Opinião e Análise

Cássio Casagrande

Jonathan Singleton, Ricky Vickery e Micki Holmes são três adultos sem-teto que vivem como indigentes nas ruas da cidade de Montgomery, capital do Alabama. Sua única fonte de renda são as esmolas que recebem. Não costumam importunar ativamente os pedestres, apenas ficam sentados segurando cartazes, com dizeres para tentar convencer os transeuntes ou motoristas a lhes dar um trocado.   
Eles e todos os demais moradores de rua do Alabama ficaram preocupados com sua subsistência quando duas leis antimendicância foram aprovadas pela assembleia legislativa estadual. Uma proíbe “ficar à toa em lugar público com o propósito de mendigar”. A outra veda “permanecer em rodovia para o fim de solicitar contribuições”. As leis estabelecem multa e prisão para os infratores.   
Com a ajuda da célebre organização civil American Civil Liberties Union (ACLU), os três moradores de rua de Montgomery ajuizaram uma ação na Justiça Federal local, argumentando que as leis estaduais violam o seu direito de liberdade de expressão, assegurado na Primeira Emenda à Constituição dos EUA. O juiz W. Keith Watkins acolheu o pedido liminarmente, determinando ao secretário de Estado e ao xerife de Montgomery que se abstenham de aplicar a lei até que o julgamento final ocorra.   
É praticamente certo que a decisão liminar será mantida ao final, pois há precedente na Corte Federal de Apelações do 11º Circuito, com jurisdição sobre o Alabama. Em 1999, analisando uma lei da cidade de Fort Lauderdale (Flórida) que criminalizava a mendicância, este tribunal decidiu que “da mesma forma que ocorre em relação a qualquer entidade beneficiente, pedir dinheiro é um tipo de discurso protegido pela Primeira Emenda” (Smith v. City of Fort Lauderdale, Fla, 177 F.3d 954,956 - 11th Cir. 1999).  
A <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/suprema-corte-dos-eua">Suprema Corte dos EUA</a> nunca analisou se o ato de pedir esmolas é “protected speech” para os fins da Primeira Emenda, o que poderá ocorrer caso outro tribunal federal decida de forma diferente ao 11º Circuito. No entanto, no caso do Alabama, o juiz utilizou a jurisprudência da mais alta corte constitucional para construir o seu entendimento a partir da doutrina do “content based”. A Suprema Corte já estabeleceu há muito tempo que o poder público local pode restringir a liberdade de expressão por motivo de modo, tempo e lugar (por exemplo, proibir a distribuição de panfletos por crianças, vedar comícios em horário noturno ou restringir passeatas nas proximidades de um hospital). Nesses casos, não haveria controle da autoridade sobre o conteúdo do discurso, mas sobre as condições em que ele é realizado. Seria um controle da externalidade do ato discursivo e não de sua internalidade.  
O juiz do Alabama interpretou que a proibição de mendicância era uma forma de discriminar um tipo específico de discurso (solicitação de esmolas), de forma que ele não teria uma justificativa suficiente para destacá-lo de outras categorias de discurso que podem ser feitos em via pública. A decisão liminar fez menção a um julgado recente da Suprema Corte, Reed v. Town of Gilbert, Arizona, de 2015, no qual se estabeleceu que “uma regulação do discurso é considerada como baseada em conteúdo se a lei respectiva aplica-se a uma espécie particular de discurso por causa do tópico discutido ou da mensagem expressada”.   
Em 2013, outra decisão semelhante havia sido tomada pela Corte Federal de Apelações do 6º Circuito, em caso envolvendo a cidade de Grand Rapids, Michigan. Se mantidas nas demais jurisdições federais, a inconstitucionalidade das leis antimendicância terão um impacto significativo nas municipalidades americanas, pois elas em geral detêm o poder de estabelecer leis criminais sobre posturas urbanas, e muitas têm políticas bastante agressivas de repressão aos pedintes. Para a ACLU e os demais críticos dessas politicas, muitas cidades americanas estão se valendo dessas normas para criminalizar a pobreza e tirar os indigentes de circulação. Para o leitor do JOTA que tiver curiosidade, a decisão aqui comentada pode ser lida <a href="https://www.aclualabama.org/sites/default/files/field_documents/alabama_panhandling_prliminary_injuction.pdf">neste link</a>.

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JOTA

Decisão considera inconstitucional lei do Alabama que criminaliza o ato de pedir esmolas

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