Opinião e Análise

Cássio Casagrande

Nos últimos anos, na esteira dos debates sobre a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/reforma-trabalhista">reforma trabalhista</a>, construiu-se no Brasil o mito de que os EUA têm pouca litigância laboral. Essa é uma concepção completamente falsa e totalmente descolada da realidade, conforme já demonstrei <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/empresas-dos-eua-gastam-bilhoes-de-dolares-com-acoes-trabalhistas-09122019">neste artigo</a>.
Para compreender melhor o promissor mercado da advocacia trabalhista nos Estados Unidos, visitei o escritório Legare, Attwood &amp; Wolfe, instalado na cidade de Decatur (Geórgia), um próspero subúrbio de Atlanta. Na companhia do juiz do trabalho João Renda Leal Fernandes (TRT1), entrevistamos durante uma hora e meia Steve Wolfe, um dos sócios do escritório, que nos contou sua trajetória e explicou como é o seu trabalho, conversa que resumo aqui.
Wolfe estudou jornalismo no Boston University (undergraduation) e, por influência do pai advogado, cursou direito na Emory University School of Law, que, segundo ele, foi a melhor faculdade de direito que o aceitou. A instituição é bastante renomada, sendo a universidade privada mais prestigiosa da Geórgia. Steve começou a fazer um estágio (internship) durante a faculdade em escritório trabalhista e essa experiência acabou sendo determinante na escolha de sua carreira jurídica.
Nos Estados Unidos, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/direito-do-trabalho">direito do trabalho</a> é dividido em employment law (individual) e labor law (coletivo ou sindical). Steve atua na área de employment law, mas esse campo também possui especializações, como “discriminação” (discrimination), jornada e salários (wage and hour) e desvirtuamento da relação de emprego (missclassification). Acidentes de trabalho (workers compensation) não são considerados como pertencentes à legislação trabalhista, pois estão mais próximos do direito securitário e são regulados basicamente por leis estaduais, e litigados em instâncias administrativas dos estados.
O escritório de Steve Wolfe atua principalmente em casos de discriminação no trabalho, cujo marco legal é o Título VII da Lei dos Direitos Civis, editada em 1964, na esteira dos protestos por igualdade racial. Embora introduzida para promover a igualdade civil de afro-americanos, a norma também protege os trabalhadores contra outras formas de discriminação, tendo sido ampliada pela jurisprudência, como, por exemplo, no entendimento que foi consolidado recentemente pela Suprema Corte em Bostock v. Clayton County (2020), que cuidava de despedimento ilegal por orientação sexual.
De acordo com Wolfe, as principais questões relacionadas à discriminação recebidas em seu escritório são, pela ordem, assédio sexual (sexual harassment, afirmado como uma conduta discriminatória pela Suprema Corte em Meritor Savings Bank v. Vinson, de 1986), despedimento ou recusa à contratação por motivo de idade (age discrimination, tutelada também pela norma especial Age Discrimination Act, de 1967), condutas discriminatórias ou retaliatórias em razão de deficiência ou licença médica (disabilities/medical leave) e preconceito racial no local de trabalho.
Conforme nos explicou o advogado de Decatur, o maior complicador para o advogado trabalhista em questões de discriminação é a necessidade de submeter o caso preliminarmente a uma instância administrativa, a Equal Employment Oportunity Comission (EEOC), pois a Lei dos Direitos Civis assim o exige, não permitindo que o caso seja ajuizado diretamente perante o Judiciário, o que só é possível quando a revisão administrativa é exaurida ou quando o empregador se recusa a dela participar (caso em que a agência emite um documento denominado “right to sue letter”, autorizando a ação judicial).
De acordo com Steve, o trabalho da agência é excessivamente burocratizado e uma reclamação pode levar meses para ser distribuída, não sendo raro que todo o procedimento ultrapasse mais de um ano e meio. Em tese, a EEOC pode promover uma mediação do caso, em que pode ocorrer um acordo entre as partes (settlement), porém a participação no processo de mediação não é compulsória para as partes. A EEOC também pode investigar os fatos, através de um departamento de investigação (investigation unit).
