Opinião e Análise

Cássio Casagrande

Os americanos inventaram a democracia eleitoral tal como a conhecemos: partidos políticos organizados, comitês de campanha, comícios em clima de festa, apertos de mão com os eleitores, viagens pelo país, financiamento através de doações, pesquisas de intenção de voto, discursos ensaiados, debates presidenciais – tudo isso surgiu originariamente nos EUA.
Os confrontos cara a cara entre candidatos a presidente foram a inovação mais recente, pois só passaram a ocorrer após a popularização do aparelho de TV. Esses debates, que se disseminaram em todo o mundo democrático, podem estar com os seus dias contados, em razão de uma decisão recente do Partido Republicano.
O primeiro debate presidencial dos Estados Unidos ocorreu na eleição de 1960, organizado por um estúdio de TV em Chicago entre os postulantes John Kennedy e Richard Nixon, e ficou célebre, pois muitos analistas políticos atribuem a este encontro a virada do candidato democrata (que estava atrás nas pesquisas) e sua subsequente e arrebatadora vitória.
Nixon, que dominava melhor do que o oponente muitos dos assuntos suscitados, não percebeu que a imagem dos candidatos na TV seria tão importante quanto o seu conteúdo. O candidato republicano estava num mal dia e sua arrogância costumeira tampouco contribuiu para sua performance. Muito abaixo do peso por conta da tensão da campanha, Nixon estava abatido e com a barba por fazer, recusando-se a ser maquiado. Seu suor podia ser percebido pelos espectadores.  O terno que escolheu confundia-se com a cor do palco atrás de si na transmissão em preto e branco.
De outro lado, enfrentou um Kennedy jovial e enérgico, carismático, descontraído, bem vestido e maquiado. Foi um knock down em favor do candidato democrata.  Eles ainda se enfrentaram em outros três debates no mesmo ano, em que Nixon (agora barbeado, bem vestido e maquiado) saiu-se a contento. Mas não foi capaz de reverter a má impressão inicial do primeiro encontro, cuja audiência foi maior que os que se lhe seguiram.
Talvez traumatizados por esse grande impacto daquele primeiro confronto de 1960, candidatos democratas e republicanos não se animaram a fazer debates nas eleições de 1964, 1968 e 1972 (essas duas últimas com a candidatura novamente de Nixon, que venceu ambas as disputas). Em 1976, com as candidaturas do republicano Gerald Ford e do democrata Jimmy Carter, os debates foram retomados sob o patrocínio de uma associação civil de incentivo à participação feminina na política (The League of Women Voters) e desde então ocorreram em cada uma das eleições presidenciais, ainda que o seu formato tenha variado bastante de um pleito a outro.
A The League of Women Voters organizou apenas três debates (1976, 1980 e 1984), pois em 1987 anunciou que deixaria de promover os encontros devido às exigências cada vez mais duras dos dois grandes partidos americanos, que começavam a vetar certos temas delicados para os seus candidatos, inclusive detalhes sobre sua vida pessoal.
Com a retirada da League of Women Voters, os próprios partidos Republicano e Democrata criaram um comitê interpartidário para organizar os debates presidenciais, conhecido como Comission on Presidential Debates. Desde a eleição de 1988, essa comissão bipartidária vem sendo responsável por definir o formato, local, duração e número de debates em cada pleito presidencial, que continuam atraindo enorme audiência, a despeito da diminuição significativa do impacto da TV no processo eleitoral, especialmente diante da influência cada vez maior das redes sociais no processo.
Na semana passada, o Comitê Nacional do Partido Republicano, por decisão unânime, anunciou que está se retirando da Comission on Presidential Debates, ao argumento de que o órgão bipartidário estaria favorecendo excessivamente o Partido Democrata, a despeito de sua composição paritária. O argumento repete as críticas que Donald Trump fez durante a última campanha eleitoral.
A representante do Comitê Nacional do Partido Republicano, Ronna McDaniel, informou que sua agremiação buscará novas alternativas para a promoção de debates, “em outras plataformas”, sem especificar bem o que isso significa, inclusive porque haveria necessidade de concordância do Partido Democrata. Tudo indica que esse é um movimento de rejeição dos debates presidenciais na vindoura eleição de 2024.
Muitos analistas políticos em Washington acreditam que essa é mais uma demonstração de que o trumpismo dominou completamente a cúpula do Partido Republicano e que essa decisão faz parte da estratégia de Trump de desestabilizar as formas de expressão tradicionais da democracia americana. Ainda que a tradição dos debates televisivos seja relativamente recente, ela certamente vem contribuindo para expor os candidatos ao escrutínio do público, sendo relevante, em particular, para definir o voto dos eleitores indecisos, geralmente constituído por aqueles que não se identificam automaticamente com nenhum dos dois grandes partidos americanos. Dada a influência do trumpismo na extrema direita brasileira, é possível que essa decisão de desacreditar os debates pela TV afete a <a href="https://www.jota.info/eleicoes">nossa própria eleição presidencial</a> neste ano.

debate trump biden

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JOTA

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