Opinião e Análise

Cássio Casagrande

Christian Smalls desistiu da carreira de raper aos vinte anos de idade quando se tornou pai e precisou encontrar trabalhos que dessem mais dinheiro. De emprego em emprego, chegou à <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/amazon">Amazon</a>, onde desempenhava tarefas manuais nos gigantescos terminais de armazenamento e logística da companhia. Em abril do ano passado, no auge da pandemia, organizou um protesto na empresa, porque esta, mesmo ciente de que vários trabalhadores estavam trabalhando com Covid-19, não avisou aos demais desta situação.
Paradoxalmente, a Amazon disse que Smalls descumpriu as orientações da empresa sobre segurança e saúde, por promover uma aglomeração quando realizou o protesto. Despediu-o por justa causa. Smalls, que tinha sete anos de prestação de serviços para a empresa (situação rara, pois a rotatividade é enorme), decidiu então criar um <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sindicatos">sindicato</a> junto com outros companheiros de luta insatisfeitos com as péssimas condições de trabalho na unidade, o Amazon Labor Union.
Ele ouviu de muitos que aquilo seria um sonho quixotesco, impossível de concretizar. Nenhum dos estabelecimentos da maior empresa americana em número de empregados é sindicalizado. No sistema legal americano, trabalhadores precisam aprovar através de uma eleição a proposta de representação sindical. A lei original, a National Labor Relations Act, foi reformada no pós-guerra para evitar o crescimento e a influência cada vez maiores dos sindicatos na vida econômica e política do país. Uma alteração permitiu ainda que os empregadores possam tentar <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/bezosismo-amazon-taylorismo-fordismo-toyotismo-01112021">convencer os trabalhadores dos “malefícios” da representação sindical</a>. Esse permissivo gerou uma abertura para todo tipo de pressão e coerção sobre os trabalhadores.
A Amazon é uma das <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/trabalhadores-da-amazon-uni-vos-assinado-joe-biden-08022021">empresas nos Estados Unidos mais agressivas</a> nas táticas de “union bustling”. Além de contratar consultorias jurídicas a preço de ouro para conceber suas estratégias antissindicais, a companhia adota técnicas de gestão empresarial destinadas a enfraquecer os vínculos de solidariedade entre os trabalhadores. O veterano jornalista Steven Greenhouse, que trabalhou para o The New York Times cobrindo relações de trabalho durante muitos anos, afirma que o tempo médio de trabalho na Amazon é de apenas oito meses e a rotatividade é propositadamente alta, pois isso dificulta a mobilização dos trabalhadores.
Quando a Amazon percebeu a popularidade de Christian Smalls junto a seus companheiros de trabalho, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/praticas-de-terceirizacao-da-amazon-sao-questionadas-nos-eua-09092019">suas táticas antissindicais</a> ficaram ainda mais violentas.  A empresa construiu uma cerca alta, com arame farpado em torno de todo o terreno do estabelecimento, que ficou parecido com um presídio.  Quando Smalls e seus companheiros chegaram perto, foram acusados de invasão de propriedade e a polícia foi chamada.
Mas o renitente grupo de Smalls não desistiu e continuou operando no modo “formiguinha”, conversando com os trabalhadores nos pontos de ônibus ao final de cada turno, o que inclui madrugadas frias, pois os galpões da Amazon operam 24 horas sem parar.  Também fizeram muito sucesso vídeos produzidos para o TikTok denunciando as más condições de trabalho na empresa.
Quando as urnas foram abertas na última sexta-feira, o resultado foi de 2.654 votos a favor da sindicalização e 2.131 contrários, neste que é um dos maiores terminais de logística dos EUA, pois abastece todas as entregas em Nova Iorque. Greenhouse caracterizou a vitória dos trabalhadores como “imensa e histórica”. Para Smalls, representou uma vitória pessoal. Em um memorando interno vazado, assinado por executivos incluindo o próprio Jeff Bezos, Smalls é referido de forma depreciativa, como não sendo inteligente nem articulado. Que o próprio Bezos tenha dedicado algumas palavras para defini-lo parece indicar o contrário. Depois da vitória nas urnas, Smalls declarou: “Agradecemos ao Bezos por ter ido ao espaço. Enquanto ele estava lá, nós gastamos nosso tempo criando um sindicato”.
A despedida por justa causa de Christian Smalls está sendo discutida no judiciário estadual, pois o procurador-geral do estado de Nova York a considerou como retaliatória em razão de suas atividades sindicais. Ainda não há uma decisão.

Trabalhadores Amazon

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JOTA

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