Saiu no início de junho, na prestigiosa Proceedings of the National Academy of Sciences, a mais importante pesquisa sobre o impacto das três nomeações judiciais de Donald Trump na composição da Suprema Corte dos Estados Unidos. Como era de se imaginar, a chegada dos Justices Brett Kavanaugh, Neil Gorsuch e Amy Cony Barrett levou a corte constitucional americana a adotar uma postura ainda mais conservadora do que já tinha antes do governo Trump.
A pesquisa comparou decisões tomadas pela Suprema Corte em aproximadamente dez casos (escolhidos pelo critério de mais relevância em termos de “policy issues”) em cada um dos anos de 2010, 2020 e 2021, com a opinião de cidadãos comuns sobre os temas que foram objetos dos julgamentos.
A escolha dos anos se deu para permitir o cotejo do comportamento da corte em comparação como a opinião pública, antes e depois das indicações presidenciais à Suprema Corte durante a presidência Trump. O objetivo de incluir o ano de 2021 foi o de medir o impacto da indicação da terceira nomeada de Trump, Amy Barrett, já que essa mudança na composição teve um impacto extraordinário, não em razão do perfil particular da juíza, mas porque anulou a possibilidade de “swing vote”; isto é, como havia uma estabilidade na corte de cinco conservadores e quatro liberais desde 2010, a mudança para uma maioria de seis para três tornou impossível a atuação de um juiz “centrista”, que pudesse trazer os conservadores para o meio.
Os pesquisadores não estabeleceram a priori o que seria uma posição “conservadora” ou “liberal” nas questões sob apreciação da corte constitucional; eles consideraram uma posição conservadora como aquela que tem mais apoio entre eleitores Republicanos do que Democratas (e vice-versa para a posição liberal).
O resultado da pesquisa mostrou que os julgamentos da Suprema Corte em 2010 se encontravam em posição bastante similar à do americano médio, mas que dez anos depois as decisões se apresentam mais conservadoras do que as preferências da maioria dos americanos. Em 2021, em particular, as decisões nos casos estudados revelaram que a Suprema Corte se posicionou no grupo dos 25% entrevistados que se encontram mais à direita do espectro ideológico.
Outro dado extraído da pesquisa, muito interessante, diz respeito às expectativas dos cidadãos comuns com relação à corte constitucional, ou seja, se ele acredita que o tribunal tenderá a ser mais conservador ou liberal nos casos selecionados. Assim, os pesquisadores não apenas perguntaram qual seria a decisão correta na opinião do entrevistado, mas também qual, em sua percepção, deve ter sido a decisão da Suprema Corte em dado caso. O objetivo era saber se o cidadão médio tem uma avaliação correta do comportamento político da corte, considerado inclusive sua composição.
Os dados mostraram que os americanos, na média, subestimam o quão conservadora tem sido a tendência dos julgamentos, sendo que, dentre os entrevistados, os que se identificam com o Partido Democrata são notavelmente os que tendem a acreditar que a corte é mais liberal do que ela de fato é.
É muito provável que as decisões a serem proferidas pela Suprema Corte nas próximas semanas confirmem as premissas da pesquisa: ao que tudo indica a corte constitucional americana vai superar o precedente Roe v. Wade, que garantia o direito ao aborto em todo o território nacional desde 1973. A mudança do precedente (que provavelmente condicionará o direito ao aborto à legislação estadual) significará o que já se percebe claramente em casos de menor significância — uma guinada bastante acentuada à direita.
Quando isso ocorrer, como se espera, o maior impacto será quanto à percepção da corte pelo público em geral e pelos democratas em particular. A restrição aos direitos reprodutivos das mulheres será um choque de realidade sobre o verdadeiro impacto das nomeações de Donald Trump no tribunal. Considerando as controvérsias que envolveram as nomeações (especialmente a vaga obtida pela obstrução, no Senado de maioria republicana, da última indicação de Barack Obama), uma maior consciência sobre a influência do jogo bruto da política no processo de composição da corte constitucional pode também afetar o seu prestígio. Como lembra o Juiz Stephen Breyer, que se aposenta agora no fim do ano judiciário, “se o público passa a ver os juízes apenas como ‘políticos em togas’, a sua confiança no sistema judicial e no próprio império da lei apenas pode declinar”.