Opinião e Análise

Cássio Casagrande

A imagem física da Suprema Corte dos EUA ao final do último ano judiciário, encerrado em junho passado, não era nada boa. Por conta dos protestos contra decisões controvertidas, especialmente o <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/roe-v-wade-revertido-consequencias-politicas-da-decisao-aborto-eua-27062022">caso Dobbs</a>, que restringiu o direito de aborto à legislação estadual, medidas excepcionais de segurança foram adotadas. Uma cerca de aproximadamente três metros de altura foi montada no entorno de todo o prédio marmóreo, que ocupa um quarteirão entre o Capitólio e a Biblioteca do Congresso, em Washington. Uma segunda cerca, mais baixa, semelhante àquelas usadas em corridas de rua, contornava a primeira divisória. Houve aumento notável de guardas de segurança, em ronda ostensiva. Nunca antes o edifício havia sido isolado desta forma.
Além disso, a presença do público nas sessões de debates orais estava suspensa desde o início da pandemia, não obstante todas as demais repartições públicas federais da capital tivessem voltado à normalidade no começo deste ano. Todo esse quadro contrastava com <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/como-assistir-a-uma-sessao-da-suprema-corte-dos-eua-13082018">a tradição de acessibilidade e abertura que a Suprema Corte construiu ao longo de sua existência</a>: qualquer pessoa (inclusive turistas estrangeiros) sempre pôde subir suas famosas escadarias, circular pelas áreas comuns do prédio e até mesmo assistir sessões sem sequer mostrar sequer um documento.
Essa aparência de insulamento certamente corroborou para a avaliação negativa do tribunal constitucional americano pela opinião pública, que nas <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/confianca-na-suprema-corte-dos-eua-despenca-em-pesquisas-de-opiniao-18072022">últimas pesquisas atingiu seu ponto mais baixo</a> desde que a série histórica começou a ser registrada pelo Instituto Gallup. No final de agosto, a cerca mais alta foi retirada, mas a mais baixa ainda permanece. Na semana que passou, o presidente John Roberts anunciou que a Suprema Corte voltará a franquear o acesso do público às sessões abertas, a partir do próximo ano judiciário, que se inicia em outubro.
É certamente uma medida necessária para desanuviar o clima de desconfiança que paira sobre a corte, desde que Donald Trump indicou uma trinca de juízes conservadores que parecem agir mais como políticos radicais do Partido Republicano do que propriamente como magistrados, quebrando precedentes há muito estabelecidos sem nenhuma justificativa coerente, desdizendo o que haviam afirmado em suas sabatinas.
John Roberts, presidente da corte desde 2005 e muito cioso do sistema stare decisis, parece ter sentido o abalo no prestígio da corte. Ele mesmo vencido quanto ao overrruling do precedente Roe v. Wade (1973), no mesmo discurso em que anunciou a volta à normalidade da corte, discorreu longamente sobre a legitimidade do seu tribunal, sustentando que decisões impopulares não devem ser interpretadas como decisões políticas, em clara alusão ao julgamento do caso Dobbs. Só convenceu os ingênuos ou os convertidos, pois Dobbs foi um exercício de ativismo judicial bruto, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/ao-revogar-roe-v-wade-suprema-corte-ignorou-sistema-de-precedentes-11072022">uma decisão descolada do direto e da tradição da Common Law</a> e, inclusive por isso, impopular. Tão impopular que pode colocar em risco o que parecia uma barbada para os republicanos, nas eleições de midterm, em novembro.
A volta à normalidade das atividades no tribunal, somada à presença da carismática novata <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/ketanji-jackson-o-que-significa-suprema-corte-28022022">Ketanji Brown Jackson</a>, deve melhorar a imagem da corte, mas a instituição ainda enfrentará muita turbulência a partir de outubro, pois casos politicamente candentes serão examinados, especialmente os que dizem respeito à revisão das ações afirmativas, ao conflito entre liberdade religiosa e direitos homoafetivos e a leis estaduais de “redistricting”, esta uma questão constitucional sempre nevrálgica no sistema político americano, em que prevalece o sistema distrital na escolha de membros do Congresso. O verão está chegando ao fim em Washington, mas o clima deve continuar quente na Suprema Corte por muitos meses.

Suprema Corte dos EUA

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JOTA

Presidente John Roberts anuncia volta à normalidade, mas turbulência permanecerá

Suprema Corte dos EUA reabrirá sessões para o público

Presidente John Roberts anuncia volta à normalidade, mas turbulência permanecerá com o retorno dos trabalhos na Suprema Corte dos EUA