Opinião e Análise

Cássio Casagrande

O Instituto Gallup pesquisa anualmente a confiança dos americanos na Suprema Corte desde 1973 – curiosamente, o ano em que o caso <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/ao-revogar-roe-v-wade-suprema-corte-ignorou-sistema-de-precedentes-11072022">Roe v. Wade</a> foi julgado. Daquele ano até princípios do ano 2000, entre 40% e 60% dos americanos afirmavam confiar totalmente ou bastante no trabalho da corte constitucional americana. A partir de 2005, esse índice passou a declinar, situando-se entre 30% e 40%, mas nunca ficando abaixo disso.
Na <a href="https://news.gallup.com/poll/394103/confidence-supreme-court-sinks-historic-low.aspx">última consulta</a>, realizada entre os dias 1º e 20 de junho, o prestígio da Suprema Corte junto ao público americano atingiu o seu menor índice já registrado: apenas 25% dos cidadãos confiam no trabalho do seu tribunal constitucional. Entre eleitores do Partido Democrata, a queda é ainda mais acentuada, pois apenas 13% dos que se identificam com a agremiação mostram confiança quanto ao trabalho da corte, outro recorde negativo histórico.
A primeira razão aparente para esse declínio seria a percepção entre o público americano da excessiva partidarização e polarização da corte. A tabela histórica dos dados mostra claramente que há uma tendência descendente a partir de 2002, última vez em que ao menos 50% dos americanos mostraram confiar no tribunal. Depois de 2006, o índice jamais superou 40%. A atuação da corte no julgamento que decidiu as eleições para presidente em 2000 (Bush v. Gore) parece ter sido um divisor de águas, pois os juízes votaram então uma questão constitucional decisiva sobre o processo eleitoral no estado da Flórida em linhas claramente partidárias, reconhecendo a vitória do candidato republicano. 
O declínio geral da confiança na Suprema Corte ao longo das últimas cinco décadas poderia ser atribuído aos eleitores democratas, já que, desde o governo Nixon, há uma maioria sólida de ao menos cinco juízes conservadores na composição da corte constitucional. Mas as coisas não são assim simples. A corte, ao longo desse período, em que por muito tempo sobressaíram juízes moderados indicados por republicanos, como Sandra O’Connor e Anthony Kennedy, viveu momentos em que os eleitores democratas a avaliavam melhor do que os seus adversários.
Por exemplo, entre 2013 e 2016 os republicanos confiavam no tribunal menos dos que os democratas, resultado, certamente, das decisões que afirmaram a constitucionalidade do Affordable Care Act – o Obamacare (National Federation of Independent Business v. Sebelius, 2012), e reconheceram o direito constitucional de casamento entre pessoas do mesmo sexo (Obergefell v. Hodges, 2015), chegando a um mínimo de 27% entre os partidários do GOP em 2016.
A queda brutal no índice de aprovação da Suprema Corte não pode ser atribuída apenas ao recente julgamento que promoveu o overruling de Roe v. Wade, declarando não haver garantia constitucional para a obtenção do aborto. É preciso observar que o caso Dobbs v. Jackson foi julgado apenas em 28 de junho, quando a pesquisa já havia sido concluída. No entanto, o processo certamente influenciou a opinião pública antes mesmo da conclusão do julgamento, pois, como é sabido, houve um espantoso vazamento do <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/ao-revogar-roe-v-wade-suprema-corte-ignorou-sistema-de-precedentes-11072022">voto do juiz Samuel Alito</a>, em que se divulgou antecipadamente o teor do julgamento, o que provocou protestos em várias cidades importantes do país. O próprio vazamento em si certamente afetou a credibilidade da corte, pois até o momento a investigação interna não chegou a lugar algum e não se sabe como e por que isso ocorreu. 
A imagem pessoal dos juízes é outro fator que pesa na avaliação dos americanos. As sabatinas dos últimos quatro juízes indicados foram bastante duras no Senado, com acusações pessoais virulentas e votações bastante acirradas, o que contribui para que o público veja a Suprema Corte de uma forma partidarizada. A reputação pessoal dos seus membros também é outro fator a se considerar.  O juiz Kavanaugh enfrentou pesadas alegações de assédio sexual em sua sabatina, e a esposa do juiz Clarence Thomas está sendo acusada desde março de participar ativamente em movimentos que pretendiam negar a legitimidade das últimas eleições, usando indevidamente de sua influência para pressionar agentes públicos a corroborar a narrativa bizarra de fraude eleitoral pateticamente encenada por Donald Trump. 
Além disso, não se pode ignorar que nos últimos anos a corte perdeu juízes venerados e de grande carisma pessoal, de várias tendências ideológicas, como Antonin Scalia, Anthony Kennedy e Ruth Bader Ginsburg, os quais foram substituídos por juízes que têm sido vistos pela mídia liberal como meros sequazes do Partido Republicano e que não tem mostrado, até o momento, nenhum brilho intelectual em particular.
Há de se observar que mesmo entre os eleitores republicanos há um claro declínio na confiança depositada nos juízes da corte nos últimos dois anos. Na pesquisa de junho, apenas 39% dos simpatizantes desse partido declaram confiar no tribunal, menor índice desde 2016. A diminuição no apoio parece decorrer dos ataques retóricos de Donald Trump no final de seu mandato, quando alegou que a Suprema Corte “não estava fazendo nada” diante das suas alegações de fraude eleitoral. Isso certamente influenciou segmentos mais radicalizados (e em geral pouco informados) do Partido Republicano. 
Além da pesquisa mencionada, o Instituto Gallup também realiza outra consulta anual sobre a Suprema Corte, em geral no mês de setembro, na qual indaga aos cidadãos americanos se “aprovam ou desaprovam a forma pela qual a Suprema Corte está desempenhando sua função”.  A <a href="https://news.gallup.com/poll/354908/approval-supreme-court-down-new-low.aspx">última pesquisa</a>, realizada em 2021, também registrou um recorde negativo desde o início da série histórica em 2001, com apenas 40% dos entrevistados aprovando o trabalho da corte. Esse índice certamente vai sofrer uma queda ainda maior na pesquisa que será realizada no próximo mês de setembro, como consequência do julgamento no caso Dobbs.
Uma outra pesquisa recente, encomendada pelo conservador Instituto Heartland, mostrou que 54% dos eleitores entre 19 e 39 anos gostaria de abolir a Suprema Corte e substituí-la por um órgão mais democrático e eleito. A perda de prestígio da corte constitucional americana entre os jovens é visível nas salas de aula. Em recente palestra na George Washington University, o renomado professor Jeffrey Rosen comentou sua percepção de que um número cada vez maior de alunos encara com cinismo as decisões do tribunal, que são vistas por muitos apenas como exercício de preferências políticas de seus integrantes. A tendência de perda de prestígio da Suprema Corte dos Estados Unidos, especialmente entre os jovens, é emblemática e preocupante nestes tempos de instabilidade nas instituições tradicionais da democracia liberal.

suprema corte dos eua

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JOTA

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