afirmativas nos EUA

Nova maioria conservadora da Suprema Corte dos EUA pode reverter decisões anteriores sobre políticas de ações afirmativas no país