Opinião e Análise

Cássio Casagrande

O Senado dos EUA concluiu a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/sabatina-de-ketanji-b-jackson-a-suprema-corte-dia-2-23032022">sabatina</a> de Ketanji B. Jackson com a continuação de arguições na quarta-feira (23) e com uma sessão para oitiva de testemunhas na manhã desta quinta-feira (24). Agora, o processo vai a plenário e deve ser votado em duas semanas. Como o Senado está dividido em 50 republicanos e 50 democratas (dois, na verdade, são independentes, mas integram a bancada), em caso de empate, caberá à vice-presidente Kamala Harris formular o voto de minerva. Tudo indica que KBJ, como já está sendo chamada, deverá ser aprovada e é possível que alguns poucos republicanos também convalidem o seu nome.
O terceiro dia de trabalhos do Comitê Judiciário do Senado deixou clara a animosidade de boa parte dos senadores republicanos com a candidata, pois continuaram com as mesmas linhas de questionamentos do dia anterior, resvalando, não poucas vezes, para a demagogia barata e crueldade. O tema mais questionado continuou sendo a atuação de Ketanji como juíza em casos criminais de consumo de pornografia infantil. Segundo seus detratores, como magistrada, ela teria aplicado penas excessivamente brandas.
Jackson voltou a explicar os critérios que adotou na dosimetria da pena, mostrando que são os mesmos adotados na média pelos demais juízes federais. Embora sua explicação fosse clara e compreensível a qualquer um, alguns arguidores mais agressivos, como os senadores Graham (Carolina do Sul) e Hawley (Missouri), continuaram martelando à exaustão as expressões “pornografia”, “pedófilos”, “crianças pré-pubescentes”, “predadores sexuais”, o que evidentemente cria associações subliminares para quem assiste apenas alguns trechos da sabatina pela TV – caso da maioria dos telespectadores. A performance desses senadores foi criticada até mesmo pela revista conservadora National Review, que classificou as alegações de “meritless to the point of demagoguery…”.
Outra linha de ataque foi a de que a sabatinada seria uma ativista judicial, o que mesmo os juristas mais conservadores que conhecem o trabalho dela como magistrada negam com veemência e alguns chegam até a considerá-la como originalista. Para demonstrar sua “tese”, senadores republicanos pinçaram um caso sobre imigração, no qual Ketanji decidiu contra o governo Trump, e que posteriormente foi revertido pela respectiva Corte de Apelações, e em cujo acórdão havia uma crítica leve à forma de interpretação da lei em primeiro grau.
Jakcson explicou os fundamentos da sua decisão, mostrando que deixara de aplicar uma lei federal por haver colisão com outra norma de mesmo status hierárquico. O “cherrypicking” dos republicanos convenceu poucos, pois ela assinou mais de 500 decisões judiciais em sua carreira e sua taxa de reversão perante as cortes superiores era de apenas 2%. Além disso, decidiu um caso contra o interesse de Hillary Clinton e outros dois em favor da administração Trump.
Houve vários momentos de tensão no terceiro dia de sessão. Em alguns dos mais críticos, a sabatinada foi interrompida bruscamente por alguns senadores e precisou pedir para retomar a palavra e completar seu raciocínio, o que fez com muita delicadeza e autocontrole. Por vários momentos precisou corrigir declarações dos senadores sobre trechos de suas decisões e alertá-los respeitosamente de que estavam sendo retiradas de seu contexto. Foi incisiva quando necessário, chegando a dizer que um senador havia lido erroneamente uma manifestação sua.
Um dos aspectos mais importantes do terceiro dia ocorreu quando o senador Ted Cruz (Texas) perguntou se a indicada, caso aprovada, participaria do caso envolvendo a Universidade Harvard sobre ações afirmativas, que deve ser julgado nos próximos meses e que pode pôr fim a essas políticas em todo o país. Jackson, que integra um conselho formado por ex-alunos da instituição, indicou que deve se dar por impedida, o que é uma má notícia para os que defendem a continuidade das ações afirmativas, pois a corte ficará neste caso com uma balança de seis juízes conservadores e dois liberais.
Cruz repisou no passo em falso dado por Ketanji no dia anterior, quando ela se recusou a definir o que é uma mulher. Chegou a perguntar se ele, Ted Cruz, era uma mulher. Disse ainda que ela seria a única dentre os nove Justices a não saber definir o conceito e formulou um engenhoso exemplo de caso constitucional em que a legitimidade ativa dependia do correto enquadramento do gênero da parte autora. Desta vez, Ketanji não escorregou na casca de banana e respondeu satisfatoriamente em termos jurídicos técnicos.
O momento mais emocionante do terceiro dia voltou a ser protagonizado pelo senador Cory Booker, de Nova Jersey. Em seu discurso final, retratando o significado histórico da nomeação de Ketanji, levou a indicada e muitos dos presentes às lágrimas, mostrando o simbolismo transformador da presença da primeira mulher negra na Suprema Corte. Foi sem dúvida o discurso mais brilhante que um senador já pronunciou em uma sabatina para o cargo. Se você perdeu, <a href="https://youtu.be/VjjvNLMyNS4">assista aqui</a>, especialmente a partir do minuto 10:00.
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Na manhã de quinta-feira não houve arguições, mas apenas oitiva de testemunhas favoráveis e contrárias à aprovação do nome de Ketanji. Cada bancada indicou cinco depoentes. As testemunhas fazem uma manifestação inicial de cinco minutos e, depois, são inquiridas livremente pelos senadores. A sabatinada não deve estar presente nesta sessão. Em favor de Jackson, depuseram um amigo de infância, o presidente de uma associação nacional de policiais negros, uma acadêmica, uma congressista e o presidente de uma associação de defesa de direitos civis. Em oposição, os republicanos indicaram a representante de uma associação de defesa da liberdade religiosa, a presidente de uma entidade que apoia mulheres que estão em dúvida sobre abortar (para convencê-las do contrário), uma acadêmica, uma defensora de vítimas de pedofilia e o presidente de uma associação conservadora de procuradores de Estado.
Neste dia, a grande performance ficou com o senador Whitehouse, democrata de Rhode Island, que fez perguntas que deixavam evidente que a associação de defesa de liberdade religiosa e a associação de procuradores tinham laços estreitos com organizadores dos protestos de 6 de janeiro, que culminaram com a invasão do Capitólio. O procurador do estado do Alabama que representava sua categoria, em particular, causou grande constrangimento, ao se recusar a declarar que o presidente Biden havia sido “devidamente” eleito, perdendo qualquer credibilidade.
No balanço geral, Ketanji B. Jackson, pressionada ao limite da incivilidade, não cometeu nenhum erro comprometedor e demonstrou notável resiliência, empatia e têmpera, qualidades psicológicas essenciais ao cargo que almeja.

Ketanji B. Jackson

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JOTA

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