Quando essa investigação acontece (o que, em geral, é também demorado), eventuais elementos probatórios podem ser utilizados em juízo, o que, segundo Steve, é de grande valia, já que os trabalhadores americanos não têm acesso a documentos que ficam sob controle da empresa e que só podem ser apresentados em caso de requisição administrativa ou judicial. No que diz respeito à obtenção de provas em casos de discriminação, outra barreira apresentada pelo advogado é bastante conhecida pelos que atuam na Justiça do Trabalho no Brasil: a dificuldade de obter depoimentos-chave de outros trabalhadores que ainda continuam contratados pelo empregador e estão sujeitos a grande pressão.
Outra pedra no caminho para o advogado trabalhista americano nos dias de hoje é a existência de cláusulas de arbitragem nos contratos de trabalho, que impedem o ajuizamento de ação trabalhista no Judiciário, convalidadas pela polêmica decisão da Suprema Corte (5 a 4) no caso Epic Systems v. Lewis (2018).
No começo deste ano, no entanto, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei que proíbe cláusulas de arbitragem em casos de assédio sexual. Para Wolfe, os processos de arbitragem na área trabalhista são bastante desfavoráveis aos empregados, por dois motivos principais: não há obrigatoriedade de aplicação do devido processo legal formal nos procedimentos arbitrais e grande parte dos árbitros na área têm experiência como ex-advogados patronais, possuindo visão mais conservadora do direito do trabalho. Além disso, de acordo com as regras da Associação Americana de Arbitragem, os árbitros, em causas trabalhistas, devem ser remunerados pelos empregadores, o que indiretamente faz com que indenizações sejam mais modestas do que as aplicadas no Judiciário, pois os árbitros querem ser selecionados e pagos em casos futuros.
As dificuldades para a produção de prova em casos de discriminação levam os advogados trabalhistas a serem bastante seletivos na escolha de casos que pretendem litigar, pois as custas iniciais na proposição de uma ação judicial podem chegar a US$ 25 mil, valores que são adiantados pelos escritórios de advocacia, que fazem contratos de risco com seus clientes. Em caso de vitória, além da compensação das custas, em geral, os honorários de êxito são estimados entre 35% e 40% do valor da causa.
Em regra, não há honorários de sucumbência nos EUA, mas a legislação sobre discriminação o permite nesses casos, apenas quando o empregador é condenado. Diferentemente do Brasil, em caso de improcedência da ação, o empregado não é obrigado a pagar os honorários do empregador. Os valores dos honorários de sucumbência, geralmente calculados por hora, precisam ser homologados pelo juiz da causa.
O escritório Legare, Attwood e Wolfe também atua fortemente na área de não pagamento de horas extras ou sonegação de gorjetas, mas neste campo as ações somente são ajuizadas na forma de ações coletivas (class actions), já que os custos do processo judicial não compensam demandas individuais (neste caso, os trabalhadores podem reclamar individualmente, sem custo, em agências estaduais ou federais). Neste tipo de ação, não há necessidade de submeter o caso previamente a uma instância administrativa. Em questões de não pagamento de salários, gorjetas ou horas extras, não se admite transação extrajudicial entre empregador e empregado, pois qualquer acordo só é válido se chancelado por agência administrativa do Department of Labor ou por homologação judicial.
Apesar de todas as dificuldades, a advocacia trabalhista está em crescimento nos EUA. Segundo informações que obtivemos com um advogado trabalhista recém-formado pela Universidade de Harvard, as matrículas em disciplinas de employment law e labor law (que, em geral, são facultativas) vêm crescendo a cada ano, muito provavelmente devido ao renascimento do movimento sindical americano e também em razão da crescente litigância trabalhista no país.
De tudo que ouvimos, ficamos com a impressão que os profissionais que atuam na advocacia trabalhista nos EUA possuem especialização em temas bem específicos do direito do trabalho, que a atuação em instâncias administrativas preliminares é bastante relevante e que há dificuldades de acesso à justiça em causas individuais de pequeno valor.
*
Agradeço muito ao professor Gus Cochrane, do Agnes Scott College, em Decatur, que gentilmente nos recebeu no estado da Geórgia e nos apresentou ao advogado Steve Wolfe, a quem também estendo os agradecimentos. Também sou grato ao Juiz do Trabalho João Renda Leal Fernandes pela revisão do artigo.

O advogado Steve Wolfe, do escritório Legare, Atwood & Wolfe

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JOTA

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