Opinião e Análise

Cássio Casagrande

Na língua inglesa há uma curiosa expressão idiomática, “throw someone under the bus”, literalmente, “atirar alguém debaixo do ônibus”, mas que metaforicamente significa deixar um amigo ou aliado em situação difícil por motivação egoística. Algo parecido com o nosso “atirar alguém aos leões”. O que mais se pergunta nessa semana nos círculos políticos de Washington é se e quando Donald Trump será empurrado por seus aliados republicanos sob as rodas do primeiro coletivo que passar.
O ex-presidente americano está passando por dias difíceis. Em Nova York, está no meio de um tormentoso processo criminal sobre negócios obscuros e sonegação de impostos à frente de seu império empresarial. Na Geórgia, um Grand Jury da Justiça estadual poderá indiciá-lo por sua conduta de acusar autoridades daquele estado de fraude nas eleições de 2020. O comitê especial da Câmara dos Deputados está reunindo provas comprometedoras sobre sua participação nos atos de violência do dia 6 de janeiro de 2021, que poderão resultar em um outro processo criminal, caso assim entenda o Departamento de Justiça.
E agora, sob direção do Attorney General dos EUA e cumprindo mandado judicial, o FBI executou uma busca e apreensão nas dependências de sua residência em Mar-a-Lago, na Flórida, onde apreendeu diversas caixas com documentos ultrassecretos do governo americano que o ex-presidente simplesmente empalmou como se fossem seus. Esses dados, segundo as autoridades, contêm segredos de Estado, inclusive informações sobre armas nucleares e interceptações de conversas de líderes estrangeiros, que podem colocar a segurança nacional em risco.
De início, houve uma grita na nau dos republicanos insensatos, capitaneada pelos fanáticos do movimento MAGA e sua trombeta do apocalipse, a rede de TV Fox News. Tudo não passaria de “perseguição política” do governo Biden e do chefe do Departamento de Justiça, Merrick Garland. O FBI estaria sendo “instrumentalizado” pelo governo, para evitar que Trump volte à Presidência em 2024. Um trumpista maluco chegou a invadir, com armas de guerra, a sede do FBI em Cincinatti, Ohio. Levou um tirambaço da segurança e caiu morto.
Mas passada a emoção inicial, o casco começou a fazer água. Ron De Sanctis, governador republicano do estado onde ocorreu a busca e apreensão e candidatíssimo à Presidência em 2024, reagiu de forma bastante tímida à ação do FBI. Usou uma mensagem em sua conta privada do Twitter expressando preocupação com a “escalada” política, mas na conta oficial do governo da Flórida houve silêncio, inclusive porque a ação dos federais contou com a colaboração logística da polícia estadual da Flórida, e ficaria estranho que o governador colocasse em dúvida a legalidade da ação dos seus próprios subordinados.
É possível que outros políticos de alta gama no Partido Republicano, com ambições para 2024, comecem a seguir a linha do governador da Flórida e passem a deixar de lado sua fidelidade canina ao ex-presidente. As acusações, afinal, são bastante graves. Trump é acusado de violar três leis federais sobre guarda de documentos sigilosos do governo americano, incluindo a Lei de Espionagem. Todo o procedimento foi iniciado a partir de representação do National Archives, agência federal responsável pela guarda e segurança de todos os documentos oficiais dos EUA, e que goza de altíssimo prestígio entre os americanos. Este órgão percebeu que muitos documentos sensíveis haviam desaparecido depois que Trump deixou a Casa Branca.
Apesar de enredado em uma teia de inúmeros problemas legais, o ex-presidente vem dando demonstração de força em várias primárias das eleições de midterms, endossando alguns “negacionistas eleitorais” (questionadores da eleição de Biden em 2020) que saíram vitoriosos na disputa para pleitos importantes, como Doug Mastriano e Kari Lake, escolhidos, respectivamente, para concorrer ao cargo de governador da Pensilvânia e do Arizona, estados-chave para a definição do colégio eleitoral nas últimas eleições presidenciais.
Se não quiser acabar sob as rodas do ônibus, Trump precisa torcer para que os candidatos que endossou se saiam bem em novembro e para que seu batalhão de advogados consiga mantê-lo incólume diante de tantas ameaças legais. Enquanto isso, resta observar quem será o primeiro cacique do Partido Republicano a lhe dar um leve empurrão. Eu apostaria minhas fichas em De Sanctis.

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JOTA

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