Opinião e Análise

Cássio Casagrande

Atualmente o Senado americano está dividido entre 50 senadores republicanos, 48 democratas e dois independentes (Bernie Sanders e Angus King), sendo que estes dois aderem em quase todas as votações ao partido de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/joe-biden">Joe Biden</a>. Tecnicamente há um empate entre as duas bancadas, mas algumas votações podem ser decididas com o voto de minerva da vice-presidente, Kamala Harris, que por provisão constitucional preside a câmara alta.
Esta pequena vantagem não tem adiantado muito ao governo do atual presidente, pois há uma regra de filibuster (uma espécie de obstrução do processo legislativo), que, na prática, demanda ao menos 60 votos para aprovar qualquer legislação federal. No entanto, a regra de filibuster não vale para as sabatinas do Senado que analisam as indicações para o Judiciário federal, e o governo Biden tem conseguido passar dezenas de nomeações para as varas federais (U.S. District Courts), para os tribunais federais de recursos (U.S. Court of Appeals) e para a Suprema Corte, conforme ocorreu com a bem-sucedida <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/ketanji-jackson-o-que-significa-suprema-corte-28022022">aprovação de Ketanji Brown Jackson</a>, no primeiro semestre.
Em novembro haverá eleições de meio de mandato (midterm elections) para renovação de 1/3 das cadeiras do Senado. Embora seja totalmente irreal imaginar que os democratas possam eleger dez senadores a mais nas eleições de novembro para destravar a pauta legislativa do governo, manter minimamente a maioria é essencial para que a administração Biden possa ao menos continuar influindo nos rumos do Judiciário federal. Os problemas econômicos, especialmente a alta dos combustíveis, a inflação e a escassez de mão de obra, farão com que muitos eleitores se voltem contra o governo de turno, o que será decisivo na eleição para o Senado, cuja pauta é ditada essencialmente pela avaliação do governo federal.
Todo cenário parecia bastante róseo para os republicanos, mas o “fator Trump” pode reacender alguma esperança no Partido Democrata. <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/trump-podera-ser-processado-pelos-atos-de-6-de-janeiro-25072022">As revelações do comitê parlamentar de investigação sobre o 6 de janeiro de 2021 tem mostrado a conduta constrangedora do ex-presidente americano no apagar das luzes de seu mandato</a>. Pesquisas de opinião revelam que a imagem de Trump está bastante deteriorada. Mesmo assim, Trump continua politicamente atuante, fazendo comícios e “endossando” candidatos aos governos estaduais, à Câmara e ao Senado — para desespero de alguns republicanos mais tradicionais.
Alguns dos candidatos ao Senado que contaram com o apoio enfático do ex-presidente venceram as primárias republicanas ou têm grandes chances naquelas que estão por ocorrer agora em agosto; entre eles há políticos tão bufões, radicais, demagogos e bizarros quanto o seu padrinho. A consequência é que o alijamento de candidatos republicanos moderados tende a colocar em risco eleições senatoriais que pareciam garantidas.
Na Pensilvânia, o midiático Dr. Oz foi o favorito de Trump. Mehmet Oz é um médico nascido na Turquia que ficou famoso por participações no programa de Oprah Winfrey e depois passou a vender “pílulas mágicas” para emagrecimento. Seus negócios duvidosos acabaram sendo investigados pelo Senado, onde prestou depoimento e agora, se eleito, poderá juntar-se aos seus antigos inquisidores.
Não bastasse esse fato, descobriu-se que Dr. Oz tinha dupla nacionalidade e teve que renunciar repentinamente à sua cidadania turca para concorrer ao cargo, pois a Constituição americana não permite que cidadãos estrangeiros sejam eleitos à câmara alta do Legislativo. Além disso, Dr. Oz nunca morou na Pensilvânia, estado que pretende representar, pois sempre viveu na vizinha Nova Jersey e mudou de endereço apenas para concorrer ao cargo, fato que está gerando vários constrangimentos entre os eleitores do estado adotivo de Benjamin Franklin. O candidato Oz enfrentará um carismático político do Partido Democrata, John Fetterman (que, aliás, é casado com uma brasileira) e está na dianteira nas pesquisas.
No Missouri, Donald Trump está apoiando discretamente nas primárias que ocorrerão nesta semana o controvertido político Robert Greitens, ex-governador do estado que renunciou ao cargo em 2018, em meio a acusações de malversação de fundos de campanha eleitoral, além de um indiciamento por agressão sexual e chantagem que teria praticado contra sua cabeleireira, com quem mantinha uma relação extraconjugal. Greitens parece aqueles políticos que são atropelados por um caminhão, levantam-se, tiram a poeira dos ombros e continuam caminhando ilesos, mas o seu “currículo” pode dificultar uma eleição que parecia fácil, em um estado que quase sempre pende para os republicanos.
Dificuldades semelhantes estão ocorrendo em outros estados onde a eleição de republicanos para o Senado parecia “barbada”. Em Ohio, o candidato do GOP J.D. Vance deu uma declaração desastrada comparando o aborto à escravidão. No Arizona, o candidato bancado por Trump nas primárias continua dizendo que o ex-presidente venceu as eleições presidenciais de 2020; na Geórgia, o promissor candidato Herschel Walker, um ex-astro do futebol americano, negro e conservador, acabou admitindo que tinha três filhos fora do casamento, cada um com uma mulher diferente, os quais nunca mencionara publicamente. Além disso, um jornal local de Atlanta revelou que Walker alegou falsamente ter trabalhado como agente do FBI.
As perspectivas ainda não são muito animadoras para os democratas nas eleições de novembro, mas eles ao menos podem torcer para que os republicanos, com um empurrão de Trump, tropecem nas próprias pernas.

capitólio

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JOTA

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